– Porque é importante que a administração fiscal conheça os saldos das contas bancárias
por Eugénio Rosa [*]
Neste estudo são analisadas as seguintes questões: (1) O montante de receita fiscal perdida pelo Estado devido à evasão e fraude fiscal; (2) O montante de receita de contribuições perdida pela Segurança Social devido à evasão e fraude; (3) A percentagem de depositantes que seriam abrangidos pelos 50.000€ e por que razão a informação sobre o montante dos saldos bancários é importante no combate eficaz à evasão e fraude fiscal, que é vital para que não sejam sempre os mesmos – trabalhadores e pensionistas – a suportar a maior parte da carga fiscal como acontece
Numa altura em que existe uma gigantesca campanha (uma espécie de santa aliança que se formou em defesa de uma minoria, como mostraremos) contra a lei aprovada pelo atual governo que obriga os bancos a informarem à Administração Fiscal os contribuintes com saldos bancários superiores a 50.000€ – campanha essa que não olha a meios, incluindo a mentira(confisco de depósitos) e a outros tipos de argumentos(desproporcionalidade, espiolhar, devassa da vida privada, etc.) para manipular e amedrontar a opinião pública, condicionar o governo e o Presidente da República – interessa analisar com objetividade e com conhecimento esta questão, pois o acesso automático aos saldos das contas bancárias é um instrumento importante no combate à evasão e fraude fiscal, como explicaremos. Em estudo anterior referimos que, segundo estatísticas divulgadas pela Autoridade Tributária do Ministério das Finanças, 92,7% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS são do trabalho e pensões, cabendo aos restantes rendimentos – incluindo os de capital e propriedade – apenas 7,3% dos rendimentos declarados. No entanto, parece que isto não incomoda todos aqueles que se unem agora contra o diploma do governo. A própria OCDE, um organismo insuspeito, “vê com bons olhos o acesso do fisco às contas” (Jornal de Negócios, de 26/9/2016) e em vários países europeus esta medida já vigora.
UMA ESTIMATIVA DA DIMENSÃO DA EVASÃO E FRAUDE FISCAL EM PORTUGAL
Não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude fiscal, mas é enorme em Portugal. Para concluir isso, basta fazer algumas estimativas, utilizando os próprios dados oficiais.
Entre 2006 e 2015, de acordo com as estimativas feitas a evasão e fraude fiscal em Portugal pode ter atingido 95.024 milhões €, um valor enorme. O método utilizado para estimar este montante foi o de calcular a diferença em milhões € de PIB entre os impostos pagos em Portugal e os que deviam ser pagos atendendo ao nível de desenvolvimento do país em comparação com os 28 países da União Europeia (59,9% da média da U.E.).
Os valores obtidos são uma estimativa indicativa da dimensão da evasão e fraude fiscal no nosso país que é enorme: 95.024 milhões € no período 2006-2015. Para além disso, os valores anuais revelam um decréscimo acentuado durante alguns anos (entre 2006 e 2013, passa de 12.242 milhões € para 3.946 milhões €, o que confirma o aumento da eficácia da Administração Fiscal) mas, infelizmente, nos dois últimos anos observa-se uma inversão daquela tendência decrescente, o que parece mostrar que os instrumentos já não são suficientes e já esgotaram a sua capacidade de combate à evasão e fraude fiscal, sendo necessário, se quiser ter efeitos, utilizar instrumentos mais eficazes.
UMA ESTIMATIVA DA EVASÃO E FRAUDE CONTRIBUTIVA À SEGURANÇA SOCIAL
Mas não se pense que a evasão e a fraude se circunscrevem apenas aos impostos. Elas também se verificam em larga escala a nível de contribuições para a Segurança Social. Também aqui não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude contributiva, por isso tivemos de fazer estimativas (quadro 2) utilizando, para isso, os dados oficiais disponíveis.
O método utilizado é de fácil entendimento. Pegaram-se nos valores de “Ordenados e salários” divulgados pelo INE e deduziu-se a parcela que não desconta para a Segurança Social (parte da Função Pública e outros trabalhadores que continuam a descontar para fundos). E ao valor assim obtido aplicou-se a taxa de 34,75% (11% desconto dos trabalhadores e 23,75% das empresas) e assim se obteve o valor que devia ser cobrado pela Segurança Social, e comparou-se este valor com o efetivamente cobrado. E a conclusão que se tira é a seguinte: no período 2000-2015, portanto em 15 anos, a Segurança Social perdeu receitas no valor de 53.119 milhões, o que agravou as dificuldades de sustentabilidade da Segurança Social e serviu de justificação para cortar e congelar as pensões. E neste momento, pouco ou mesmo muito pouco, está a ser feito para inverter esta situação.
