Os montantes destinados à Cultura no OE – e o destino que lhes é dado – dizem quase tudo sobre uma política cultural. O governo actual já vai em dois ministros, mas o discurso vem de trás: “fazer mais com menos”, “aumentar a execução orçamental”, “não é o ideal mas é o possível”, etc. etc. O peso da Cultura no OE foi em 2016 o mais baixo de sempre. Ou há em 2017 um claro sinal de mudança, ou a frustração de 2016 terá de converter-se num ainda maior movimento de Cultura em luta.
O debate de qualquer OE é um debate de números. Mas se há área em que esses elementos quantitativos são também qualitativos é a área da Cultura. E como vêm sendo atirados para o ar alguns montantes, há que tentar colocá-los em perspectiva.
As políticas de “austeridade” desempenharam em todo o lado o mesmo papel: o de privatizar e precarizar, o de exponenciar a exploração, o de fazer recuar ou anular direitos, o de reduzir o papel do Estado e das políticas públicas. A sua repercussão na Cultura é devastadora. Reverter as suas consequências exige meios financeiros e humanos efectivos e uma muito determinada vontade política, porque o que há a refazer não pode reportar-se apenas aos anos mais recentes. O financiamento público das actividades culturais foi reduzido para menos de metade em relação a 2008, considerando-se o governo central e os municípios. O Orçamento do MC em 2016 foi o mais baixo de sempre.
Não é só o financiamento que está em causa: são as medidas urgentes a tomar perante um sector em profunda crise, que não pode ser apenas descrita em números, mas para a qual alguns números – mesmo os do INE, cuja “conta satélite” mete no saco da Cultura, entre outras, as agências de viagens, os operadores turísticos, a diversão e a publicidade – são elucidativos. Entre 2010 e 2012 queda de 15% no VAB do sector; queda de 13% no emprego; queda de 20% no consumo privado e de 12% no consumo público. Entre 2008 e 2013 queda de quase 30% no rendimento gerado. A 3ª mais baixa taxa de emprego cultural na UE, a mais baixa taxa de sobrevivência de empresas do sector na UE. Um enorme número de trabalhadores não remunerados, que nas artes do espectáculo supera largamente o dos trabalhadores remunerados, e em todas as áreas tem expressão significativa. Na UE só a Roménia tem piores índices no que diz respeito à leitura de livros, à participação em actividades culturais, à visita a espaços de cultura. Dados estatísticos que passam pela rama de uma realidade alarmante.
Se há coisa que num tal quadro a Cultura dispensa são os malabarismos com números. O OE 2017 pode dar um genuíno sinal de mudança. Ou pode, como o de 2016, constituir motivo de frustração e descrédito. A coisa está em aberto.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2234, 22.09.2016
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