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terça-feira, 25 de março de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - PARTE 3 -CARTA MUITO DURA ESCRITA POR SAMORA MACHEL AO GOVERNO PORTUGUÊS EM 1974 - O INIMIGO - VÍDEOS ALUSIVOS À GUERRA - NAPALM E LANÇA ROQUETES - O FAMOSO AEROGRAMA


O INIMIGO

Características Principais 

As características principais da guerrilha que as forças portuguesas enfrentaram nos três teatros de operações eram a clandestinidade, a rusticidade, a mobilidade e a fluidez. 
Os guerrilheiros apoiavam-se em bases, que serviam de refúgio e de ponto de partida para as suas acções e lhes garantiam a segurança; isto permitia a sua diluição na população local, a qual lhes fornecia os recursos logísticos e operacionais indispensáveis. 
De modo geral, eram reduzidos os efectivos da guerrilha, o que exigia dos combatentes grande rusticidade e mobilidade. Estas características eram os seus maiores trunfos, já que neles se baseava a sua excelente adaptação aos terrenos difíceis, que conheciam melhor do que as forças regulares, mais pesadas e lentas. Esta excepcional fluidez foi a causadora de grande parte das dificuldades que as tropas portuguesas tiveram de enfrentar. 
A organização das forças de guerrilha baseou-se em pequenas unidades, com efectivos variando normalmente entre os dez e os quarenta combatentes - patrulhas, grupos, bigrupos embora nos últimos anos da guerra, em Moçambique e principalmente na Guiné, se tenham formado unidades comparáveis a batalhões do Exército português, com quatrocentos a seiscentos homens, e, no estádio mais desenvolvido, alguns movimentos de libertação tenham criado estados-maiores, por vezes complexos, com elementos de apoio logístico, órgãos especializados de informação, de controlo ideológico (comissários políticos), de propaganda, de administração e de acções que costumam designar-se por assuntos civis. 
Para as funções auxiliares de ligação, transporte, informação e segurança, as guerrilhas constituíram milícias com elementos das populações, que os apoiavam e serviam como primeira linha de interposição entre o exército colonial e as forças de libertação. 
Como norma, as guerrilhas recusavam o combate decisivo contra forças superiores, iguais ou mesmo inferiores, procurando evitar um empenhamento estreito com as tropas regulares e retirando logo que possível, dispersando ou refugiando-se nas suas bases. A finalidade da acção militar dos guerrilheiros era contribuir para uma decisão e não para obter a vitória imediata.

Vulnerabilidades 

Os guerrilheiros africanos tinham, no entanto, vulnerabilidades. Os laços estabelecidos pela consciência tribal podiam criar fracturas entre eles. Estas diferenças e antagonismos étnicos, mas também as diferenças culturais, ideológicas e até as disputas entre chefes, minaram-lhes, em alguns casos, a disciplina e o moral e diminuíram a sua eficácia. 
Por pertencer a sociedades com fortes laços sociais, o guerrilheiro, embora pudesse, por vezes, ter dificuldades em entender as verdadeiras razões para a sua luta, era corajoso e resistia a trair os seus, mesmo sob tortura. 
A primeira condição de sobrevivência do combatente na guerra de guerrilha é saber tirar o melhor rendimento do meio em que actua. 
O guerrilheiro africano que as forças portuguesas enfrentaram obedecia, de modo geral, às condições que o tipo de combate dele exigia. Por natureza, era rústico, frugal, estava perfeitamente adaptado ao meio, sabia tirar proveito da natureza e defender-se das condições adversas. 
As unidades de guerrilheiros instalaram as suas bases normalmente em regiões protegidas pela floresta, de difícil acesso às forças militares e próximas de água. Nas suas imediações eram preparadas pelas populações lavras ou machambas, a fim de melhorar as condições de vida. 
Muitas vezes, os seus acampamentos tomaram a forma de quartéis ou de centrais, que serviam de sede a uma unidade. Para proteger estas bases, os guerriheiros estabeleciam rigorosas medidas de segurança, aumentando as dificuldades naturais das linhas de aproximação, com obstáculos, minas e armadilhas e dissimulando os verdadeiros acessos com a criação de outros falsos; eram também montados postos de sentinelas a distâncias convenientes e estabelecidos sistemas de alarme com latas, chocalhos, cães, tiros, batuques (tantãs), etc. Em redor destas bases, eram cavadas trincheiras e existia quase sempre preparado um caminho para a retirada rápida e segura. 
Para evitar o contacto com as forças regulares, as deslocações dos guerrilheiros eram efectuadas de preferência à noite e através do mato; quando estacionavam, nos intervalos para descanso ou antes da acção, montavam vigia, evitando fazer fogo, fumar e falar alto.


