OS G’s que decidiram o final do Império colonial
*(Historiador guineense)
Agosto de 1972, Agosto de 2002, exactamente trinta anos passados sobre o começo da longa e acelerada agonia do Império colonial português em África, de cujo fim, aliás, o 25 de Abril, com toda a simbologia que representa, não foi senão um mero corolário.
Há trinta anos que o General Spínola, velho cabo de guerra, via cair-lhe em catadupa, gradativamente, as hipóteses – todas! – de ganhar a guerra colonial na Guiné e, com ela, assumir o destino político de Portugal, mormente através da assunpção da sua indisfarçavel pretensão em jogar a cartada de aceder ao cargo de Presidente da República, logo ele que, em 68, na cerimónia solene da sua tomada de posse como Governador da Guiné – após o insofismável falhanço militar dos seus predecessores –, afirmara, que "a guerra não se ganha só com armas".
À guerra psicológica do Spínola, Cabral contrapôs uma metódica e deliberada mobilização política; À política de reordenamentos populacionais, Cabral contrapôs uma forte consolidação organizacional e política das regiões libertadas; À política de obras sociais e dos Congressos do Povo, Cabral socorreu-se da ajuda internacional e, numa certa altura, das próprias agencias especializadas da ONU;
À invasão da Guiné-Conakry e ao Senegal como retaguarda do PAIGC, Cabral contrapôs com a eminente internacionalização da guerra e o isolamento diplomático de Portugal; À estruturação operacional e à africanização da guerra, Cabral contrapôs com a eficaz restruturação do dos corpos do exercito das FARP; Com a intensificação das acções helitransportadas, Cabral contrapôs uma intensa campanha internacional que resultou na superioridade bélica do PAIGC.
Aos bombardeamentos a longa distância às regiões libertadas, Cabral contrapôs os ataques aos centros urbanos, incluindo Bissau, com foguetões e artilharia do mais moderno. Aos bombardeamentos das FAP (força Aérea Portuguesa), PAIGC contrapôs os mísseis terra-ar que tornaram inoperacionais a FAP, passando desta feita a fazer ataques de dia, o que não faziam antes por receio aos bombardeamentos da FAP.
À intransigência em sentar-se na mesa das negociações e a introdução da autonomia progressiva como isco, ao mesmo tempo que, por um lado, se exploravam as diferenças étnicas entre os guineenses, e, por outro, entre estes e os caboverdianos, Cabral contrapôs com uma intensificação do caudal ofensivo que, cumulativamente, transformou a Guiné num inferno para o exercito português, enquanto se acelerava resolutamente o plano em marcha de proclamação do Estado da Guiné-Bissau, visando colocar o Governo colonial português – e colocou –, num autentico imbróglio sem saída, imbróglio esse que, de resto, custou-lhe própria vida.
Em Agosto de 1972, a situação era tal que a delegação da PIDE de Bissau infiltrou a rede clandestina do PAIGC através do qual recebiam os engenhos explosivos que com que o PAIGC pretendia abrir a frente da guerrilha urbana; Em Agosto de 1972, Guiné foi a única Província Ultramarina que não festejou a reeleição do Almirante Américo Tomás para Presidente da República, mal o General Spínola conseguia disfarçar a sua insatisfação por ter sido excluído a possibilidade de se candidatar ao cargo.
Em Agosto de 1972, a delegação da PIDE, com conhecimento do director-geral daquela polícia política, desencadeou, na Guiné, um golpe de mão que tinha por objectivo a compra dos temíveis foguetões de 122 mm que faziam parte do moderno arsenal bélico do PAIGC; Em meados de 73, já após o assassinato de Cabral, mas sob as orientações por ele deixadas, o PAIGC desencadeou, com objectivos de evacuação dos aquartelamentos portugueses ao longo da fronteira Sul, visando não somente obrigar o Governo português a sentar-se a mesa das negociações como também garantir condições para que os trabalhos de preparatórios da proclamação do Estado possam ocorrer em ambiente de relativa segurança em território sob o seu controle, ao mesmo tempo que o acto daria ao PAIGC, como se provou mais tarde, uma confortável posição internacional.
Em meados de Maio, Guiledje, localidade sita na fronteiriça do Sul, estava isolada sem comunicação, sem agua e sem artilharia que ficou danificada com os intensos ataques da artilharia e infantaria do PAIGC. Spínola ordenou uma vasta operação ao largo da fronteira Sul, ao que o PAIGC, com objectivos evidentes de dispersão dos efectivos no Sul, desencadeia novamente em Guidadje, Bigéne e Binta, na fronteira Norte, uma operação de vulto que isolou durante todo o mês de Maio, obrigando o exercito português ao balanceamento de efectivos para o Norte.
A 21 de Maio de 1973, PAIGC conquista a povoação estratégica de Nahacobá na fronteira Norte. No dia 22 de Maio de 1973, Spínola envia correspondência, com caracter de urgência para o Ministro do Ultramar, a quem informava, a titulo de exemplo, que entre as 18.oo H do dia 20 as 08.30 do dia 21, Guiledje sofreu 32 ataques, e que estavam cercados por todos os lados. Dizia ainda que Guiledje era de importância estratégica para a manobra militar e para os abastecimentos do PAIGC no Sul, pelo que era vital a sua defesa, no qual, aliás, não acreditava porque após a ocupação de Nhacobá, ficaram livres os corredores de abastecimentos às bases do PAIGC no Sul.
No dia 23 de Maio de 1973, o PAIGC decidiu atacar Guiledje em máxima força, tendo a guarnição sofrido expressivas baixas e ficado sem transmissões, pelo que o Major, posteriormente preso, comandante da guarnição, composta de uma companhia de europeus e mais um pelotão de artilharia decidiram abandonar o aquartelamento, tendo destruído todo o material de guerra e recolhendo-se a Gadamael. Nos finais do mês de Maio de 1973, o PAIGC flagelava Catió, principal centro urbano do Sul da Guiné, sem que a respectiva guarnição ripostasse com artilharia, porque, perante a exiguidade de meios, estas tinham sido concentradas em regiões fronteiriças.
O Comando-Chefe, em desespero de causa, decidiu nomear o temível Coronel Durão, para assumir o comando da região Sul, com mandato para recuperar Guiledje, quando, a 4 de Junho de 1973, o aquartelamento de Gadamael que vinha ininterruptamente sendo atacada com novo armamento desde a segunda quinzena de Julho, com baixas significativas, pediu autorização ao Comando-Chefe, através do seu comandante de guarnição, para evacuar as suas tropas, alegando como motivo a baixa moral combativa dos seus homens que não se alimentavam e nem dormiam fazia dias.
Recebeu, todavia, ordens expressas para moralizar os seus homens e garantir Gadamael porque tinha efectivos suficientes, não tendo tido, porém, nem tempo, nem possibilidade real, de cumprir as ordens porque os tropas, incluindo oficiais, puseram-se em fuga em botes de borracha quando foram interpelados pelo General Spínola que, indo a Gadamael, sobrevoou os trânsfugas ordenando-os a regressarem, sob pena de serem afundados com heli-canhão.
Já em Gadamael, enquanto o General falava duro à guarnição, é informado da fuga de outros elementos para Cacine, para onde se dirigiu imediatamente. Ali, mandou formar o pessoal, entre os quais havia um alferes miliciano, e intimou-os a regressarem sob ameaça de que seriam imediatamente fuzilados. Seguidamente, ordenando a concentração de efectivos, Spínola ordenou uma vasta operação ao largo da fronteira Sul, ao que o PAIGC, com objectivos evidentes de dispersão dos efectivos no Sul, desencadeia novamente em Guidadje, Bigéne e Binta, na fronteira Norte, uma operação de vulto que isolou esses aquartelamentos durante todo o mês de Maio e Junho, obrigando novamente o exercito português ao balanceamento de efectivos para fronteira Norte, não obstante as operações de relativo sucesso levadas a cabo pela Companhia dos Comandos Africanos a base do PAIGC em Cumbamory e Hermancono.
Na fronteira norte, os constantes reforços de reabastecimento que saiam de Farim via Binta para tentar socorrer os aquartelamentos isolados eram emboscados por grupos itinerantes apeados ao longo do percurso, quando não eram surpreendidos por minas anti-carros, acarretando toda essa situação enormes baixas ao exército português. Dos despachos da delegação da PIDE a Lisboa, no tocante aos ataques a Gadamel referia-se sistematicamente a situação critica e a evidente falta de meios e a falta de determinação dos tropas europeus, incluindo oficiais, solicitando mais pilotos e aviões que pudessem, a alta altitude, bombardear a base de fogos dos "turras" uma vez que a artilharia da guarnição está completamente danificada e que, se assim não fosse, estaria na mesma fora do alcance da base de fogos do PAIGC.
