O método
(Gonçalo Carneiro, Avante!, 2019/10/31)
O método nada tem de científico, mas resulta quase sempre: quando se quiser formar uma opinião acerca do que se passa em alguma parte do mundo basta ver o que dizem as televisões portuguesas… e concluir exactamente o contrário.
Este método (não sustentado na ciência, insista-se) teria sido útil a muitos nesse já distante ano de 1999, quando as nossas tv’s apresentaram o UCK, do Kosovo, como baluarte da democracia, muito embora os seus líderes estivessem, como ainda estão, envolvidos em práticas – certamente democráticas – como o tráfico de seres humanos. O tratamento do conflito balcânico foi tudo menos «noticioso». Os sérvios foram diabolizados e todos os outros pintados de tons coloridos: os croatas, responsáveis pela limpeza étnica da Krajina; os bósnios, entre os quais pontificavam fundamentalistas islâmicos que fizeram ali o seu baptismo de fogo; os já referidos kosovares albaneses, cujos chefes eram vulgares criminosos.
O mesmo sucedeu em 2003, quando nos «mostraram» as armas de destruição massiva que justificariam a invasão do Iraque, e que até hoje ninguém conseguiu encontrar. E, também, em 2011, quando replicaram acriticamente «informações» que davam como certa a ocorrência de «massacres» na Líbia e na Síria, que abriram caminho à agressão imperialista a esses países. Ou, mais recentemente, quando acharam normal um tipo autoproclamar-se presidente da Venezuela e, em entrevistas, tratarem-no como tal, e não consideraram notícia o bloqueio norte-americano, o roubo de fundos, os obstáculos ao comércio…
Se o que é dito conta, os silêncios também têm significado. Assim, não só os temas atrás mencionados desapareceram «do ar» de um momento para o outro – quando só haveria para mostrar a destruição causada pela intervenção externa, militar ou económica – como outros nunca (ou quase) tiveram tempo de antena. Quem já viu nas nossas televisões a revolta do povo haitiano? Quantas peças já foram transmitidas sobre o levantamento popular no Chile e as suas reais razões? E alguma delas se referiu à violentíssima repressão, em muitos casos a fazer lembrar os tempos de Pinochet? Algum canal português mostrou a devastação social provocada pelas políticas neoliberais de Macri, Piñera ou Moreno?
As grandes cadeias de «informação», altamente concentradas e detidas por alguns dos maiores grupos económicos do planeta, determinam do que se fala e como se fala em praticamente todo o mundo. São, hoje, mais um braço das forças armadas do imperialismo, e o primeiro a entrar em combate. Preparado o terreno – que neste caso somos nós, espectadores – avançam depois o Exército, a Marinha, a Força Aérea, o FMI, o que for…
A luta de classes trava-se também neste campo.
(Gonçalo Carneiro, Avante!, 2019/10/31)
O método nada tem de científico, mas resulta quase sempre: quando se quiser formar uma opinião acerca do que se passa em alguma parte do mundo basta ver o que dizem as televisões portuguesas… e concluir exactamente o contrário.
Este método (não sustentado na ciência, insista-se) teria sido útil a muitos nesse já distante ano de 1999, quando as nossas tv’s apresentaram o UCK, do Kosovo, como baluarte da democracia, muito embora os seus líderes estivessem, como ainda estão, envolvidos em práticas – certamente democráticas – como o tráfico de seres humanos. O tratamento do conflito balcânico foi tudo menos «noticioso». Os sérvios foram diabolizados e todos os outros pintados de tons coloridos: os croatas, responsáveis pela limpeza étnica da Krajina; os bósnios, entre os quais pontificavam fundamentalistas islâmicos que fizeram ali o seu baptismo de fogo; os já referidos kosovares albaneses, cujos chefes eram vulgares criminosos.
O mesmo sucedeu em 2003, quando nos «mostraram» as armas de destruição massiva que justificariam a invasão do Iraque, e que até hoje ninguém conseguiu encontrar. E, também, em 2011, quando replicaram acriticamente «informações» que davam como certa a ocorrência de «massacres» na Líbia e na Síria, que abriram caminho à agressão imperialista a esses países. Ou, mais recentemente, quando acharam normal um tipo autoproclamar-se presidente da Venezuela e, em entrevistas, tratarem-no como tal, e não consideraram notícia o bloqueio norte-americano, o roubo de fundos, os obstáculos ao comércio…
Se o que é dito conta, os silêncios também têm significado. Assim, não só os temas atrás mencionados desapareceram «do ar» de um momento para o outro – quando só haveria para mostrar a destruição causada pela intervenção externa, militar ou económica – como outros nunca (ou quase) tiveram tempo de antena. Quem já viu nas nossas televisões a revolta do povo haitiano? Quantas peças já foram transmitidas sobre o levantamento popular no Chile e as suas reais razões? E alguma delas se referiu à violentíssima repressão, em muitos casos a fazer lembrar os tempos de Pinochet? Algum canal português mostrou a devastação social provocada pelas políticas neoliberais de Macri, Piñera ou Moreno?
As grandes cadeias de «informação», altamente concentradas e detidas por alguns dos maiores grupos económicos do planeta, determinam do que se fala e como se fala em praticamente todo o mundo. São, hoje, mais um braço das forças armadas do imperialismo, e o primeiro a entrar em combate. Preparado o terreno – que neste caso somos nós, espectadores – avançam depois o Exército, a Marinha, a Força Aérea, o FMI, o que for…
A luta de classes trava-se também neste campo.
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