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Víctor recordava como sua mãe cantava e como se deitava escutando a sua voz e olhando as estrelas no céu imenso. Esta influência materna ditou, por certo, o futuro do jovem, pois trabalhando desde os seis anos no campo, ajudando seu pai, nos fins-de-semana acompanhava sua mãe, actuando em casamentos, baptizados, velórios. Apesar destas actividades, estudava e sempre foi bom estudante.
Víctor tinha quatro irmãos – María, Georgina (Coca), Eduardo (Lalo) e, o mais pequeno, Roberto. Devido a um acidente sofrido por María, a família foi morar para Santiago, em busca de melhores condições. Víctor e seu irmão Lalo foram matriculados no Liceu Ruíz-Table. Ambos obtiveram bons resultados nos estudos.
Entretanto, com a sua viola e a sua voz, Amanda ia permitindo que a família Jara sobrevivesse e até progredisse economicamente. Ao fim de algum tempo, os Jara mudaram-se para o bairro «Chicago Chico», onde Víctor se relacionou com outros jovens próximos do Partido Democrata Cristão. Conheceu Omar Pulgar. Em 1950, subitamente, Amanda morreu e os problemas recomeçaram.
Mudaram-se para Población Nogales onde Víctor reencontrou os irmãos Julio e Humberto Morgado, seus colegas do Liceu Ruíz-Table. A família Morgado acolheu Víctor que, abandonou temporariamente os estudos para ajudar Pedro Morgado, o chefe da família, no seu negócio. Foi então que o padre Rodríguez aconselhou Víctor a entrar no Seminário da Congregação dos Redentoristas, em San Bernardo. Conselho que Víctor acatou.
«Foi, para mim, uma decisão muito importante», dirá mais tarde, «Estava já envolvido com a Igreja e, naquele momento, procurei refúgio no seu seio». Porém, dois anos mais tarde, apercebendo-se da sua falta de vocação para o sacerdócio, abandonaria o seminário. Foi prestar serviço militar. Em 153, ingressou no grupo coral da Universidade do Chile, participando nos Carmina Burana, de Carl Orff. Começou a estudar arte dramática e direcção de actores na Escola de Teatro de Universidade do Chile. Fez parte do grupo de canto e dança popular «Cuncumén». Aí travou conhecimento com Violeta Parra, a grande folclorista chilena (1917-1967), que o incitou a prosseguir a carreira de músico.
Em 1959 encenou a sua primeira obra teatral. Entre as muitas peças que dirigiu, encontra-se a «Mandrágora» de Maquiavel. Com o grupo musical «Cuncumén», fez uma grande digressão pela Europa – Holanda, França, União Soviética e outros países de Leste.
Em 1961 compôs a sua primeira canção – «Paloma, quiero cantarte». Em 1966 gravou o seu primeiro LP. Começou a ser conhecido fora do Chile como cantor de intervenção. Em 1969, com a canção «Plegaria a un labrador», que aqui se reproduz na interpretação de Jara, venceu o I Festival da Nova Canção Chilena. Em 1970, envolveu-se activamente na campanha para a eleição de Salvador Allende.
Em 1971, nomeado embaixador cultural do Governo de Unidade Popular, trabalhou com o Ballet Nacional do Chile e colaborou no Departamento de Comunicações da Universidade Técnica do Estado. Continuou a editar discos e a sua fama cresceu, dentro e fora do Chile. Entre 1972 e 1973, trabalhou como compositor na Televisão Nacional. Fez uma nova digressão, agora por Cuba e pela União Soviética. Quando, em 1971, Pablo Neruda ganhou o Prémio Nobel da Literatura, Víctor Jara dirigiu a Homenagem nacional que prestada ao grande escritor. Como podemos ver, uma carreira brilhante. Até que chegou o dia 11 de Setembro de 1973…
O golpe de Estado de Augusto Pinochet, surpreendeu Víctor na universidade. Com outros professores e alunos, foi preso e levado para o Estadio Chile, transformado em campo de concentração. Membro do Partido Comunista do Chile, os seus versos contra a injustiça social são conhecidos pelos assassinos. Há muitas versões sobre as torturas a que foi sujeito. Cortaram-lhe as mãos (ter-lhe-ão dito, depois de o mutilarem: «Toca agora, filho da puta!»). No dia 16, após cinco dias de martírio, mataram-no. O fascismo sempre se sentiu ultrajado pela cultura. Porque será?~
Aqui deixo o poema que escreveu nos primeiros dias de cativeiro e que alguns companheiros conseguiram preservar (não sei a quem se deve a tradução):
Somos cinco mil
nesta pequena parte
da cidade.Somos cinco mil,quantos seremos no total,
nesta pequena parte
da cidade.Somos cinco mil,quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Só aqui dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade,
com fome, frio, pânico, dor
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.
Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra a parede,
mas todos com o olhar fixo da morte.
Que espanto causa o rosto do fascismo!
Levam a cabo os seus planos com precisão fantástica,
sem que nada lhes importe.
O sangue, para eles, são medalhas.
A matança é acto de heroísmo.
É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isso os teus sete dias de assombro e trabalho?
Nestas quatro muralhas só existe um número
que não cresce
e que lentamente quererá mais a morte.
Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de matrona,
cheio de doçura.
E o México, Cuba e o mundo?
Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Quantos somos em toda a pátria?
O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim o nosso punho golpeará novamente.
Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.
De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
O que vejo nunca vi,
O que tenho sentido e o que sinto
Fará brotar o momento…”
Deja la vida volar, por Victor Jara
Measure
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