A situação era tão critica que os G’s indiciavam já a atrapalhação em que mergulhara os centros decisores de Lisboa, se atentarmos num rádio que Silva Pais, director-geral da PIDE, enviou, com urgência, à delegação de Bissau onde dizia "a fim de informar S. Ex.a o Ministro do Ultramar, rogo esclarecer se estão em curso neste momento fortes ataques terroristas a Guidadje no Sul", quando Gudadje fica no Norte e não no Sul, trocando e confundindo, obviamente o topónimo de Gudadje com o de Guiledje, que já havia sido ocupado pelo PAIGC há muito.
Entretanto, durante o mês de Junho, Spínola efectua pelo duas viagens secretas a Lisboa onde expusera ao Governo a situação critica perante a crescente concentração de efectivos e material de guerra nas fronteiras Sul e Norte. Na exposição verbal que fizera ao Governo disse taxativamente que a situação era de tal forma critica que previa dentro de quatro meses um verdadeiro colapso militar na Guine, razão, aliás, porque, tentara entabular negociações com o PAIGC, justificando-se ante a intransigência de Marcelo Caetano em aceitar o principio de negociações.
Efectivamente, já circulavam rumores em Lisboa e em todo o Império colonial de África de que a Guiné era um caso perdido, rumores esses de resto reforçados com a recusa do General Spínola em completar um novo mandato em que tinha sido investido e o regresso compulsivo de centenas de mulheres dos oficiais cujos maridos se encontravam na Guiné a cumprir serviço militar.
Os G’s – Guiledje, Gadamael e Guidadje, na Guiné, –– se não foram determinantes para a agonia do sistema colonial, pelo menos, catalisaram a interiorizacão da ideia de que, afinal, o Império, tinha pés de barro.
www.didinho.org
A GUERRA PSICOLÓGICA
stávamos em meados de Maio do ano 1970. Começou a chuva e com ela vieram novos ventos e novas mudanças ... com perspectivas para acabar com a guerra.
António de Spínola já por diversas vezes tinha falado na Rádio, desafiando Amilcar Cabral a sair da Tabanca.
Mais propriamente com estas palavras:
- ‘’Desafio o senhor Amilcar Cabral a sair da Tabanca, para que possamos dialogar sobre a guerra. Se não a resolvermos com palavras, podemos resolvê‑la os dois a murro. Por isso pense bem ... saia da tabanca e venha ter comigo, antes que eu perca a paciência e mande os aviões incendiar o sítio onde está escondido’’.
O Marechal António de Spínola foi um grande homem, herói e valente, sem medo e sem cobardia. Muitas vezes era visto a passear pelas ruas de Bissau, sozinho e sem guarda costas, acompanhado unicamente pelo monóculo e o seu inseparável pengalim. Mais tarde voltarei a falar, de uma cena que passei junto dele.
Entretanto começou a guerra da psicologia e recebemos ordens expressas vindas do Supremo Comando, dizendo para só atacarmos, se fossemos atacados.
Os ataques ao aquartelamento deixaram de se fazer sentir de um dia para o outro. Acabaram as operações e as saídas para as emboscadas passaram a ser relativas e mais descompassadas.
Enfim, a Guiné, para nossa paz e sossego, deixou de ser um Inferno para se tornar num Paraíso.
Esta mudança radical deixou‑nos cheios de alegria e com o decorrer dos dias até chegámos a pensar que a guerra ia mesmo acabar.
Agora só dávamos tiros para caçar e já nos habilitávamos mais a sair o arame farpado, sem medo de sermos apanhados à mão.
Uma vez que não havia guerra o capitão Capucho deu ordem para que reparassem o gerador, que andava sempre a estoirar devido à sobre‑carga. Essa reparação durou perto de mês e meio, o que para nós não foi nada bom, porque durante a noite, no reforço, não víamos um palmo à frente do nariz.
Entretanto o capitão acabou por acreditar na inocência do Cuxixo e libertou‑o, depois de o reter durante 15 dias na enfermaria.
Com o tempo tivemos conhecimento de que um grupo de majores e alferes de Bula e Aldeia Formosa, que pertenciam ao Regimento de Cavalaria 7, mantinham encontros secretos no mato com ‘’Chefes Turras’’, com o propósito de negociarem o fim da guerra.
Não me lembro ao certo quantos eram esses oficiais, mas recordo‑me perfeitamente de um que fazia parte desse grupo de defensores da paz.
Conheci‑o em Cavalaria 7 e soube também, que tinha sido assessor de Oliveira Salazar
ams1.ib.adnxs.com
GUINÉ - TEATRO DAS OPERAÇÕES
Na Guiné, exceptuando o arquipélago dos Bijagós (sem interesse militar), o terreno define duas zonas militarmente diferenciadas:
- A litoral - da costa até uma linha definida de norte para sul por Cuntima - Jumbembem - Porto Gole - Xime - Xitole - Aldeia Formosa;
- O interior - para leste da linha anterior até às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri.
Contudo, durante a guerra, quer os comandos militares portugueses, quer o PAIGC dividiram o território em três zonas, separando o litoral em Norte e Sul pelo rio Geba.
Foram assim estabelecidas três zonas de operações:
- Zona Norte: São Domingos (fronteira) Farim - Teixeira Pinto (Canchungo) - Oio Morés - Bissau
- Zona Sul: Fulacunda (Quinara) - Cubisseco - Catió Cantanhez - Quitafine - fronteira
- Zona Leste: Bafatá - Gabu (Nova Lamego) - Madina - fronteira norte (Pirada) - fronteira leste (Buruntuma).
1963-1968
Apesar de já anteriormente terem ocorrido acções anticoloniais na Guiné-Bissau, 1963 foi o ano do início das operações militares.
As primeiras realizaram-se em Janeiro de 1963, com o ataque dos guerrilheiros do PAIGC à guarnição militar de Tite, a sul de Bissau, e com as primeiras emboscadas na região de Bedanda.
Em Março, o PAIGC tomou os navios Mirandela e Arouca, perto de Cafine, no Sul, utilizando-os posteriormente para seu apoio a partir da Guiné-Conacri.
Em Junho, elementos do PAIGC desencadearam acções na região de Xime, na zona leste.
Em Julho, explodiu o primeiro fornilho na Guiné, na estrada São João-Fulacunda, no sector sul.
Em Agosto, rebentou a primeira mina anticarro, mais uma vez em São João.
Em Janeiro de 1964, fugiram de Bissau dirigentes do PAIGC, que as autoridades militares consideravam recuperados, e teve início a Operação Tridente para a ocupação da ilha do Como.
Palácio do Imperador - onde Spínola se situava
Casa do Benfica, presente
Em consequência da crescente afirmação internacional do PAIGC, este partido passou a receber nesse ano o apoio de militares cubanos. A presença de cubanos na Guiné-Bissau manter-se-ia ao longo de toda a guerra.
As forças portuguesas adoptaram um dispositivo clássico de divisão do território em três sectores-comandos de agrupamento. Com sede em Mansoa, Bafatá e Bolama, com os treze batalhões mais concentrados no Norte e no Sul, e com menor densidade no Leste.
Conduziram uma guerra defensiva, assente no vector da acção militar, guerra menos virada para a conquista das populações e mais para a manutenção de posições no terreno, limitando-se, de forma geral, a reagir às acções do PAIGC. Foi uma época de grande desgaste para as tropas portuguesas, que sofreram ataques, nas suas posições, nos quais a iniciativa pertenceu ao PAIGC, que gozava de grande liberdade de acção, principalmente no campo do recrutamento de combatentes e militantes, de implantação de estruturas militares e administrativas no interior do território e de controlo sobre as populações.
Enquanto o PAIGC se implantava e condicionava a manobra das forças portuguesas, estas faziam a seguinte apreciação do seu inimigo:
«O partido não carece, para uso interno, de qualquer ideologia doutrinária dado que os africanos não lutam por uma ideologia, mas por benefícios materiais. Medrosa e ambiciosa, a massa africana mobiliza-se pela força e pela promessa de uma vida melhor.»
