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terça-feira, 22 de setembro de 2015

Não contem com Merkel

balhorn - I

Não contem com Merkel

Loren Balhorn, Don’t Count on Merkel – The German left must fight for a solution to the refugee crisis that doesn’t involve more fences, border guards, or racist demagoguery.

site Jacobin, 4 de Setembro de 2015

(CONCLUSÃO)

Construindo uma alternativa na Alemanha

Por uma questão de princípio político, toda a gente tem o direito de viver, trabalhar e viajar para onde queiram. Este pilar de longa data da política da esquerda europeia (“não há fronteiras, não há nações, pare-se com as deportações”) é reforçada pela implicação da NATO e da Alemanha em muitas das crises sociais, das quais os refugiados fogem. A esquerda alemã tem uma responsabilidade política e moral para lutar por esse direito.

 Mas a crise de refugiados também apresenta uma oportunidade para expandir esta plataforma, tanto em termos quantitativos, trazendo milhares de requerentes de asilo, para não mencionar os cidadãos até aí passivos, para a actividade política em torno da situação imediata apresentada pelos refugiados que chegam, e num certo sentido qualitativo, incorporando discussões em torno das ideias de imperialismo, globalização, bem como da natureza da própria UE.

Afinal, as centenas de milhares de refugiados a fluírem para a Alemanha simplesmente não aparecem vindas do ar – elas estão a ser levadas para o país por situações desesperadas no exterior que não podem mais ser ignoradas. O apoio da Alemanha para a ocupação do Afeganistão e o seu papel fundamental para sustentar o regime das fronteiras europeias estará potencialmente em debate nos círculos mais largos do que era pensável apenas há alguns meses atrás. E a culpabilidade alemã fornece uma abertura para se ligar a crise dos refugiados na Europa com as contradições e as crises geradas pelo capitalismo global, especialmente para aqueles que vivem no Sul Global.

A crise também é uma oportunidade para a esquerda alemã aprofundar as suas ligações com os grupos de imigrantes e discutir a dinâmica racista dentro da sociedade alemã de uma forma mais ampla. As centenas de milhares de requerentes de asilo que devem chegar à Alemanha este ano vão elas próprias encontrar-se num lugar onde as minorias e as pessoas de cor estão desesperadamente sub-representadas na vida pública.

Apesar de mais de quatro milhões de muçulmanos considerarem a Alemanha como a sua casa, há apenas um punhado de muçulmanos no parlamento e nos media e menos ainda quanto aos afro-alemães ou outras pessoas de cor.

Embora haja cada vez mais políticos alemães a serem levados a admitir que a Alemanha está-se a tornar um país de imigrantes, a narrativa dominante continua a enquadrar o país como uma nação europeia, uma nação cristã,  (pelo menos no sentido cultural) com várias minorias a residirem no seu interior. Os debates sobre o hijab ou a ameaça representada pelos salafistas (uma incrivelmente pequena minoria dentro da população muçulmana) são características regulares do discurso público e servem para intimidar e isolar os grupos minoritários, relegando-os a um status de “marginais” o que lhes dá poucas possibilidades de desempenharem um papel activo na vida política do país.

Estas divisões estão, infelizmente, também reproduzidas dentro da própria esquerda. A esquerda radical alemã esforça-se por integrar os imigrantes e as pessoas de cor nas suas estruturas, particularmente as populações turcas e curdas, cuja própria esquerda é altamente organizada numa variedade de organizações de trabalho e comunistas, mas com muito menos frequência integrados em organizações de esquerda mais amplas.

 A Alemanha está a mudar. Mesmo a revista do mainstream dos média na Alemanha  Der Spiegel referiu que um afluxo de 800.000 requerentes de asilo em 2015 irá alterar a composição da sociedade alemã em grande forma, mudando a paisagem cultural e étnica das suas grandes cidades.

O movimento anti-racista não se pode dar ao luxo de se limitar  às exigências de fornecimento imediato de alojamento e de concessão aos requerentes de asilo do direito de trabalhar na Alemanha, mas deve desenvolver exigências para a sua integração total – não no sentido de obrigar os imigrantes a se tornarem “alemães”, mas sim na sentido de uma maior abertura cultural da própria Alemanha, com mais oportunidades para os imigrantes e para as pessoas de cor num país cuja face pública continua a ser predominantemente branca e europeia.

Como é que exactamente estas exigências devem ser vistas é algo que deve ser desenvolvido em diálogo com as pessoas afectadas pelas próprias políticas. Não é a tarefa da esquerda alemã explicar aos imigrantes o que as suas reivindicações políticas devem ser ou no que é que as suas organizações devem participar. Ao contrário, é nossa responsabilidade assumir as exigências que formulam, convidá-los a participar na esquerda existente, e fazer tudo o que pudermos para construir um movimento diversificado de lutas em que se articulem as exigências de todos os povos explorados e oprimidos numa visão coerente de uma sociedade socialista.

Finalmente, para além de um projecto de integração mais amplo, o movimento deve incorporar as exigências sociais por melhores condições de melhor habitação pública, salários mais altos e de aumento dos gastos sociais nas áreas mais necessitadas da Alemanha, para assegurar que a extrema-direita deixe de ser  capaz de atrair os descontentes e marginalizados do leste.

