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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Tudo bons rapazes. O julgamento do maior assalto da história dos EUA







Scorcese filmou o maior de todos os golpes da máfia, mas esqueceu-se dele. A justiça, não. Quase quatro décadas depois, Vincent Asaro pode tornar-se o primeiro cabecilha a ser condenado pelo “Assalto da Lufthansa”.



Longe dos dias de glória vividos à margem da lei e imortalizados no grande ecrã, uma lenda da velha guarda da máfia nova-iorquina sentou-se esta semana no banco dos réus para enfrentar uma antecipação do juízo final na cidade que assistiu à sua ascensão e declínio, num arco que se estende ao longo de quatro décadas, com uma carreira criminosa que culminou em 1978, naquele que foi o maior assalto de sempre em solo norte-americano.


Aos 80 anos, Vincent Asaro corre o risco de passar o resto dos seus dias atrás das grades. Na declaração inicial, a procuradora Lindsay Gerdes explicou como o homem ali sentado foi um dos responsáveis pelo golpe no aeroporto John F. Kennedy no qual se aliou ao temível James Burke (Jimmy, o Cavalheiro, como era conhecido), que terá sido o mentor da operação. 

Líder da família rival, Luchese, Jimmy morreu de cancro na prisão em 1996, não sem ter visto Robert De Niro encarnar a personagem em si inspirada no filme de Martin Scorsese, “Tudo Bons Rapazes”, de 1990.


Na noite de 11 de Dezembro, seis homens envergando máscaras de esqui conseguiram infiltrar-se no armazém da Lufthansa, onde esperavam encontrar 2 milhões de dólares. Afinal, deram com mais de 6 milhões em dinheiro e jóias, o equivalente a 18,4 milhões de euros nos valores actuais, e que nunca foram recuperados. 

O assalto tornou-se lendário depois de Burke ter decidido que o melhor era não deixar pontas soltas e mandou matar alguns dos homens que encarregou do assalto. 
Asaro, que 36 anos depois pode vir a ser o primeiro dos cabecilhas a ser condenado pelo golpe, não teve direito a figurar naquele que é considerado um dos melhores filmes de crime na história do cinema. 

Mas está acusado de ter ordenado, com Burke, o homicídio de Paul Katz, estrangulado com a trela de um cão em 1969, depois de terem recaído sobre si as suspeitas de ser um informador da polícia, estando a colaborar numa investigação. 

O cadáver foi enterrado sob o piso de cimento da cave de uma casa vazia.


As estrelas da acusação são personagens de segunda ordem na hierarquia da família Bonanno, uma das cinco que dominaram o crime em Nova Iorque, e de que Asaro alegadamente era um dos chefes. 

Assim, esta justiça que tanto tarda só não falha porque o FBI paga, e bem, para contar com a colaboração de bufos como Salvatore Vitale, um subchefe que se declarou culpado de 11 homicídios na vida que deixou para trás, ou Gaspare Valenti, primo de Asaro, que nunca foi mais que um dos capangas da família. 


Foram apenas as primeiras testemunhas a serem ouvidas. 

No caso de Valenti, a advogada de defesa, Elizabeth Macedonia, obrigou-o a relatar em detalhe os homicídios em que participou e de que se deu como culpado no acordo de cooperação que assinou com o governo, e fez questão de frisar como foi pago por todas as vezes – e foram quase dez – em que foi chamado a tribunal para tramar ex-parceiros, recebendo por uma dessas aparições 250 mil dólares. Por mais que o tenha evitado, não se livrou do olhar penetrante do seu próprio filho, Anthony Valenti (Sammy Gordo), um dos duros que garantem até aos dias de hoje que quem violar a omertà – código de silêncio pelo qual se regem os membros da máfia – passará o resto dos dias a olhar por cima do ombro.


Na sua declaração inicial, a advogada de Asaro, Diane Ferrone, defendeu a fragilidade do caso que foi montado contra o seu cliente, sublinhando que as testemunhas do governo são criminosos a quem foi dado “um motivo para mentir”. Ferrone acusou Valenti, hoje com 68 anos, de ser um burlão que viu que tinha a vida feita se aceitasse entrar na folha de pagamento do governo como informador e que aceitou, em 2008, usar um microfone e gravar as conversas com o primo. 

Lembrou que Valenti tinha um longo historial de dívidas de jogo e sugeriu que este não teve alternativa senão fazer tudo o que lhe fosse pedido pelo governo de forma a conseguir a sua protecção.


Por sua vez, a procuradora Gerdes, ainda antes de chamar Valenti ao banco das testemunhas, explicou como Asaro tinha recrutado Valenti para o golpe no aeroporto mas, no fim, cedeu à ganância e ficou com a parte que tinha prometido ao primo. Terá sido este tipo de atitudes que levou Valenti a traí-lo e gravar centenas de horas de conversas incriminadoras sem sentir grandes remorsos.


Asaro foi detido pelo FBI em Janeiro do ano passado, na sequência de uma série de rusgas que levaram também à prisão o seu filho Jerome e outros três membros da família Bonanno – Jack Bonaventure, Thomas de Fiore e John Ragano. Segundo a acusação, em meados da década de 1980, Asaro deu instrução ao filho e a outro dos homens que tinha às suas ordens para desenterrarem o corpo de Katz e lhe darem sumiço. Em 2013, o FBI recuperou a mão direita e pulso, cabelos, dentes e a roupa, que um teste de ADN confirmou pertencerem a Katz. 

O piso de cimento debaixo do qual foi sepultado era o da cave de uma casa da família Burke em Queens.


Além do envolvimento neste homicídio e no assalto da Lufthansa, Asaro é ainda acusado de pôr fogo num edifício também em Queens, de roubar um milhão de dólares em sais de ouro de uma carrinha de transporte de valores e de encomendar a morte de um primo. 

Tudo isto nos anos 80. De lá para cá, os esquemas terão perdido audácia, e o crime mais recente que o velho que apareceu no tribunal de Brooklin em roupas modestas e a mascar chiclete viu ser-lhe imputado é agiotagem, em 2013.


Na quarta feira da semana passada, naquele que foi o segundo dia do julgamento, e depois de no dia anterior o testemunho de Sal Vitale ter aclarado a organização interna da família e a sua estrutura de poder, com Valenti, os jurados puderam ter uma visão do que é o dia-a-dia dos mafiosos à medida que envelhecem, tentanto manter alguma da sua capacidade de persuasão, recorrendo ao uso da força já não para obterem grandes dividendos e levarem vidas de ostentação e luxo, mas simplesmente para conseguirem pagar as contas e viver com relativa descontracção os anos que lhes restam.

jornal i

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