Contudo, o comando militar português dispunha dos conhecimentos suficientes para, em documento enviado com instruções às tropas, explicar: «Todo o processo subversivo tem de desencadear-se segundo um "processo em espiral" de expansão das suas sucessivas fases de evolução: propaganda - aliciamento - implantação militar - organização político-administrativa - libertação de efectivos para novas áreas de expansão.»
O SPÍNOLA QUE EU CONHECI
por Hélder Sousa [, foto à esquerda, no seu quarto em Bissau, quando era fur mil trms TST, nov 1970 / nov 1972]]
Esta série tem dado a oportunidade para que uma quantidade e diversidade notável de camaradas se tenham pronunciado sobre o tema.
E as intervenções têm sido desde o simples ‘conhecimento’ pelo contacto visual, pelo contacto pessoal directo, até às diversas considerações que a figura de António Spínola suscita. (*)
Eu também tenho um “Spínola que conheci”. Mas não tenho a menor dúvida em afirmar que António Spínola (aquilo que foi antes de Brigadeiro, o Brigadeiro, o General, o Marechal, o ‘caco Baldé’, etc.), é uma figura incontornável da História de Portugal e não pode, nem deve ser ignorado.
Estive perto do Comandante-Chefe do CTIG, António de Spínola, que me lembre, por duas vezes.
(i) Em Piche, fevereiro de 1971
A primeira foi em Piche e disso já dei conta num artigo que enviei para o Blogue a propósito do Carnaval. Nesse artigo relatei que, em consequência da Acção 'Mabecos’ ocorrida em Fevereiro de 1971, por ocasião do Carnaval desse ano, entre 20 e 22 de Fevereiro, o General Spínola ‘aterrou’ em Piche. E foi lá porque o que deveria ter sido o operacional responsável no terreno pela referida operação, Major Mendes Paulo (operação essa que correu bastante mal em termos organizacionais e também por atitudes, digamos assim, menos correctas por parte de ‘oficiais superiores’, daqueles que supervisionavam por via aérea a ‘progressão’ no terreno), quando regressou a Piche no final da referida operação, em atitude ostensiva de desagrado por tudo o que tinha acontecido, arrancou os seus galões de Major, deitou-os para o caixote de lixo que estava perto da porta do seu quarto, fechou-se nele e recusou-se a sair de lá a não ser que fosse o próprio Comandante-Chefe a ir ter com ele. Tudo isto foi visto e falado por muita gente.
E foi o que aconteceu, o General Spínola deslocou-se a Piche, não me recordo agora se foi logo no dia seguinte, mas creio que sim, dirigiu-se directamente ao alojamento do Major, conversaram, e depois o Major acabou o seu isolamento. Havia quem dissesse que o General tinha o Major de Cavalaria Mendes Paulo em alta estima e consideração e que se devia a essa estima mútua o facto das “Chaimites” terem ido para a Guiné.
Como se percebe da situação, ‘conhecer o Spínola’, nestas circunstâncias, foi só de longe, mas deu para ver e confirmar tudo aquilo que já aqui se tem dito sobre a sua pose, a sua figura, o seu carisma, a sua capacidade de suscitar a admiração e o reconhecimento por parte dos soldados.
O Capitão [Raul] Folques, até então 2º Comandante do Batalhão de Comandos, a receber das mãos de Spinola os galões de Major do Almeida Bruno. Uma cerimónia original. Foto do livro Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80, de Manuel Bernardo. Com a devida vénia aos Coronéis Bernardo e Raul Folques e ao General Almeida Bruno. [Virgínio Briote].
À MARGEM DO TEXTO - ESTE TAMBÉM FOI O QUARTEL EM QUE PRESTEI A MINHA COMISSÃO NA GUINÉ
Bajudas do “fanado” posando para o fotógrafo.
(foto gentilmente enviada por Jorge Picado, Ex-Cap Mil – CCaç 2589 e CArt 2732, 70/72)
Outro grupo de “bajudas” preparadas para o “ronco”, todas com o seu “corpinho” (soutien).
(foto gentilmente enviada por Jorge Picado, Ex-Cap Mil – CCaç 2589 e CArt 2732, 70/72)
Um trio de “bajudas” a posar para a objectiva. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
Uma pose e um certo sorriso desta “bajuda”.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
“Bajuda” aqui muito compenetrada do seu papel.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Um farto sorriso da “bajuda” com os seus “mezinhos” aos pescoço.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Transportando a água em “fiminhas” (potes).
Com 3 expressões bem diferentes…e agora com latões e alguidares. Nestas duas fotos de “bajudas” de etnias diferentes são evidentes as diferenças no trajar e nos recipientes.
Em dia de festa um simples chapéu de chuva é “ronco”.
Com “mama firmada” mas um olhar triste e enigmático . “Mulher grande” atrás observa tudo.
Continua a festa e estas “bajudas” arranjaram um pente e um “corpinho” (soutien) para o “ronco”.
Apenas uma “bajuda”. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
Olhar submisso mas distante.
Com seus generosos e duros seios esta bajuda apresenta uma estrutura pouco feminina, de espáduas musculosas e mãos enormes e calejadas. Uma sobrevivente que irá certamente, ser mãe por várias vezes.
(foto gentilmente enviada por: César Dias, ex Furriel Mil. do B.C. 2885, Mansoa 69/71)
Os olhos são o espelho da alma. Mais um olhar.
Se ficar grávida não pode casar. Se há divórcio ou a mulher foge o dote é restituído ao pai da noiva.
Com os seus grandes olhos trespassa a objectiva.
Cenas do quotidiano.
A água não é límpida mas é quente aqui na borda de água.
Observando os putos dentro de água.
A hérnia no umbigo é vulgar devido a falta de cuidados no pós-parto.
Depois de pilar há que joeirar.
As “lavadeiras” bem próximo e as “madrinhas de guerra” bem longe, foram para muitos um importante apoio.
“Bajuda” acartando água à cabeça. O seu rosto espelha bem o esforço e concentração necessária para fazê-lo. Esta foto é curiosa porque o que parece ser o braço esquerdo da rapariga é o braço direito de outra que está precisamente por detrás a fazer o mesmo. Coincidência ou habilidade do fotógrafo?
(foto gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Mais sorriso bem engraçado.
(foto gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
“Bajudas” dançando. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
VÍDEO -
Avião de reacção foi concebido como caça-bombardeiro e combateu na guerra da Coreia, entrando ao serviço da FAP em 1953, tendo voado operacionalmente até 1974, ano em que foram abatidos os últimos F-84.
Estacionados na BA 9, em Luanda, executaram numerosas missões de ataque ao solo e bombardeamento.
O avião FIAT G-91 era um avião monolugar subsónico, de cadeira ejectável que foi concebido como caça táctico. Foi adquirido pela FAP em meados dos anos sessenta para substituir os aviões F-86 (Sabre) que não podiam ser utilizados na guerra colonial por estarem em Portugal ao abrigo da aliança NATO. Os F-86 (Sabre) que operavam na Guiné foram substituídos em 1963/64 pelos FIAT G-91.
Com uma velocidade máxima que rondava de 1.073 Km/h, constituía uma poderosa plataforma de fogo, equipado com 2 canhões de 30 mm ou 4 metralhadoras Colt-Browning de 12,7 mm.
Actuou na Guiné onde estava sediado em Bissau e em Moçambique com base em Nacala, intervindo em Angola durante a fase final da descolonização. Realizava missões de ataque ao solo e de reconhecimento fotográfico para o que estava equipado com câmaras fotográficas no nariz.
O aparecimento na Guiné dos mísseis terra/ar Strella limitou bastante a actuação destes aviões tendo sido, inclusive, abatido um, morrendo o piloto.
Na Base de Monte Real já tínhamos ensaiado combates ar-ar entre o F-86 (simulando o MiG) e o G-91, e rapidamente chegámos à conclusão que, a baixa altitude, um F-86 (de melhor manobrabilidade) facilmente abateria um G.91. A única maneira do G.91 sobreviver era furtar-se ao confronto. Verificámos igualmente que os MiGs-17 ainda estavam a ser utilizados no Vietname e que tinham obtido algumas vitórias sobre caças americanos F-105, aeronaves muito mais modernas e sofisticadas.
No final, ficámos sem comer nada.
Um abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav da BA12
O livro "Portugal e o Futuro" e o 25 de Abril
O general António de Spínola publica o livro "Portugal e o Futuro" no dia 22 de Fevereiro de 1974, pouco mais de um mês depois ter sido empossado como vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
As páginas do livro abriram-se com estrondo e o próprio chefe do governo da ditadura, Marcelo Caetano, disse tratar-se de um verdadeiro "manifesto de oposição" ao regime e de um golpe militar anunciado.