www.guerracolonial.org

VÍDEOS - FERNANDO FARINHA - O SOLDADO DA TRINCHEIRA
                 ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA - MENINA DOS OLHOS TRISTES






CARTA MUITO DURA  DE SAMORA MACHEL AO GOVERNO PORTUGUÊS NAS VÉSPERAS DA INDEPENDÊNCIA
DE MOÇAMBIQUE


Dar es-Salam, 18 de Abril de 1975
Sua Excelência
Primeiro-ministro do Governo Pro¬visório da República Portuguesa
LISBOA
 Senhor Primeiro-Ministro:

A dois meses da proclamação da Independência total e completa de Moçambique, encontramo-nos na necessidade de chamar a atenção do Governo da Republica Portuguesa para certas questões cruciais, sem a solução das quais não será possível estabelecer-se a plataforma sobre a qual relações de coope¬ração entre os nossos países devem assentar, na base da igualdade ab¬soluta, não ingerência nos assuntos internos e benefício mútuo.

1.1 Em Lusaca, logo no início das conversações preliminares que tiveram lugar de 5 a 7 de Junho, (A) dissemos que nos felicitávamos de encontrar no poder em Portugal representantes das forças que nas horas difíceis tinham afirmado a sua solidariedade para connosco. Declarámos ainda que nos encon¬trávamos abertos em relação ao no¬vo regime, esperando que ele rejei¬tasse totalmente a triste herança Co¬lonial e que confiávamos que relações exemplares se estabeleceriam entre os nossos países, exprimindo a aliança natural entre os nossos Povos.
 Devemos afirmar, com a franqueza que sempre usámos, que a atitude do Governo Português não corresponde às nossas previsões.

1.2 No decurso das conversações preliminares de Lusaca, de 5 a 7 de Junho de 1974, a delegação da Fre¬limo submeteu uma declaração ao Governo Português onde, inequivocamente indicava a posição da Fre¬limo.
 Embora as nossas forças estives¬sem a infligir derrotas enormes ao exército colonial português, que haviam determinado já uma rendição parcial e a curto prazo, determinariam uma rendição total do exército colonial, tendo em conta as mudanças democráticas que se operavam em Portugal, decidimos aceder ao pedido do Governo Português para discutir connosco. Claramente, na declaração acima referida, disse¬mos que íamos discutir não o princípio da independência, que era um direito nosso, inalienável, não negociável, mas apenas o me¬canismo da transferência de pode¬res para a Frelimo único e legítimo representante do povo moçambica¬no.
 Na mais pura tradição clássica colonial, porém, o Governo Português recusou-se a reconhecer o nos¬so direito à independência, rejeitou a representatividade da Frelimo e opôs-se à transferência dos poderes que ainda detinha em Moçambi¬que.