Isto não é um apelo para se mostrar compreensão para com o racismo – como discutido acima, o clima anti-refugiados não se limita aos desempregados alemães de leste mas é sim um problema de grande dimensão na Alemanha e não se pode expressar correlações directas entre um elevado desemprego e as atitudes racistas. A recente intervenção de Jakob Augstein apelando para uma nova forma de “populismo de esquerda” como uma resposta à crise é oportuna e bem-vinda, mas também é ultra-simplificada. Embora seja verdade que a maioria dos alemães orientais que participam em manifestações racistas realmente deveriam estar a protestar contra os bancos como Augstein argumenta, é uma ilusão imaginar que a resposta é assim tão fácil.

Um trabalhador racista pode objectivamente estar a lutar contra os seus próprios interesses por se aliar com a direita contra os imigrantes, mas a Direita representa uma ameaça objectiva para a classe trabalhadora e para a sociedade como um todo e deve ser combatida sem nenhum compromisso. Uma das lições mais importantes que podem ser extraídas da história do movimento socialista é que os racistas são adversários políticos que devem ser derrotados, não acomodados.

Refrear a retórica anti-racista ou esperar que a esquerda possa simplesmente explicar aos trabalhadores racistas que o seu verdadeiro inimigo é o capital e nunca o trabalho – devemos combinar anti-racismo militante com as exigências sociais realistas que abrangem a classe trabalhadora como um todo.

Um movimento anti-racista forte pode mudar o ambiente público numa direcção progressista, marginalizar as organizações de direita existentes, e talvez convencer muitos daqueles alemães que se encontram na proximidade dos debates enquanto as pretensões sociais mais amplas possam garantir que o desespero das pessoas pobres alemães brancas seja menos facilmente canalizado para a adesão aos sentimentos racistas.

O problema não é a Alemanha. O problema é um sistema econômico e político na Europa que destrói países inteiros na sua busca pelo poder e pelos lucros enquanto separa simultaneamente as populações de precários e marginalizados da sua própria população e, em seguida, coloca-as contra os recém-chegados numa tentativa de desviar a raiva social.

Na construção de um forte movimento anti-racista e anticapitalista, muita dessa responsabilidade cai sobre Die Linke, o parido da esquerda reformista da Alemanha, que é particularmente forte a leste. Os comentadores foram rápidos em apontar que em Heidenau, o cenário de alguns das mais violentas manifestações nas últimas semanas, o NPD recebeu 9 por cento dos votos nas últimas eleições regionais. Isso é verdade, mas Die Linke recebeu o dobro, o que indica que há uma base social significativa que pode e deve ser mobilizada contra a direita.

Die Linke no leste é tanto uma força hegemónica, comandando a lealdade política para cerca de um terço do eleitorado em algumas áreas, como é também um alvo da violência da extrema-direita: as instalações regionais do Die Linke, assim como muitos de seus membros, estão com frequência sob ataques dos neo-nazis.

No entanto, embora muitos indivíduos de Die Linke, incluindo algumas das suas figuras mais proeminentes, tenham desempenhado um papel exemplar na construção do movimento, Die Linke como uma organização tem sido quase invisível nas manifestações em Dresden e noutros lugares. Isto é em parte devido à orientação da direcção do partido respeitando a autonomia dos movimentos sociais, bem como uma certa relutância em alienar alguns dos seus eleitores rurais mais velhos, mais conservadores.

Die Linke tem de mudar de ritmo. Não pode e não deve procurar assumir ou homogeneizar o movimento – isso seria um suicídio político – mas pode mobilizar os seus imensos recursos, tanto financeiros como em termos de adesão, para ajudar na construção de um amplo movimento contra a xenofobia e o racismo e a construir  uma Alemanha mais humana e socialmente justa, tanto a Leste como a Ocidente. O racismo e o desemprego não são questões separadas, mas fazem parte de um mal-estar social mais amplo que é inseparável do capitalismo. O capitalismo  só pode ser seriamente questionado  se lutarmos em todas as frentes.

O tempo passa. A resposta do governo alemão não se vai manter e já estão a ser desenvolvidos planos para a marinha alemã aumentar a sua participação no regime de fronteiras da UE enviando canhoneiras para o Mediterrâneo, e está para ser confirmado se os milhares de refugiados que chegaram à Alemanha nos últimos dias vão realmente ser autorizados a permanecer na Alemanha.

Tanto quanto os olhares da população estiverem condicionados  a olharem para Merkel ela vai continuar a falar em termos de empatia e de solidariedade, mas, a longo prazo as elites europeias não vão permitir que este afluxo de refugiados se possa manter.

Cabe aos movimentos sociais, à  esquerda  e à auto-organização dos próprios refugiados,  transformar este movimento numa resposta política coerente que aborde as causas profundas da crise e coloque  uma pressão real sobre a classe política para que se desenvolva uma solução – uma solução que não envolva mais redes de arame farpado, mais muros, mais guardas de fronteira, ou mais demagogia  racista vinda de cima ou de baixo.

  Loren Balhorn, site Jacobin, Don’t Count on Merkel. Texto disponível em:

https://www.jacobinmag.com/2015/09/european-union-refugee-crisis-germany/

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Para ler a Parte II deste texto de Loren Balhorn, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

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