Na sequência da publicação do "Portugal e o Futuro", e perante a recusa dos generais Francisco da Costa Gomes e António de Spínola - os dois principais chefes militares do país - em prestar vassalagem a Marcelo Caetano, tanto Spínola como Costa Gomes são demitidos a 14 de Março.
Dois dias depois uma coluna militar do regimento das Caldas da Rainha avança para Lisboa, numa tentativa falhada de derrubar o governo. A 25 de Abril os capitães do Movimento das Forças Armadas levam a cabo o golpe militar que liquidará o regime do Estado Novo e escolhem uma Junta de Salvação Nacional para preparar a transição do país para um regime democrático. Na madrugada de 26 Spínola é anunciado como chefe da Junta e, a 15 de Maio, toma posse como primeiro Presidente da República do pós-25 de Abril. A História avançara muito rápido.
O que fazia do livro de António de Spínola um tão poderoso repto ao regime do Estado Novo? Basicamente afirmar que as guerras coloniais, que duravam desde 1961, não tinham solução militar. E que era necessário que a Nação debatesse o problema.
As teses de 'Portugal e o Futuro' eram também um desafio à política oficial: "estamos numa encruzilhada" do problema ultramarino; "a contestação generaliza-se a todos os sectores", até "à Igreja e à instituição militar"; "resta apenas uma via para a solução do conflito e essa é eminentemente política, a vitória exclusivamente militar é inviável"; "a solução implica a aceitação de princípios, o primeiro dos quais é o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação".
Escrito por um dos mais prestigiados generais das Forças Armadas, combatente em Angola e comandante-chefe na Guiné, o livro teve o papel de uma bomba de profundidade contra a política africana do regime.
GUINÉ - TEATRO DAS OPERAÇÕES
Zonas de Operações
Na Guiné, exceptuando o arquipélago dos Bijagós (sem interesse militar), o terreno define duas zonas militarmente diferenciadas:
- A litoral - da costa até uma linha definida de norte para sul por Cuntima - Jumbembem - Porto Gole - Xime - Xitole - Aldeia Formosa;
- O interior - para leste da linha anterior até às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri.
Contudo, durante a guerra, quer os comandos militares portugueses, quer o PAIGC dividiram o território em três zonas, separando o litoral em Norte e Sul pelo rio Geba.
A divisão da Guiné em zonas de operações obedeceu à compartimentação do terreno, mas teve em consideração as importantes clivagens étnicas e religiosas dos grupos humanos da Guiné e os apoios que os países vizinhos deram à luta militar.
Foram assim estabelecidas três zonas de operações:
- Zona Norte: São Domingos (fronteira) Farim - Teixeira Pinto (Canchungo) - Oio Morés - Bissau
- Zona Sul: Fulacunda (Quinara) - Cubisseco - Catió Cantanhez - Quitafine - fronteira
- Zona Leste: Bafatá - Gabu (Nova Lamego) - Madina - fronteira norte (Pirada) - fronteira leste (Buruntuma).
1963-1968
Apesar de já anteriormente terem ocorrido acções anticoloniais na Guiné-Bissau, 1963 foi o ano do início das operações militares.
As primeiras realizaram-se em Janeiro de 1963, com o ataque dos guerrilheiros do PAIGC à guarnição militar de Tite, a sul de Bissau, e com as primeiras emboscadas na região de Bedanda.
Em Março, o PAIGC tomou os navios Mirandela e Arouca, perto de Cafine, no Sul, utilizando-os posteriormente para seu apoio a partir da Guiné-Conacri.
Em Junho, elementos do PAIGC desencadearam acções na região de Xime, na zona leste.
Em Julho, explodiu o primeiro fornilho na Guiné, na estrada São João-Fulacunda, no sector sul.
Em Agosto, rebentou a primeira mina anticarro, mais uma vez em São João.
Em Janeiro de 1964, fugiram de Bissau dirigentes do PAIGC, que as autoridades militares consideravam recuperados, e teve início a Operação Tridente para a ocupação da ilha do Como.
Em Fevereiro, realizou-se no Quitafine, no Sul da Guiné, uma reunião de quadros do PAIGC e foram referenciados pelas forças portuguesas morteiros de 82 mm na ilha do Como.
Em 1964, a guerra no terreno foi conduzida pelo PAIGC e as acções militares mais importantes decorreram no Sul, dado o apoio da República da Guiné-Conacri. O Senegal apoiou preferencialmente a FUNG, sendo nesta época tentada a conciliação entre os dois movimentos.
Também entre os responsáveis portugueses havia divergências. Na sequência delas, o governador, comandante Vasco Rodrigues, e o comandante-chefe, brigadeiro Louro de Sousa, foram substituídos pelo brigadeiro Arnaldo Schulz, que acumulou o cargo de governador e comandante-chefe. Esta solução, única nos três teatros de operações (excepto no período em que o general Costa Almeida desempenhou as mesmas funções em Moçambique), manter-se-ia até ao final da guerra.
Em 1965 deu-se o alastramento da guerra ao Leste (Pirada, Canquelifá, Beli), o desenvolvimento das acções no «chão» manjaco (Jolmete e Pelundo) e foi o ano em que o PAIGC realizou as primeiras acções na fronteira norte, na região de São Domingos, onde até aí apenas actuava a FUNG, que lutava com grandes dificuldades depois de o conselho de ministros da OUA ter decidido canalizar o seu apoio para o PAIGC.
Em 1964, a guerra no terreno foi conduzida pelo PAIGC e as acções militares mais importantes decorreram no Sul, dado o apoio da República da Guiné-Conacri. O Senegal apoiou preferencialmente a FUNG, sendo nesta época tentada a conciliação entre os dois movimentos.
Também entre os responsáveis portugueses havia divergências. Na sequência delas, o governador, comandante Vasco Rodrigues, e o comandante-chefe, brigadeiro Louro de Sousa, foram substituídos pelo brigadeiro Arnaldo Schulz, que acumulou o cargo de governador e comandante-chefe. Esta solução, única nos três teatros de operações (excepto no período em que o general Costa Almeida desempenhou as mesmas funções em Moçambique), manter-se-ia até ao final da guerra.
Em 1965 deu-se o alastramento da guerra ao Leste (Pirada, Canquelifá, Beli), o desenvolvimento das acções no «chão» manjaco (Jolmete e Pelundo) e foi o ano em que o PAIGC realizou as primeiras acções na fronteira norte, na região de São Domingos, onde até aí apenas actuava a FUNG, que lutava com grandes dificuldades depois de o conselho de ministros da OUA ter decidido canalizar o seu apoio para o PAIGC.
Casa do Benfica, presente
Em consequência da crescente afirmação internacional do PAIGC, este partido passou a receber nesse ano o apoio de militares cubanos. A presença de cubanos na Guiné-Bissau manter-se-ia ao longo de toda a guerra.
As forças portuguesas adoptaram um dispositivo clássico de divisão do território em três sectores-comandos de agrupamento. Com sede em Mansoa, Bafatá e Bolama, com os treze batalhões mais concentrados no Norte e no Sul, e com menor densidade no Leste.
Conduziram uma guerra defensiva, assente no vector da acção militar, guerra menos virada para a conquista das populações e mais para a manutenção de posições no terreno, limitando-se, de forma geral, a reagir às acções do PAIGC. Foi uma época de grande desgaste para as tropas portuguesas, que sofreram ataques, nas suas posições, nos quais a iniciativa pertenceu ao PAIGC, que gozava de grande liberdade de acção, principalmente no campo do recrutamento de combatentes e militantes, de implantação de estruturas militares e administrativas no interior do território e de controlo sobre as populações.
Enquanto o PAIGC se implantava e condicionava a manobra das forças portuguesas, estas faziam a seguinte apreciação do seu inimigo:
«O partido não carece, para uso interno, de qualquer ideologia doutrinária dado que os africanos não lutam por uma ideologia, mas por benefícios materiais. Medrosa e ambiciosa, a massa africana mobiliza-se pela força e pela promessa de uma vida melhor.»
Contudo, o comando militar português dispunha dos conhecimentos suficientes para, em documento enviado com instruções às tropas, explicar: «Todo o processo subversivo tem de desencadear-se segundo um "processo em espiral" de expansão das suas sucessivas fases de evolução: propaganda - aliciamento - implantação militar - organização político-administrativa - libertação de efectivos para novas áreas de expansão.»