1.3 A delegação portuguesa, re¬presentando o colonialismo portu¬guês e os agressores criminosos do nosso povo, defendeu a posição segundo a qual para reconhecer o di¬reito à independência, apesar da oposição geral ao colonialismo que se exprimia, nomeadamente pela Guerra Popular de Libertação que o povo moçambicano travava há 10 anos, sob a direcção da Frelimo, es¬te deveria, para se respeitar o «processo democrático», pronunciar-se em referendo sobre a sua vontade à independência.
 É de salientar que em certo mo¬mento o chefe da delegação portu¬guesa, invocou mesmo o argumento colonial-fascista de que a indepen¬dência era apenas uma das opções no exercício do direito à autodeterminação.

1.4 A delegação portuguesa recu¬sou-se a reconhecer a representati¬vidade da Frelimo, alegando que a Frelimo era apenas um «interlocu¬tor válido» por ter forças no terreno, mas que não podia representar todo o povo porque «não estava a lutar com armas em todo o país».

1.5 A delegação portuguesa, re¬presentando o Governo que prosseguia uma guerra de agressão colonial contra o nosso povo, exigia que compreendêssemos a situação interna portuguesa e que subordinássemos a resolução do problema colonial à consolidação prévia da de¬mocracia em Portugal e à restauração da economia portuguesa.

1.6 No encontro preliminar de Lusaca a delegação portuguesa propunha-se simplesmente, obter um cessar-fogo, independentemente da resolução do antagonismo fundamental que provocara a guerra. O agressor desejava manter a ocupação e ao mesmo tempo levar o agre¬dido a cessar o combate.

1.7 Utilizando uma dupla táctica, a delegação portuguesa publicamente, afirmava condenar e rejeitar a hedionda herança colonial, quan¬do no segredo da mesa das conversações se esforçava por encontrar novas fórmulas destinadas a perpe¬tuar o colonialismo. Pública e sole¬nemente a delegação portuguesa re¬conheceu a natureza criminosa do colonialismo, aceitou a responsabilidade pelos crimes e massacres co¬lonialistas e até homenageou a me¬mória inesquecível do camarada Eduardo Mondlane. Na mesa das conversações, porém, a delegação portuguesa vinha propor-nos preci¬samente, os mesmos esquemas que Marcelo Caetano houvera já proposto.

1.8  A obstinação portuguesa forçou o conflito a prolongar-se, provocou novas derrotas ao exército colonial, acelerou o processo de colapso do exército agressor.
 As derrotas sofridas pelo colonia¬lismo destruíram as manobras políticas por ele fomentadas, desig¬nadamente a criação desenfreada de grupos fantoches e a campanha de difamação da Frelimo no planos nacional e internacional.

1.9 Neste contexto de fracasso de' manobras e de colapso do exército agressor, desenrolaram-se as Conversações secretas de Dar es-Salam. (B)
 A delegação portuguesa tendo mostrado um espirito anticolonialista e democrático, foi possível em comum encontrar os mecanismos que conduziriam às negociações de Paz.
 A coerência assumida pela dele¬gação da Frelimo, pode assim salvaguardar os verdadeiros interesses do Povo moçambicano, do povo português, da África e da Humanidade.

2.1 Em 7 de Setembro, em Lusa¬ca, assinava-se solenemente o acor¬do de transferência de poderes e em consequência pode assinar-se o acordo de cessar-fogo. (C)

2.2 No entanto, e apesar das advertências previamente feitas pela delegação da Frelimo, no momento em que se assinavam os acordos, elementos uItracoloniaIis¬tas, juntamente com representantes  dos grupos fantoches criados pelas autoridades portuguesas com a  cumplicidade, apoio e encorajamento dos mais altos dirigentes da República Portuguesa, ocuparam as instalações do Rádio Clube de Moçambique, numa tentativa de travar o processo da independência. (D)

2.3 A passividade do Governo Português, apesar das nossas advertências, a sua reacção racista de recusar abrir fogo contra um punhado de elementos criminosos porque estes eram brancos, provocaram uma situação explosiva que
se saldou em centenas de vidas per¬didas, prejuízos avaliados em um milhão de contos, um clima de in¬tranquilidade e insegurança.
 Somente a grande disciplina das massas populares enquadradas pela Frelimo impediu um afronta¬mento inter-racial em grande escala que serviria de pretexto a novas agressões contra Moçambique.