A ELEVADA CONCENTRAÇÃO A NÍVEL DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS: 82,5% dos depositantes possuem apenas 14,6% dos depósitos, enquanto 3,3% detêm 53,3% do total
Como se verifica em outras áreas da vida nacional, também aqui muitos têm muito pouco, e poucos têm muito. Os dados são do Fundo de Garantia de Depósitos bancários
O quadro 3, consta na pág. 16 do Relatório do Fundo de Garantia de Depósitos de 2014 (o último disponível). Como rapidamente se conclui a concentração dos depósitos bancários em Portugal é muito elevada: 82,5% dos depositantes tem depósitos iguais ou inferiores a 10.000€, os quais representam apenas 14,6% do montante total dos depósitos (23.750 milhões €), enquanto 1,2% dos depositantes possui 38,2% do montante dos depósitos dos bancos referidos no Relatório (62.143 milhões €). Os depositantes com mais de 50.000€ –aqueles cujos saldos deviam ser comunicados anualmente à Administração Fiscal, de acordo com a lei aprovada pelo governo – correspondem apenas a 3,3% do total de depositantes mas possuem 53,3% dos depósitos (86.709 milhões €).
Esta é a realidade e são estes que se sentem incomodados com a informação que seria prestada a Administração Fiscal dos saldos das suas contas, pois 96,7% dos depositantes não são abrangidos pela lei aprovada pelo governo. Portanto, aqueles que na comunicação social ou fora dela, se arvoraram contra aquilo que dizem ser a ” devassa da vida privada ” ou a ” espiolhar das contas bancárias “, é bom que saibam que o que estão a defender é a opacidade como muitos (certamente não a maioria, pois como diz o ditado popular, “quem não deve não teme”) dos 3,3% dos depositantes de bancos que conseguiram acumular elevadas fortunas, muitas vezes não pagando os impostos devidos, o que obriga milhões de trabalhadores e de pensionistas, que não fogem ao pagamento de impostos, a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que, aproveitando a opacidade existente, fogem às suas obrigações como cidadãos deste país.
POR QUE RAZÃO O ACESSO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL AOS SALDOS DAS CONTAS BANCÁRIAS É FUNDAMENTAL NO COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAL
Por ignorância ou com o intuito deliberado de impedir um o combate eficaz à evasão e fraude fiscal, muitos dos comentadores que tem acesso fácil e garantido aos órgãos de comunicação social (ex.: Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares, etc) afirmam, sem haver possibilidades de contraditório(assim vão os media em Portugal, de apenas uma voz) que o acesso automático da Administração Fiscal à informação dos contribuintes com saldos bancários superiores a 50.000€ é uma pura devassa da vida privada, pois isso não é necessário já que, quando há suspeitas de fuga aos impostos, a Autoridade Tributária tem o direito, por lei, de aceder às contas bancárias do contribuinte que suspeita que violou a lei.
No entanto, todos estes comentadores ignoram, ou por desconhecimento ou intencionalmente, que essa deteção pela Autoridade Tributária é extremamente difícil, tem resultados reduzidos, se não tiver a possibilidade de cruzar os dados dos rendimentos declarados pelos contribuintes com dados da evolução verificada na sua fortuna. E um dado fundamental no combate à fraude e evasão fiscal é precisamente a variação dos saldos das contas bancárias. Se a Administração Fiscal tiver conhecimento de uma variação significativa nos depósitos bancários dos contribuintes, isso funciona como um sinal de alerta, que a levará depois a analisar as declarações de rendimentos entregues por esses contribuintes, para saber se a variação verificada nos depósitos bancários tem suporte nos rendimentos declarados por esses contribuintes. E se não tiver deverá pedir esclarecimentos aos contribuintes. É evidente que é um combate mais orientado à evasão e fraude e certamente muito mais eficaz.
Esperar que em mais de 5 milhões de contribuintes, a Administração Fiscal possa, sem instrumentos de pesquisa automática (e para isso é necessário ter acesso à informação necessária, daí a justificação para poder ter acesso aos saldos das contas bancárias dos contribuintes), detetar os que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, é reduzir significativamente a sua eficácia; é, no fundo e objetivamente, proteger aqueles que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, obrigando milhões de trabalhadores e pensionistas a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que fogem ao fisco. É sobre isto que deviam refletir aqueles que, com emoção e desconhecendo a realidade, se opõem a esta medida. Para além de tudo, o saber que as contas bancárias com saldos elevados seriam comunicados a Administração Fiscal, isso teria um poderoso efeito dissuasivo à fuga ao pagamento de impostos, à semelhança do que aconteceu com e-fatura. É evidente que este controlo podia ser aperfeiçoado ainda de forma a dar maior tranquilidade aos contribuintes que não fogem aos impostos, por ex. permitindo o acesso apenas àqueles em que se verificam nos saldos bancários variações significativas, cuja seleção poderia ser feito de uma forma automática por meio de um algoritmo.
28/Setembro/2016
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