Guiné 63/74 - P11058: O Spínola que eu conheci (28): Figura incontornável da nossa História, que respeito mas não idolatro (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, 1970/72)
por Hélder Sousa [, foto à esquerda, no seu quarto em Bissau, quando era fur mil trms TST, nov 1970 / nov 1972]]
Esta série tem dado a oportunidade para que uma quantidade e diversidade notável de camaradas se tenham pronunciado sobre o tema.
E as intervenções têm sido desde o simples ‘conhecimento’ pelo contacto visual, pelo contacto pessoal directo, até às diversas considerações que a figura de António Spínola suscita. (*)
Eu também tenho um “Spínola que conheci”. Mas não tenho a menor dúvida em afirmar que António Spínola (aquilo que foi antes de Brigadeiro, o Brigadeiro, o General, o Marechal, o ‘caco Baldé’, etc.), é uma figura incontornável da História de Portugal e não pode, nem deve ser ignorado.
Estive perto do Comandante-Chefe do CTIG, António de Spínola, que me lembre, por duas vezes.
(i) Em Piche, fevereiro de 1971
A primeira foi em Piche e disso já dei conta num artigo que enviei para o Blogue a propósito do Carnaval. Nesse artigo relatei que, em consequência da Acção 'Mabecos’ ocorrida em Fevereiro de 1971, por ocasião do Carnaval desse ano, entre 20 e 22 de Fevereiro, o General Spínola ‘aterrou’ em Piche. E foi lá porque o que deveria ter sido o operacional responsável no terreno pela referida operação, Major Mendes Paulo (operação essa que correu bastante mal em termos organizacionais e também por atitudes, digamos assim, menos correctas por parte de ‘oficiais superiores’, daqueles que supervisionavam por via aérea a ‘progressão’ no terreno), quando regressou a Piche no final da referida operação, em atitude ostensiva de desagrado por tudo o que tinha acontecido, arrancou os seus galões de Major, deitou-os para o caixote de lixo que estava perto da porta do seu quarto, fechou-se nele e recusou-se a sair de lá a não ser que fosse o próprio Comandante-Chefe a ir ter com ele. Tudo isto foi visto e falado por muita gente.
E foi o que aconteceu, o General Spínola deslocou-se a Piche, não me recordo agora se foi logo no dia seguinte, mas creio que sim, dirigiu-se directamente ao alojamento do Major, conversaram, e depois o Major acabou o seu isolamento. Havia quem dissesse que o General tinha o Major de Cavalaria Mendes Paulo em alta estima e consideração e que se devia a essa estima mútua o facto das “Chaimites” terem ido para a Guiné.
Como se percebe da situação, ‘conhecer o Spínola’, nestas circunstâncias, foi só de longe, mas deu para ver e confirmar tudo aquilo que já aqui se tem dito sobre a sua pose, a sua figura, o seu carisma, a sua capacidade de suscitar a admiração e o reconhecimento por parte dos soldados.
O Capitão [Raul] Folques, até então 2º Comandante do Batalhão de Comandos, a receber das mãos de Spinola os galões de Major do Almeida Bruno. Uma cerimónia original. Foto do livro Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80, de Manuel Bernardo. Com a devida vénia aos Coronéis Bernardo e Raul Folques e ao General Almeida Bruno. [Virgínio Briote].
À MARGEM DO TEXTO - ESTE TAMBÉM FOI O QUARTEL EM QUE PRESTEI A MINHA COMISSÃO NA GUINÉ
DORMIA, VIVIA AQUI MAS A MINHA ESPECIALIDADE DE OPERADOR TELEX ERA FEITA NO QUARTEL GENERAL MESMO AQUI AO LADO ( António Garrochinho)
Guiné > Bissau > Santa Luzia > Quartel do Agrupamento de Transmissões > 1972 > Foto do álbum do Sousa de Castro.
Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados
(ii) Na inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, em Santa Luzia [, finais de 1971 ou princípios de 1972]
A outra vez em que estive com Spínola foi aquando da inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, em Santa Luzia, [Bissau,] não me lembro agora da data.
Mas lembro-me bem das peripécias relacionadas com isso. Eu integrava a ‘guarda de honra’ e fiquei posicionado quase na ponta direita das tropas que estavam mais próximo e em frente ao palanque onde o General ia discursar. Podia assim vê-lo quase de perfil do seu lado esquerdo, a uns escassos 4 metros.
Em certa altura do discurso - parece que o estou a ouvir - Spínola diz, com a encenação habitual, ou seja, de braços abertos, dobrados pelos cotovelos, como quem está a acenar, agradecendo, com a sua voz meio rouca, meio gutural, marcando bem as pausas:
- “porque aqueles …”
- “que dizem …”
- “que o Exército …”
- “é uma máquina acéfala…”
Nisto, um ruído vindo da máquina do operador fotocine indicou que houve um problema. Fita partida? Encravamento? Já não me recordo, mas isso passou-se exactamente à minha frente pois vi claramente os olhos do nosso General faiscarem, quase fulminando o operador que estava perto de mim, em clara reprovação pelo sucedido, e manteve a pausa do discurso enquanto resolveram o problema. Breves instantes é certo, mas naquelas circunstâncias pareciam uma eternidade.
Resolvido o problema, o General retomou o ‘fio da meada’, e agora com o pingalim na mão esquerda recomeçou:
- “porque aqueles …”
- “que dizem …”
- “que o Exército …”
- “é uma máquina acéfala…”
- “em breve irão ver que assim não é!”
Reparem que esta última frase era a que faltava antes, mas ele achou por bem fazer todo o discurso.
Como disse, não tenho bem presente a data do acontecimento, inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, o qual deve ter sido no trimestre final de 1971, inícios de 1972, mas quem quiser ler nas entrelinhas pode ver já aqui, principalmente por essa frase final, a promessa/ameaça de maior protagonismo pessoal ‘em breve’…
Estes foram os dois momentos em que estive mais perto do Comandante Chefe, General António de Spínola. Entram portanto, naturalmente, na categoria do “Spínola que conheci”.
Mas há outros aspectos que podem ser chamados à consideração.
Que António de Spínola é uma figura incontornável da nossa História, disso não tenho nenhuma dúvida e até já o referi lá mais acima. Que o seu percurso de vida é controverso, também acho que esta afirmação, em si mesma, não tem contestação. Tem, quanto a mim, entre outras coisas, um grande mérito, trata-se de uma pessoa que procurou ‘ter opinião’, procurou agir no seu tempo, ou melhor, nos seus tempos e, já se sabe, só não erra quem não faz.
Agora, se me perguntarem se sou fã, como agora é moda, do Spínola, ou se sou seu detrator, o que direi?
Tenho que saber de que Spínola se trata.
Do ‘jovem Spínola’ fascinado pelas fardas, pela organização, pelas práticas do Exército Alemão dos anos 30-40? Do Spínola da Guerra Civil de Espanha? Do Spínola em Angola? Do Spínola na Guiné? Daquele que implementou a política de “Uma Guiné Melhor” procurando ganhar a população para o ‘lado’ de Portugal tentando fazer em poucos anos o que não fora feito em séculos? Daquele que implementou a “acção psicológica”, umas vezes exaltada, outras vezes rejeitada? Quantas vezes não se ouviu o “Zé Soldado” dizer “o que faz ‘isto’ é a filha da puta da psícola, agora já nem se pode dar uma chapada num cabrão dum preto”? Do Spínola que escreveu “Portugal e o Futuro” em que foi capaz de apontar caminhos que, na prática, eram contra a prática governamental que afinal tinha seguido toda a vida? O Spínola que se envolveu em conspirações?
A vida de um homem é um balanço complexo, não se pode ‘agarrar’ apenas num determinado tempo e espaço, é todo o conjunto. Tem todo o mérito de não se acomodar, de empreender uma constante evolução, de raciocinar e, pelo menos aparentemente, mudar quando entendeu dever mudar.
É um elemento de referência de uma época. Mas a minha consciência diz-me que o devo respeitar mas não o posso idolatrar.
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
Vídeos - os comandos africanos de spínola na Guiné
Guiné > Bissau > Santa Luzia > Quartel do Agrupamento de Transmissões > 1972 > Foto do álbum do Sousa de Castro.
Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados
(ii) Na inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, em Santa Luzia [, finais de 1971 ou princípios de 1972]
A outra vez em que estive com Spínola foi aquando da inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, em Santa Luzia, [Bissau,] não me lembro agora da data.