2.4 Em 21 de Outubro as forças portuguesas de novo desencadea¬ram uma grave provocação contra o nosso povo violando, mais uma vez, os acordos solenemente firmados por Portugal. (E)
 Uma vez mais a linha política da Frelimo assumida pelas massas frustou a provocação e evitou o conflito inter-racial   deliberadamente provocado por elementos do Exército português.

3.1 Com a assinatura dos Acordos de Lusaca o essencial das questões políticas entre os nossos países fora resolvido.
 Restavam questões de pormenor e questões económicas a solucionar.

3.2 Supunha a Frelimo que a resolução destes problemas não suscitaria problemas de maior, uma vez que Portugal solenemente afirmava desejar estabelecer connosco relações exemplares, relações isentas do triste passado colonial.
 3.3 Nesta base, e no quadro da aplicação do Acordo de Lusaca, iniciaram-se entre a Frelimo e a Go¬verno português, conversações des¬tinadas a estabelecer, de uma ma¬neira sã e no interesse dos nossos povos, relações harmoniosas e mutuamente benéficas em vários campos.

3.4 A Frelimo só aceitou a perspectiva de relações de cooperação com Portugal porque considerou que, pela primeira vez, o povo português nosso aliado, se encontrava efectivamente representado nas instâncias governamentais.

3.5 Pensávamos que o colonialismo português tinha desaparecido. O colonialismo português é profundamente odiado pelo nosso povo. Ten¬do-se estabelecido no nosso país com o objectivo único de pilhar os nossos recursos naturais e explorar brutalmente a mão-de-obra moçambicana, ele prosseguiu uma política sistemática de obscurantismo, divisão, humilhação opressão e repressão bárbaras para realizar aquele objectivo.
 Cada vez que o povo moçambica¬no heroicamente ousou erguer-se contra a desumanidade colonialis¬ta, desencadearam-se vagas de prisões deportações, assassinatos e massacres.
 No curso de dez anos de guerra colonial-imperialista de agressão, os colonialistas cometeram os crimes mais hediondos e bárbaros: destruição sistemática de povoações, de colheitas, deportação de um milhão e meio de moçambicanos para Campos de concentração, assassinatos de prisioneiros políticos, assassinato sistemático de pri¬sioneiros de guerra, massacres abo¬mináveis que encheram de horror a Humanidade inteira.

3.6 De acordo com os  princípios vigentes na comunidade internacional e consagrados solenemente pela vitória dos aliados contra a selvajaria nazi, o povo moçambicano tem o direito de exigir do Governo português:
  a) O julgamento e punição dos colonialistas portugueses responsáveis pelos crimes cometidos em Moçambique, crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e de genocídio.
 b) A reparação integral de todos os danos causados pela pilhagem colonial no decurso da ocupação portuguesa, a indemnização de to¬das as destruições causadas por dez anos  de  guerra colonial¬-imperialista portuguesa.
 c) A indemnização das vítimas do colonialismo português e da guerra colonial-imperialista de agressão.

3.7 É de salientar que no processo multissecular das guerras coloniais de conquista, no tráfico infa¬me do escravos, na deportação e venda de trabalhadores paras as plantações e empresas,  para as roças do S. Tomé, para a África do
sul e Rodésia, no processo da repressão colonial e da guerra colo¬nial-imperialista de agressão, mui¬tos e muitos milhões de moçambicanos foram mutilados, mortos, massacrados.

3.8 A pilhagem das nossas riquezas, a exploração brutal dos nossos trabalhadores, a venda de mão-de-¬obra para o estrangeiro, tudo isto permitiu que Portugal acumulasse enormes reservas financeiras, que grandes fortunas se tivessem edifi¬cado em Portugal.

