O ABRAÇO DE URSO DE COSTA AO PCP
(Manuel Esteves, 26 de junho de 2019)
O pior que o PCP pode receber do PS são elogios paternalistas. Ao transformar o Bloco de Esquerda no grande adversário à sua esquerda, o PS menoriza o PCP e tira-lhe capacidade para atrair o eleitorado mais avesso aos socialistas e ao sistema. É falta de jeito de Costa ou é muita habilidade?
As relações dentro da geringonça sempre foram complexas mas à medida que se deterioram torna-se cada vez mais evidente que o Bloco suscita muitos mais anticorpos ao PS do que o PCP. Quanto a isso não há dúvidas e as razões são evidentes: o Bloco compete mais com o PS do ponto de vista eleitoral e, a prazo, constitui uma ameaça maior; os ataques e provocações bloquistas são mais incisivos e dolorosos do que os do PCP; o Bloco é muito mais ativo na comunicação em contraste com o PCP, que tem um perfil muito institucional.
Mas mais interessante é a ternura que o PS tem vindo a desenvolver pelo PCP. As críticas do primeiro-ministro e outros dirigentes socialistas ao BE vêm muitas vezes acompanhadas de um contraponto elogioso aos comunistas. À sua seriedade, à sua constância, à sua coerência.
Nos debates no Parlamento é gritante o contraste entre as discussões agrestes do primeiro-ministro com Catarina Martins e depois a conversa amigável com Jerónimo de Sousa.
O carinho de Costa pelo PCP atingiu o seu zénite na noite das eleições europeias. Na sua intervenção, numa altura em que já era evidente para todos que o PCP tinha sofrido uma derrota pesada, o secretário-geral do PS afirmou que não havia derrotados à esquerda. "Os partidos que apoiam o Governo não tiveram essa derrota, pelo contrário tiveram uma vitória", afirmou, em jeito de palmadinha nas costas de Jerónimo. Já estávamos habituados a ver o PCP ignorar as suas derrotas, mas ver o PS transformá-las em vitórias é uma novidade surpreendente.
Acontece que este namoro do PS ao PCP é a pior coisa que pode acontecer aos comunistas. Se há partido que vive bem na oposição é o PCP, que cultiva com esmero nas suas bases o antagonismo face ao PS. Em troca, o pior que pode receber são elogios e paternalismos do seu adversário histórico. Ao transformar o Bloco no grande adversário à sua esquerda, o PS menoriza o PCP e tira-lhe capacidade para atrair o eleitorado mais avesso aos socialistas e ao sistema.
Saberá Costa o mal que está a fazer ao PCP? E é deliberado ou não? As suas jogadas deixam sempre esta dúvida no ar: é falta de jeito ou muita habilidade? Ao Bloco, Costa bate com força para afastar o eleitorado moderado. Ao PCP, faz elogios para afastar o eleitorado radical. Se assim for, senhor primeiro-ministro, "chapeau"!
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