Mas lembro-me bem das peripécias relacionadas com isso. Eu integrava a ‘guarda de honra’ e fiquei posicionado quase na ponta direita das tropas que estavam mais próximo e em frente ao palanque onde o General ia discursar. Podia assim vê-lo quase de perfil do seu lado esquerdo, a uns escassos 4 metros.
Em certa altura do discurso - parece que o estou a ouvir - Spínola diz, com a encenação habitual, ou seja, de braços abertos, dobrados pelos cotovelos, como quem está a acenar, agradecendo, com a sua voz meio rouca, meio gutural, marcando bem as pausas:
- “porque aqueles …”
- “que dizem …”
- “que o Exército …”
- “é uma máquina acéfala…”
Nisto, um ruído vindo da máquina do operador fotocine indicou que houve um problema. Fita partida? Encravamento? Já não me recordo, mas isso passou-se exactamente à minha frente pois vi claramente os olhos do nosso General faiscarem, quase fulminando o operador que estava perto de mim, em clara reprovação pelo sucedido, e manteve a pausa do discurso enquanto resolveram o problema. Breves instantes é certo, mas naquelas circunstâncias pareciam uma eternidade.
Resolvido o problema, o General retomou o ‘fio da meada’, e agora com o pingalim na mão esquerda recomeçou:
- “porque aqueles …”
- “que dizem …”
- “que o Exército …”
- “é uma máquina acéfala…”
- “em breve irão ver que assim não é!”
Reparem que esta última frase era a que faltava antes, mas ele achou por bem fazer todo o discurso.
Como disse, não tenho bem presente a data do acontecimento, inauguração do Quartel do Agrupamento de Transmissões, o qual deve ter sido no trimestre final de 1971, inícios de 1972, mas quem quiser ler nas entrelinhas pode ver já aqui, principalmente por essa frase final, a promessa/ameaça de maior protagonismo pessoal ‘em breve’…
Estes foram os dois momentos em que estive mais perto do Comandante Chefe, General António de Spínola. Entram portanto, naturalmente, na categoria do “Spínola que conheci”.
Mas há outros aspectos que podem ser chamados à consideração.
Que António de Spínola é uma figura incontornável da nossa História, disso não tenho nenhuma dúvida e até já o referi lá mais acima. Que o seu percurso de vida é controverso, também acho que esta afirmação, em si mesma, não tem contestação. Tem, quanto a mim, entre outras coisas, um grande mérito, trata-se de uma pessoa que procurou ‘ter opinião’, procurou agir no seu tempo, ou melhor, nos seus tempos e, já se sabe, só não erra quem não faz.
Agora, se me perguntarem se sou fã, como agora é moda, do Spínola, ou se sou seu detrator, o que direi?
Tenho que saber de que Spínola se trata.
Do ‘jovem Spínola’ fascinado pelas fardas, pela organização, pelas práticas do Exército Alemão dos anos 30-40? Do Spínola da Guerra Civil de Espanha? Do Spínola em Angola? Do Spínola na Guiné? Daquele que implementou a política de “Uma Guiné Melhor” procurando ganhar a população para o ‘lado’ de Portugal tentando fazer em poucos anos o que não fora feito em séculos? Daquele que implementou a “acção psicológica”, umas vezes exaltada, outras vezes rejeitada? Quantas vezes não se ouviu o “Zé Soldado” dizer “o que faz ‘isto’ é a filha da puta da psícola, agora já nem se pode dar uma chapada num cabrão dum preto”? Do Spínola que escreveu “Portugal e o Futuro” em que foi capaz de apontar caminhos que, na prática, eram contra a prática governamental que afinal tinha seguido toda a vida? O Spínola que se envolveu em conspirações?
A vida de um homem é um balanço complexo, não se pode ‘agarrar’ apenas num determinado tempo e espaço, é todo o conjunto. Tem todo o mérito de não se acomodar, de empreender uma constante evolução, de raciocinar e, pelo menos aparentemente, mudar quando entendeu dever mudar.
É um elemento de referência de uma época. Mas a minha consciência diz-me que o devo respeitar mas não o posso idolatrar.
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
Vídeos - os comandos africanos de spínola na Guiné
AMILCAR CABRAL
António de Spínola
António de Spínola teve uma actividade militar apreciada na guerra colonial em Angola.
Na Guiné-Bissau, experimenta uma orientação inovadora como comandante-chefe e notou-se ai mesmo pela política de tentativa de integração social que empreendeu.
Como vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, foi exonerado devido à publicação do livro Portugal e o Futuro, em que questionava a causa sobre a política colonial do governo de Marcelo Caetano.
Após o golpe militar de 25 de Abril, a junta de Salvação Nacional elegeu-o para Presidente da República.
Sabendo nós que o General Spínola desempenhou os mais diversos cargos, tendo recebido ainda a rendição de Marcelo Caetano, e o seu livro teve um grande peso e influência sobre a política em Portugal.
Índice da página |
[ Editar ]A Vida de António de Spínola
Nasceu em 1 de Abril de 1910, em Estremoz, no Alto Alentejo, acabando por falecer em Lisboa a 13 de Agosto de 1996.
Filho de António Sebastião de Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro de Spínola.
Era filho de uma família abastada. O seu pai foi Inspector Geral de Finanças e chefe de gabinete de Salazar no Ministério das Finanças.
Em 1920, ingressa ao Colégio Militar, em Lisboa, para fazer o ensino secundário em 1928. Nesse mesmo ano, inscreve-se na Escola Politécnica de Lisboa.
Casou, a 1932, com Maria Helena Martin Monteiro de Barros.
[ ]Os Cargos Desempenhados por António de Spínola
Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4 durante quatro anos, mais tarde iria exercer as funções de instrutor, durante os próximos seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.
Em 1939, exerce as funções de ajudante-de-campo do Comandante da Guarda Nacional Republicana, General Monteiro de Barros, que era seu sogro, e daria início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que era o co-fundador.
Em 1941 é integrado na missão de estudo do Exército Português para uma visita à Escola de Carros de Combate do Exército Alemão e à frente Germano-Russa.
Sendo nomeado, a 1947, para a missão de estudo na Guarda Civil Espanhola, uma vez que exercia funções na Guarda Nacional Republicana.
Tendo sido Tenente Coronel em 1961, desempenhando as funções de Segundo Comandante de Comandante do Regimento de Lanceiros 2.
Com o inicio da guerra em Angola, este oferece-se como voluntário e organiza o Grupo de Cavalaria 345.
É colocado com a sua unidade, em Angola, em 1962, onde frequenta por um curto período um curso de aperfeiçoamento operacional no Centro de Instrução Militar de Grafanil, em Luanda.
A sua primeira missão foi na região de Bessa Monteiro e mais tarde na região fronteiriça de São Salvdor do Congo. Permaneceu em Angola até 1963.
Em 1967, é nomeado Segundo Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana.
Em 1968 foi chamado para exercer funções de Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas da Guiné, cargos para que voltaria a ser nomeado mais tarde, em 1972, por recondução, mas que não aceita alegando falta de apoio do Governo Central.
Em Novembro de 1973, António de Spínola é convidado por Marcelo Caetano, numa tentativa de colocá-lo no regime, para ocupar o posto de Ministro do Ultramar, cargo que não aceitou.
A 17 de Janeiro de 1974, é nomeado para Vice Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por sugestão de Costa Gomes, cargo de que é demitido em Março, por ter recusado a participar na manifestação de apoio ao Governo e à sua política.
Sendo a 25 de Abril de 1974 nomeado representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), aceita do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, a rendição do Governo, o que na prática significa uma transmissão de poderes.
Já com uma instituição da Junta de Salvação Nacional, órgão que passou a deter as atribuições dos órgãos fundamentais do Estado, que presidia, é escolhido pelos seus membros para o exercício das funções de Presidente da República.
Ocupando a Presidência da República a 15 de Maio de 1974, cargo que exerceu até 30 de Setembro de 1974, altura em que renuncia e é substituído pelo General Costa Gomes.
[ ]António de Spínola na História
António de Spínola ficou para história como símbolo da transição dos regimes autoritários de Salazar e Caetano para a democracia pluralista, era a opinião do embaixador Nunes Barata que privou com ele de perto. Uma verdade que não deixa qualquer dúvida.
Admirado por uns, odiado por outros, acabou por ser considerado um bom militar, tendo tido um desempenho um pouco mais baixo relativamente à política.