3.9 Considerando todavia a opressão e exploração de que foi vitima o povo português, e esperando que o actual regime efectiva¬mente se propusesse romper com um passado vergonhoso identifi¬cando-se ao seu povo; considerando as dificuldades enfrentadas pelo presente regime português, e dese¬jando contribuir para consolidação da democracia em Portugal, ge¬nerosa e unilateralmente, em nome do povo moçambicano, a Frelimo renunciou a exigir as indemnizações a que tem direito por cinco sé¬culos do pilhagem e exploração colonial e uma década de guerra de agressão colonial-imperialista.

3.10 Generosa e unilateralmente, a Frelimo contentou-se em centrar as discussões sobre as principais reivindicações seguintes:
- Transferência para Moçambi¬que do departamento moçambica¬no do Banco Nacional Ultramarino e das reservas;
- Transferência para Moçambi¬que do Banco do Fomento;
- Transferência da barragem de Cabora Bassa.

4.1 De salientar:
 a) Que o BNU foi urna das maio¬res empresas de pilhagem de Mo¬çambique:
 b) Que uma fracção importante das reservas de ouro e divisas exis¬tentes em Portugal resultou da transferência do produto de venda e exploração dos trabalhadores moçambicanos, e que frequentemente esse ouro e divisas resultam das indemnizações por acidentes de trabalho .¬
 É de notar que as estatísticas oficiais colonialistas revelam que, em média, anualmente, cerca de 2500 moçambicanos morrem em conse¬quência de acidentes de trabalho somente nas minas do Rand.
  c) Que o Banco de Fomento destinava-se exclusivamente a promover uma melhor pilhagem dos recursos nacionais e dos trabalhado¬res moçambicanos;
 d) Que a barragem de Cabora Bassa, cuja construção foi sempre condenada pelo povo moçambica¬no, pela Frelimo, pela Organização de Unidade Africanas e pela Organização das Nações Unidas, se desti¬nava essencialmente a criar uma linha estratégica de defesa, a instalar no vale do Zambeze um milhão de colonos, a subordinar e integrar ainda mais a economia moçambica¬na ao sistema imperialista na África Austral.
 5.1 Na primeira sessão das conversações da Comissão Económica, agindo duma maneira insultuosa para com os sacrifícios consentidos pelo povo moçambicano, desprezando a memória das vítimas das guerras coloniais de rapina, de pilhagem colonial, da guerra col¬onial-imperialista de agressão, a delegação portuguesa, sem quaisquer pudor, ousou exigir de Moçambi¬que:
 a) O pagamento de 16 milhões de contos de dívidas, que seriam dívi¬das por Moçambique ao Governo português por obras feitas pelo re¬gime colonial em beneficio do Povo moçambicano.
 b) A transferência onerosa do de¬partamento moçambicano do Ban¬co Nacional Ultramarino, do Banco de Fomento e outras instituições.
 c) O usufruto de Cabora Bassa por Portugal com o objectivo de amortizar dívidas portuguesas.
 Esta atitude tipicamente colonia¬lista foi denunciada pela nossa de¬legação.
  6.1 Na segunda sessão das con¬versações, a delegação portuguesa pretendeu aparecer como fazendo-¬nos concessões ao aceitar:
 a) A transferência não onerosa do departamento moçambicano do BNU.
 b) Fazer reduções no montante da dívida exigida.
 7.1 É de salientar que, apesar da atitude geral portuguesa contrária aos interesses dos nossos povos, mais uma vez compreendendo as dificuldades da parte portuguesa e desejosa de contribuir para a conso¬lidação da democracia em Portugal a Frelimo aceitou que Portugal usufruísse por um largo período a barragem de Cabora Bassa. O povo moçambicano aceitava assim, na prática, que os seus recursos natu¬rais e o seu trabalho pagassem uma dívida de dezenas de milhões de contos que e colonialismo contraíra para precisamente combater o povo moçambicano.
 7.2 Num espírito de boa vontade e para se sair do impasse criado pela exigência portuguesa, a Frelimo propôs à parte portuguesa uma dis¬cussão política a alto nível.
 8.1 De 30 de Março a 1 de Abril, a delegação da Frelimo, dirigida pelo seu presidente, e a delegação portuguesa, encabeçada pelo mi¬nistro português dos Negócios Estrangeiros, negociaram em Dar es-¬Salam a questão da pretensa dívida moçambicana a Portugal (F).
