Portugal é o terceiro país europeu com maior percentagem de trabalhadores que, em algum momento, já estiveram ligados ao "exército invisível" das plataformas digitais, conceito usado pela Organização Internacional do Trabalho.
A digitalização da economia e a multiplicação de plataformas eletrónicas estão a criar um novo fenómeno no mundo do trabalho, ao qual a Organização Internacional do Trabalho (OIT) até já deu o nome de "exército invisível", devido à dificuldade em perceber concretamente quantas pessoas trabalham para estas plataformas. Portugal é o terceiro país no que respeita à maior percentagem de trabalhadores que, em algum momento, já prestaram serviço para uma plataforma (11,5%), só ultrapassado por Espanha (12,5%) e pelo Reino Unido (12%). Neste conceito de plataformas digitais há espaço para várias categorias de trabalho, desde a prestação de pequenos serviços, como tradução ou revisão de texto, até à entrega de comida, como a Glovo, ou de transporte público, de que é exemplo a Uber.
Os dados da Comissão Europeia, relativos a 2017, foram feitos através de um inquérito online, chamado JRC COLLEEM e divulgados através do documento Digital Labour Platforms in Europe. O objetivo de Bruxelas é perceber como funciona este tipo de mercado, qual o perfil do trabalhador e que peso tem para o rendimento dos cidadãos que desempenham estas funções.
Este retrato revela ainda que, em Portugal, 2,1% dos inquiridos referem o trabalho para plataformas digitais como a sua principal ocupação (quando pelo menos 50% do rendimento é obtido através destes trabalhos e/ou trabalham 20 horas semanais para as plataformas). Um número que fica aquém dos 3,6% do Reino Unido, país onde se encontra a maior percentagem de trabalhadores que têm as plataformas digitais como ocupação principal. Os segundo e terceiro lugares são ocupados pela Holanda (2,8%) e Espanha (2,7%).
O inquérito da Comissão Europeia revela ainda que 6,4% dos trabalhadores portugueses já realizaram serviços para plataformas digitais mas de forma esporádica (menos de 25% do rendimento através de plataformas e/ou zero a dez horas semanais de trabalho) e 1,8% deles já o fizeram como trabalho secundário, em que pelo menos 25% do rendimento provém de plataformas.
O inquérito aos trabalhadores foi feito a 32 mil pessoas, em países como Espanha, Reino Unido, Portugal, Alemanha, Lituânia, Holanda, Itália, Roménia, Croácia, França, Suécia, Eslováquia, Hungria e Finlândia.
O "exército invisível" precisa de proteção
O conceito do exército invisível foi explicado, em abril, por Uma Rani, investigadora da Organização Internacional do Trabalho, em entrevista do Dinheiro Vivo. "É uma espécie de exército invisível de trabalho, que está disponível globalmente e pronto a trabalhar", em que a ligação entre as duas partes é estabelecida através de uma plataforma ou meios eletrónicos.
Para a investigadora, este tipo de trabalhos está a criar uma categoria de trabalhadores sem proteção laboral, num setor que "precisa de ser mais transparente", nomeadamente na forma como são disponibilizadas as tarefas aos trabalhadores disponíveis.
Mas a falta de trabalhadores desprotegidos ou com vínculo pouco claro não é o único problema - existe também uma enorme dificuldade em contabilizar o número de trabalhadores que estão ligados a este tipo de atividades. E quanto é que ganham.
Num estudo recente, chamado Plataformas digitais e o futuro do trabalho, a OIT elaborou um conjunto de várias medidas, pensadas para dar garantias aos trabalhadores, num panorama que caminha a passos largos para a digitalização do trabalho.
Entre as principais medidas descritas pela organização estão o pedido da criação de estatutos laborais adequados aos trabalhadores, a garantia de uma remuneração mínima para estes (calculada tendo em conta o salário do país de residência) e uma maior transparência nas taxas e pagamentos através das plataformas.
Na União Europeia já foi criada uma diretiva para enquadrar esta nova vaga de trabalhadores. A legislação europeia, datada de 20 de junho de 2019, contempla os trabalhadores que prestem às plataformas digitais pelo menos 12 horas de trabalho mensais. Os Estados membros vão ter três anos para a transposição desta diretiva à respetiva legislação nacional, que poderá abarcar dois a três milhões de trabalhadores, de acordo com estimativas da própria Comissão Europeia.
Catia Rocha
* jornalista do Dinheiro Vivo
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