António de Spínola foi um Homem do Exército, fazendo a maior parte do seu percurso militar durante a vigência do Estado Novo.
António de Spínola começou a destacar-se em 1961, com o início da guerra em Angola, para onde se ofereceu como voluntário.
Em Angola, António de Spínola ganha consciência de que para vencer a guerra de guerrilha a solução jamais poderia ser militar, mas sim política. Gradualmente fazendo sentir isso ao Governo.
Foi na Guiné, quando assumiu o seu Governo, que António de Spínola faz essa pressão. A pouco e pouco vai advogando a ideia da constituição de uma federação que poderia ser aplicável aos territórios ultramarinos.
Desempenhando um importante papel que foi oficialmente reconhecido a 5 de Fevereiro de 1987, pelo Presidente da República Mário Soares, ao empossá-lo como chanceler das Antigas Ordens Militares, e ao entregar-lhe as insígnias da Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, pelos “feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura”.
[ ]Obras Realizadas por António de Spínola
- Por uma Guiné Melhor – 1970
- Linha de Acção – 1971
- No Caminho do Futuro – 1972
- Por uma Portugalidade Renovada – 1973
- Portugal e o Futuro – publicado em 1974
- Ao Serviço de Portugal – publicado em 1976
- País sem Rumo – publicado em 1978- See more at: http://www.historiadeportugal.info/antonio-de-spinola/#sthash.W3eJV3sw.dpuf
ATENÇÃO ! - PASSE O RATO COPIE E COLE O LINK NO MOTOR DE BUSCA GOOGLE ESTE SITEPARA VER UM CONJUNTO DE VÍDEOS INTERESSANTES.
http://www.guerracolonial.org/specific/guerra_colonial/protagonistas/Spinola/spinola.swf
Raparigas (bajudas)
Bajudas do “fanado” posando para o fotógrafo.
(foto gentilmente enviada por Jorge Picado, Ex-Cap Mil – CCaç 2589 e CArt 2732, 70/72)
Outro grupo de “bajudas” preparadas para o “ronco”, todas com o seu “corpinho” (soutien).
(foto gentilmente enviada por Jorge Picado, Ex-Cap Mil – CCaç 2589 e CArt 2732, 70/72)
Um trio de “bajudas” a posar para a objectiva. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
Uma pose e um certo sorriso desta “bajuda”.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
“Bajuda” aqui muito compenetrada do seu papel.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Um farto sorriso da “bajuda” com os seus “mezinhos” aos pescoço.
(foto com origem num postal ilustrado edição Casa Mendes – Bissau, gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Transportando a água em “fiminhas” (potes).
Com 3 expressões bem diferentes…e agora com latões e alguidares. Nestas duas fotos de “bajudas” de etnias diferentes são evidentes as diferenças no trajar e nos recipientes.
Em dia de festa um simples chapéu de chuva é “ronco”.
Com “mama firmada” mas um olhar triste e enigmático . “Mulher grande” atrás observa tudo.
Continua a festa e estas “bajudas” arranjaram um pente e um “corpinho” (soutien) para o “ronco”.
Apenas uma “bajuda”. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
Olhar submisso mas distante.
Com seus generosos e duros seios esta bajuda apresenta uma estrutura pouco feminina, de espáduas musculosas e mãos enormes e calejadas. Uma sobrevivente que irá certamente, ser mãe por várias vezes.
(foto gentilmente enviada por: César Dias, ex Furriel Mil. do B.C. 2885, Mansoa 69/71)
Os olhos são o espelho da alma. Mais um olhar.
Se ficar grávida não pode casar. Se há divórcio ou a mulher foge o dote é restituído ao pai da noiva.
Com os seus grandes olhos trespassa a objectiva.
Cenas do quotidiano.
A água não é límpida mas é quente aqui na borda de água.
Observando os putos dentro de água.
A hérnia no umbigo é vulgar devido a falta de cuidados no pós-parto.
Depois de pilar há que joeirar.
As “lavadeiras” bem próximo e as “madrinhas de guerra” bem longe, foram para muitos um importante apoio.
“Bajuda” acartando água à cabeça. O seu rosto espelha bem o esforço e concentração necessária para fazê-lo. Esta foto é curiosa porque o que parece ser o braço esquerdo da rapariga é o braço direito de outra que está precisamente por detrás a fazer o mesmo. Coincidência ou habilidade do fotógrafo?
(foto gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
Mais sorriso bem engraçado.
(foto gentilmente enviada por Mário Trindade, ex-Operador Cripto, CMI/Cumeré-Guiné 1971/1973)
“Bajudas” dançando. (fotografado circa 1960)
(adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, http://actd.iict.pt/)
entrefogocruzado.wordpress.com
Estacionados na BA 9, em Luanda, executaram numerosas missões de ataque ao solo e bombardeamento.
Com uma velocidade máxima que rondava de 1.073 Km/h, constituía uma poderosa plataforma de fogo, equipado com 2 canhões de 30 mm ou 4 metralhadoras Colt-Browning de 12,7 mm.
Actuou na Guiné onde estava sediado em Bissau e em Moçambique com base em Nacala, intervindo em Angola durante a fase final da descolonização. Realizava missões de ataque ao solo e de reconhecimento fotográfico para o que estava equipado com câmaras fotográficas no nariz.
O aparecimento na Guiné dos mísseis terra/ar Strella limitou bastante a actuação destes aviões tendo sido, inclusive, abatido um, morrendo o piloto.
O avião North-American T-6G, conhecido pela designação de “Harvard” era um avião de instrução básica de pilotagem, sediado na BA n.º 1, Sintra. A partir de 1947 os pilotos da Aeronáutica Militar, mais tarde Força Aérea (1952), após a instrução elementar em avião Chipmunk, completavam a sua instrução nos Harvard. Estiveram ao serviço 257 aviões T-6, o que constitui a maior frota de aeronaves do mesmo tipo da Força Aérea.
Avião bilugar - instrutor e aluno - era equipado com um motor em estrela Pratt&Whitney de 9 cilindros, com a potência de 550 Hp, e trem retráctil. Em 1961/62 foram adquiridos mais T-6 na Argélia com vista à sua utilização nos teatros operacionais de África. Estes aparelhos vinham preparados para a utilização de armamento que podia ser constituído por metralhadoras, ou 2 bombas de 50 Kg., ou foguetes.
Actuaram nos três Teatros de Guerra – Guiné, Angola e Moçambique – tendo constituído meios operacionais das Bases Aéreas ou Aeródromos Base de Bissau, Negage, Henrique de Carvalho, Tete e Nova Freixo, em missões de ataque ao solo, apoio a Forças Terrestres e reconhecimento armado, tendo sido alguns abatidos pelo fogo adversário.
Foram abatidos ao efectivo da FAP em 1978.
O PV-2 Harpoon, era uma avião bimotor que equipou a FAP entre os anos de 1954 – 1975. Com um peso máximo à descolagem de 15.000 kg, alcançava a velocidade máxima de 518 km. Tinha um tecto máximo de 26.300 pés (8.020 m) e um raio de acção de 2.670 kms.Foi utilizado em Angola em missões de bombardeamento, de reconhecimento armado e metralhamento e de apoio próximo às Forças Terrestres. Podia também ser utilizado no transporte ocasional de reduzido número de passageiros e carga. Dada a sua grande autonomia, era utilizado no patrulhamento armado da fronteira.A tripulação era constituída por 2 pilotos, um mecânico de voo e um operador de rádio.No início das hostilidades em 1961 em Angola, constituiu-se a Esquadra 91 na BA 9 em Luanda com 10 aparelhos PV-2, tendo estes aparelhos tido uma importante acção nas operações militares no norte de Angola de contenção dos elementos da UPA/FNLA, em complementaridade dos caças bombardeiros F-84.Ficou para a história a acção deste tipo de aparelho e das suas tripulações no apoio às populações de Mucaba em Abril de 1961, refugiadas no interior do edifício da Igreja sem meios de defesa e cercadas por elementos da UPA. Chegado a Luanda o pedido de socorro a meio da noite, descolaram dois aviões PV-2 que não puderam actuar pelo fogo dadas as condições atmosféricas mas a sua presença mantendo-se a voar sobre a povoação contribuiu para que as pessoas não se sentissem abandonadas. De madrugada descolou um terceiro PV-2 que actuou pelo fogo, contendo a onda de assaltos que se preparava e permitindo que um Do-27 levando munições para os defensores da povoação pudesse aterrar na picada.
