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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A greve que permite a Costa seduzir a direita com ajuda da esquerda


Ao neutralizar a greve dos motoristas, António Costa conquista votos entre aquele eleitorado de centro direita que, tendo sido deixado órfão pelo PSD e CDS, não gosta de greves e aprecia governantes de pulso firme. E está a conseguir fazer isto com a preciosa ajuda dos sindicatos ligados ao PCP.

O general De Gaulle dotou a França de armas nucleares, instituindo a chamada “dissuasão do fraco ao forte”. Esta doutrina assenta numa ideia simples mas eficaz: a França é mais fraca que a Rússia, mas se necessário consegue reduzir a cinzas pelo menos dez cidades russas, incluindo Moscovo e São Petersburgo. Que ninguém se meta, portanto, com a grandeur de la France.
O direito à greve é a arma nuclear dos sindicatos, sendo tão eficaz como método de dissuasão quanto mais chatices e prejuízos causar. Podemos não gostar das greves e seus efeitos, mas é frequentemente a única forma que os “fracos” têm de obrigar os “fortes” a sentarem-se à mesa das negociações. Uma greve ‘simpática’ serve de pouco.
A presente greve dos motoristas de matérias perigosas está longe de ser ‘simpática’, mas é difícil não reconhecer a justeza das exigências destes trabalhadores, que querem descontar para a Segurança Social com base nos rendimentos que efetivamente auferem e não apenas no atual salário base de 630 euros, que os condena a uma reforma de miséria na velhice.
Tal como algum spin nos tem convenientemente recordado, os motoristas de matérias perigosas podem ganhar cerca de 1.800 euros por mês, mas convém ter em conta que este valor inclui as ajudas de custo e outros montantes sobre os quais, segundo os sindicatos, não são efetuados descontos. Nesta greve, os sindicatos não vão ao ponto de exigir que se façam descontos sobre tudo o que os trabalhadores recebem, como seria natural, pedindo antes um aumento do salário base para 900 euros.
Façamos, pois, as contas (*). Um funcionário que recebe um salário bruto base de 630 euros representa um custo mensal de mil euros para a sua entidade empregadora. Já um trabalhador com um vencimento base de 900 euros representa um custo de 1.400 euros, ou seja, mais 42%, uma subida que as empresas dificilmente conseguirão comportar. Embora em termos líquidos esse trabalhador receba apenas 840 euros, já com o subsídio de alimentação. E se os descontos fossem efetuados sobre os tais 1.800 euros, o custo para a empresa seria de cerca de 2.750 euros, quase três vezes mais que os encargos associados ao ordenado base atual.
No fim de contas, independentemente da responsabilidade que possa existir por parte das entidades patronais e da falta de viabilidade económica de algumas destas empresas, o problema dos motoristas de matérias perigosas é igual ao de muitos outros portugueses que são prejudicados pela elevada carga fiscal sobre o trabalho. A qual é aplicada pelo mesmo Estado que, além disso, através do IVA e do ISP, arrecada mais de metade do preço que pagamos pelos combustíveis que os motoristas transportam nos seus camiões.
Fora isto, o grande desafio dos motoristas é terem pela frente um primeiro-ministro de esquerda que procura seduzir aquele eleitorado de centro direita que, tendo sido deixado órfão pelo PSD e CDS, não só não gosta de greves como aprecia governantes de pulso firme. Já em 2005 foram estes eleitores que deram a Sócrates – “o chefe democrático que a direita sempre quis ter”, nas palavras do próprio – a primeira maioria absoluta de sempre do PS.
Seria no mínimo curioso se António Costa conseguisse a proeza de uma maioria absoluta nas próximas eleições, graças à forma hábil como neutralizou esta greve com a ajuda do sindicalismo ligado ao PCP. Mas tendo em conta que a ‘geringonça’ tem sido desastrosa para a performance eleitoral do PCP, talvez muitos comunistas desejem, sem o confessar, que o PS governe sozinho nos próximos anos.

(*) – Valores médios mensais (para 12 meses, incluindo subsídios de férias e Natal) aplicáveis a um funcionário casado, com dois titulares de IRS e um dependente. Inclui subsídio de almoço diário de cinco euros.

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