 8.2 A Frelimo expôs claramente as razões que impediam o povo moçambicano de assumir as despesas incorridas pelo colonialismo no seu processo de pilhagem, exploração, opressão e agressão.
 8.3 Face às posições da Frelimo, a parte portuguesa declarou então concordar que não havia dívida de Moçambique para com Portugal.
Todavia, usando a táctica de prosseguir o mesmo objectivo sob novas fórmulas, a parte portuguesa afirmou que existia, sim, um con¬tencioso económico-financeira.
Quer dizer que a divida se man¬tinha e era exigida, com a diferença de se utilizar um novo nome.
9.1  Dado, que o Governo portu¬guês actual se pretende herdeiro parcialmente do regime colonial-¬fascista, e por isso mesmo entende exigir a satisfação dum «contencio¬so económico-financeira», a Frelimo propõe que o Governo português por razões de coerência, assuma inteiramente essa herança.
9.2 Neste quadro propomos que o «contencioso económico-financeira» seja examinado na pers¬pectiva de 500 anos de dominação colonial.
9.3 Sem pretender desde já fazer uma lista exaustiva dos pontos a serem apresentados pela parte mo¬çambicana no exame desse conten¬cioso, a Frelimo deseja salientar os pontos seguintes:
 a) As guerras de pilhagem e con¬quista desencadeadas pelos invaso¬res portugueses e as consequentes perdas em vidas humanas e em bens;
 b)  O tráfico intenso de escravos, as consequentes destruições  de famílias e vidas;
c) A destruição do processo de evolução histórica dos Estados agredidos e ocupados pelos invaso¬res portugueses, em Moçambique, e a consequente destruição do processo de desenvolvimento económico, social e cultural;
d)  As rapinas efectuadas pelos invasores portugueses.
9.4 Para o período que se segue à ocupação colonial, a parte moçambicana deseja chamar a atenção ainda duma maneira não exaustiva, sobre os pontos seguintes:
a) As vagas de repressão e assas¬sinatos desencadeadas pela administração colonial para se impor à população:
b) O exílio de centenas de milha¬res de moçambicanos para os territórios vizinhos, fugindo ao colonia¬lismo português:
c) A utilização sistemática do trabalho escravo sob forma de tra¬balho foçado e contrato, com a consequente destruição de famílias e vidas humanas;
 d)  A venda anual de centenas de milhares de moçambicanos as com¬panhias e colonos, para utilização como trabalho escravo;
e) A imposição de culturas for¬çadas como as de algodão e arroz, comprados a preço de miséria ao produtor e permitindo às companhias concessionárias auferir lucros fabulosos;
f) Os milhares de mortos provo¬cados pela fome, em consequência da introdução das culturas força¬das;
g) A venda anual de 150 000 tra¬balhadores  a  República  Sul¬africana e de um número equiva¬lente à Rodésia. As centenas de milhares de mortes e mutilações provocadas pelos acidentes de tra¬balho, derivadas de uma total au¬sência de segurança no trabalho. A pilhagem dos salários de miséria dos trabalhadores e das indemnizações mortes e mutilações;
h) A expulsão da população e ocupação das suas terras férteis pe¬los colonos, através de todo o Moçambique, o roubo infame do gado da população;
I) A deportação de dezenas de milhares de moçambicanos para Angola, e sobretudo para as roças de S. Tomé, donde poucos regressaram;
j) A utilização forçada de mo¬çambicanos em campanhas colo¬niais de repressão, nomeadamente na antiga colónia do Estado da Ín¬dia, em Macau e Timor, e a consequente destruição de famílias e vi¬das;
I) Os massacres de Xinavane, Mueda, Lourenço Marques, Beira e outros.
9.5 Para a época da guerra colo¬nial-imperialista de agressão, sem mais uma vez pretendermos fazer uma lista exaustiva, chamamos à atenção sobre as destruições de vi¬das e bens:
a) Nas  incursões,  agressões, bombardeamentos contra as zonas libertadas, povoações, escolas, hos¬pitais, infantários, etc.;
b) Nos massacres mundialmente conhecidos de Unango, Mucumburta, João, Chawole, Inhaminga, Wiryiamu.
9.6 Desejamos ainda salientar, no que respeita á guerra:
a) As vagas de repressão que forçaram milhares de moçambicanos a exilarem-se;
b) As perdas em vidas e bens causados pelo internamento de um milhão e meio de moçambicanos em campos de concentração;
