Esta decisão, que deixou Vital Moreira ou Rui Tavares cheios de certezas ou de esperanças, respectivamente, confirma, na realidade, a natureza da Comissão Europeia, enquanto entidade política pós-democrática capaz tantas vezes de promover uma certa interpretação do princípio da concorrência de mercado dita livre e não-falseada à escala supranacional, princípio neoliberal que pelos vistos colhe apoios entre gente de esquerda.
O que a Comissão Europeia vem dizer parece simples de interpretar: uma coisa é a corrida para o fundo em matéria de fiscalidade empresarial, promovida idealmente, de forma geral e abstracta, por uma integração europeia desenhada para estender o princípio da concorrência a certas e determinadas regras, outra é a política industrial de Estados, um alvo sempre a abater. Agora desprovidos de instrumentos decentes de política por esta integração, os Estados usam o que têm, beneficiando empresas em concreto por via fiscal. Este reduto da discricionariedade estadual é agora pelos vistos limitado.
Esta decisão é a expressão da ideia de que as entidades políticas puramente capitalistas são no seu melhor um velador dos interesses gerais e de mais longo prazo do capital; neste caso, do capital que tem um horizonte de operações supranacional ou não fosse a UE o outro nome da globalização no continente, criando um terreno regulatório uniforme que serve os seus interesses coletivos, mesmo que possa, por vezes, não muitas vezes, prejudicar os interesses particulares de empresas particulares em momentos particulares. A força material da UE advém também desta capacidade, como sabe quem esteja atento ao que se tem passado desde pelo menos o Acto Único europeu, nos anos oitenta, e às posições das organizações representativas dos interesses do grande capital nessa escala. Nunca deixaram de apoiar a integração.
De resto, dizer que a União Europeia é uma forma de corrigir uma falha de mercado gerada pela coexistência entre estados nacionais e integração supranacional, como faz Vital Moreira, é um erro crasso, típico de economia de manual, porque esquece que a União Europeia, pelo seu papel na construção das forças de mercado à escala supranacional, na construção da globalização no continente, foi a geradora principal aí dos problemas de concentração de poder nas multinacionais. Esta decisão limita-se a reduzir a discricionariedade fiscal dos Estados, quando a verdadeira solução começa pela redução do alcance da globalização económica, através, entre outras, da recuperação de instrumentos decentes de política industrial. As periferias precisam destes instrumentos mais do que o centro, claro.
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