c) As perdas em vidas e bens causadas pelas agressões contra dois milhões de habitações das zo¬nas libertadas;
d) As perdas de prisões, torturas, assassinatos e massacres de prisio¬neiros políticos;
e) O assassinato sistemático de prisioneiros de guerra, que criou a situação única e vergonhosa de Por¬tugal não ter um só prisioneiro de guerra a entregar no momento da troca de prisioneiros .¬
f) O assassinato de personalida¬des eminentes do povo moçambica¬no, como o Chefe da Igreja Presbite¬riana em Moçambique, o reverendo Medequias Manganhela, e o pastor José Sidumo.
9.7 O assassinato infame do Ca¬marada Eduardo Chivambo Mondlane, 1º presidente da Frelimo.
10.1 Referindo-nos  ainda  ao «Contencioso», pensamos que a parte portuguesa deverá descontar das dívidas a apresentar-nos as despe¬sas pagas com impostos moçambicanos e destinadas entre outros fins a:
a) Financiar a PIDE/DGS e os diferentes serviços da psico-social:
b) Financiar a corrupção de mo¬çambicanos para denunciarem pa¬triotas:
c) Financiar a compra de arma¬mento para militarizar a população civil portuguesa em Moçambique;
d) Financiar os diversos serviços da polícia e prisionais, destinados a reprimir o povo moçambicano:
e) Financiar a administração co¬lonial-fascista na sua tarefa de opressão e repressão:
f) Financiar a criação de forças fantoches, como os GE, GEP, CPV, Companhias de Comandos de Moçambique, Flechas, etc.;
g)  Financiar a construção e ma¬nutenção de campos de concentração e deportação das populações;
h) Financiar a construção, equipamento e funcionamento das re¬des de emissoras destinadas a agre¬dir ideologicamente o povo moçam¬bicano;
i) Financiar a construção de estradas, pontes, aeródromos e instalações destinados a permitir a cir¬culação, abastecimento e implanta¬ção das forças de agressão;
j) Financiar em geral a guerra Colonial de agressão.
11.1 É nesta perspectiva, e só nela, que pode ser avaliado o «contencioso económico-financeira», e determinada exactamente a parte exigível a Portugal e a parte que Portugal pode exigir a Moçambique em consequência dos benefícios que Moçambique recebeu de cinco séculos de pilhagem colonial e dez anos de guerra de agressão.
11.2 No caso de o balanço ser favorável em a Portugal, Moçambique engaja-se a pagar integral e imediatamente a totalidade da sua dívida.
11.3 Entretanto a Frelimo declara a sua vontade de se irromper as negociações em curso e se anulem os documentos já publicados, a fim de se reiniciar oportunamente a discussão global na nova perspectiva.
 11.4 Dada também a posição assumida pela parte portuguesa, de herdeira activa do contencioso colonial, a Frelimo entende que as nossas relações futuras serão inevitavelmente influenciadas por esta posição.
Alta consideração,
A luta continua
                                      a) Samora Moisés Machel Presidente da Frelimo
(A) À conferência de Lusaca, iniciada a 6 de Junho de 1974, estiveram presentes o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, e, como elemento do MFA, escolhido para representar, o presidente da República Otelo Saraiva de Carvalho, bem como Manuel de Sá Machado (já falecido, irmão do Dr. Sá Machado), que desempenhava então funções no MNE.
(B) Melo Antunes e Almeida Costa, como elemento do MFA constituíam a delegação portuguesa
(C) A delegação portuguesa em Lusaca, em 7 de Setembro de 1974, além dos que estiveram em Dar es-Salam, integrava, ainda, o tenente-coronel Lousada, o major Casanova Ferreira e Dr. Almeida Santos.
(D) Extremistas brancos manifestaram-se em Lourenço Marques contra os textos de acordos de Lusaca, contestando a legitimidade da Frelimo como representante do povo moçambicano. O Rádio Clube chegou a estar ocupado e ao serviço dos revoltosos.
(E) «Comandos portugueses», prestes a regressar a Lisboa, provocaram distúrbios na zona central de Lourenço Marques, havendo confrontações com militares da Frelimo. Só dois dias depois os militares portugueses, em conjugação com a Frelimo, puseram termo aos encontros, que entretanto haviam, feito mais de quarenta mortos e 150 feridos.
(F) O ministro dos Negócios Estrangeiros (IV Governo Provisório) era o major Melo Antunes.
 “O Jornal”, em 12.04.79


POEMA E FOTOS DO TEATRO DE GUERRA


 As nossas frases estão cheias de picadas
            de minas a explodir nos substantivos
            por dentro do silêncio há emboscadas
            não sabemos sequer se estamos vivos.
            Os helicópteros passam nas imagens
            a meio de uma vírgula morre alguém
            e os jipes destruídos estão nas margens
            do papel onde talvez para ninguém
            se vão escrevendo estas mensagens. (p.550)


 EMBOSCADAS



ENFERMEIRA PARA-QUEDISTA ZULMIRA ANDRE MINHA CONTERRÂNEA DE SANTA BÁRBARA DE NEXE

NAPALM E LANÇA-ROCKETS

Os governos isolacionistas de Salazar e do seu continuador Marcelo Caetano teimavam em jurar a pés juntos perante a comunidade internacional que jamais haviam utilizado substâncias tóxicas (hoje conhecidas por armas químicas) ou outras, proibidas pela Convenção de Genebra.
Porém, os militares mais esclarecidos sabiam que tais afirmações constituíam uma mentira.
Aqueles que tiveram o arrojo de as denunciar estavam exilados e a suas palavras careciam de provas, as quais, obviamente, só poderiam ser obtidas no cenário da guerra.
Os que se encontravam nas matas manuseando-as e aplicando-as ou os que assistiam aos seus efeitos, em tempos da chamada guerra de acção psicológica não viam, não ouviam e calavam, pois corriam o sério e inevitável risco de serem sumariamente abatidos pela Polícia Política.
Os lança-rockets encontravam-se entre o equipamento bélico considerado proibido e também a sua utilização era categoricamente desmentida.
Foi com alguma imprudência, talvez traduzida pela inconsciência dos vinte anos de idade que eu e o Carlos Barros, munidos de uma máquina fotográfica, bem escondida no vestuário, nos deslocámos à pista de terra batida em Quicua (distrito do Uíge) com o objectivo de captar as imagens interditas. Aproveitámos a hora da refeição e tão rápida quanto furtivamente tirámos, sem que ninguém se houvesse apercebido, algumas fotografias a uma avioneta militar : uma DO (Dornier) suportando por debaixo de cada asa aquelas armas altamente destruidoras, as quais os nossos governantes escondiam ao mundo.


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