Começou a ser fabricado nos E.U. A. em 1939 e interveio na 2.ª Guerra Mundial como bombardeiro médio diurno. Equipado com 2 motores Pratt&Whitney R.2800 tinha um peso máximo à descolagem de 16.780 kg e alcançava a velocidade máxima de 454 km/hcom um tecto de 6.400 metros e um raio de acção de 4.587 kms. O trem era triciclo, com comando da roda de proa a partir do cockpit.
A sua tripulação era constituída por 2 pilotos, mecânico de voo e operador de rádio.
Actuaram em Angola (BA 9) a partir de 1972, sendo utilizados em missões semelhantes às do PV-2, ataque ao solo, apoio de fogo às FT, bombardeamento e patrulhamento das fronteiras.
A aquisição destes aparelhos revestiu-se de aspectos rocambolescos porquanto foram adquiridos nos EUA já sem voarem, quando aquele país boicotava a venda de material bélico a Portugal. Foram comprados sete aparelhos que saíam daquele país sem autorização, sendo guardados à chegada, no meio do maior sigilo, na BA 3 em Tancos, até que seguiram para Angola onde a sua actuação foi pouco significativa. Antes de seguirem para Angola passaram pelas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico) em Alverca, onde os B-26 foram revistos e colocado o armamento (metralhadoras, ninhos de foguetes e dispositivos para bombas nas asas e no interior).
O NORD 2501 que não possuía reactores na ponta das asas.
Estes aviões foram utilizados em missões de transporte de passageiros e carga, em carreiras regulares ou inopinadas, sendo possível fazer o lançamento de carga em paraquedas através das portas laterais ou do fundo do avião, depois de retiradas as portas traseiras. Também era utilizado para lançamento de tropas pára-quedistas em missões de treino ou operacionais como aconteceu, por exemplo, no norte de Moçambique na operação “Nó Górdio”. Realizava também missões de evacuação de doentes ou feridos, sobretudo quando as evacuações eram durante a noite e os locais dispunham de pista adequada para este tipo de avião. Outro tipo de missão em que podia intervir era o de busca e salvamento, em terra e no mar, de aviões ou outros meios acidentados ou considerados desaparecidos.
A sua tripulação era composta por dois pilotos (comandante de bordo e co-piloto), navegador, mecânico de voo, rádio telegrafista e 2.º mecânico. Tinha uma capacidade de 34 lugares sentados, podendo essa capacidade ser excedida no caso de transporte operacional de tropas. O peso máximo à descolagem era de 23.000 Kg. no caso dos modelos 2502. A sua autonomia podia chegar às 12 horas com depósitos suplementares (caso de deslocações a Portugal) mas normalmente andava com uma autonomia de cerca de 4:30 horas, a fim de reduzir o peso de combustível devido às limitações de peso à descolagem e porque de uma maneira geral esse combustível era suficiente para as rotas voadas em Angola. Este aparelho actuou também em Moçambique onde estava sediado na Esquadra n.º 102 da Base Aérea 10, na Beira.
Tratava-se de um aparelho com a forma de um fuso, conhecido pela população nativa de Angola como o “barriga de ginguba”, isto é, “barriga de amendoim”, o que revelava um sentido de observação perspicaz e ao mesmo tempo irónico.
O Nord Atlas já revelara as suas boas características na guerra da Argélia. Tratava-se de um aparelho versátil, de trem triciclo muito robusto perfeitamente adequado para a operação em pistas curtas de terra. Foi um avião que prestou serviços relevantes na guerra colonial onde, no total, realizou centenas de milhar de horas de voo.
Avião monomotor de asa alta e trem fixo, especialmente apto para aterragens e descolagens em pistas curtas. A FAP teve uma frota de 146 aviões deste tipo distribuída por todos os Teatros de Operações.
Executavam missões de transporte de carga e passageiros (5), reconhecimento visual, posto de comando aéreo, fotografia aérea, atingindo uma velocidade máxima de 226 km/h.
Na Guiné estes aparelhos ficaram celebrizados como os “aviões do correio”, uma vez que uma das suas missões semanais era percorrer todo o território a distribuir e recolher o correio, “bate – estradas” ou “aerogramas”, o que constituía o acontecimento mais aguardado pelos militares distribuídos pelo território.
Quando não era possível aterrar o correio era lançado sobre o aquartelamento.
Avião bimotor concebido nos anos 30, desempenhou um importante papel na 2.ª Guerra Mundial. Avião de transporte de passageiros e carga, ainda voa em muitos lugares do mundo constituindo um autêntico “ícone” no meio aeronáutico. Voou na Guiné onde chegou a ser utilizado como bombardeiro, em Angola na Esq. 92 onde emparceirava com os aviões Nord Atlas e em Moçambique. Para além das missões de transporte de passageiro e carga, também era utilizado para lançamento de pára-quedistas e em missões de fotografia aérea.
Em Angola foi utilizado para lançamento de produtos químicos desfolhantes sobre as florestas do norte.
Produzido pela Aerospacial (França) como helicóptero médio com capacidade para voar com todo o tempo. Estava equipado com 2 turbinas Turbomeca com 1.900 cv de potência, tinha um peso máximo à descolagem de 3.770 kg e uma velocidade máxima de 258 km/hora, possuindo uma autonomia de 5 horas. Podia ser equipado com armamento, 1 canhão de 20 mm, 2 metralhadoras coaxiais de 7,62 mm ou mísseis.A tripulação era constituída por dois pilotos podendo transportar 15/18 passageiros militares com o respectivo equipamento individual.Dadas as limitações de voo e de transporte de militares em operações do Al III tornou-se imperioso dotar a FAP com helicópteros de maiores dimensões e sem as restrições dos Al III. O facto de ter dois motores e equipamento de voo e navegação para todo o tempo conferia-lhe uma inegável vantagem que era potenciada pela larga experiência operacional dos pilotos portugueses que tinham voado o Al III, pelo que o SA 330 Puma desempenhou uma notável actividade nos teatros de operações de Angola e de Moçambique.Portugal adquiriu 13 Pumas em 1970, tendo sido retirados de serviço em finais de 2006 e substituídos pelos EH-101 Merlin.Equipou a Esquadra 94 da BA 9 em Luanda, o AB 7 em Tete (Moçambique), a BA 6 no Montijo e a BA 4 nas Lajes, Açores. As suas principais missões eram o transporte operacional de militares, transporte de carga e apoio logístico, evacuações sanitárias e busca e salvamento. Para o efeito, para além da capacidade de transporte de passageiros e carga, possuía um guincho para recolha de pessoas a partir do chão ou do mar, radar ORB – 31 e piloto automático que lhe permitia fazer estacionário automaticamente.
Os helicópteros Alouette III (Al III) eram aparelhos franceses concebidos para actuação civil de transporte de passageiros e cargas e salvamentos em altas altitudes (Alpes). Os portugueses foram os primeiros a utilizá-los operacionalmente em operações de combate, tendo nos dois primeiros anos, em Angola, realizado mais de 10.000 horas de voo sem acidentes.
Posteriormente, vieram a equipar Esquadras de voo nos teatros de guerra da Guiné e de Moçambique.
Fabricados pela Aérospaciale (Sud-Aviation) estavam equipados com uma turbina Turbomeca Artouste IIIB de 870 cavalos e podiam transportar até 6 passageiros, além do piloto, com um peso máximo à descolagem de 2.100 Kg.
Em termos de utilização operacional foi utilizado como transporte de pessoas e carga, evacuações sanitárias de feridos a partir do local do incidente, heliassalto a objectivos militares transportando tropas de ataque e largando-as, com a surpresa possível, próximo do objectivo. Os Al III foram posteriormente equipados com 1 canhão de 20 mm com bala explosiva que disparava lateralmente, levando neste caso, como tripulantes, o piloto e um atirador. Dada a flexibilidade do aparelho e a cadência de tiro do canhão, esta arma revelou-se extremamente eficaz no apoio táctico às nossas forças e na perseguição de adversários (“turras”) em fuga.
A Força Aérea adquiriu um número considerável destes aparelhos, 142, alguns dos quais ainda hoje voam, tendo sido o Al III um aparelho determinante na guerra de guerrilha que se desenvolveu nos três teatros de operações, e os seus pilotos e tripulantes realizado proezas notáveis nas actuações que foram chamados a desempenhar.
www.guerracolonial.org
MIGs, MIRAGEs E MIRAGENS (M1361 - 01PM/2014)
Estes aviões foram utilizados em missões de transporte de passageiros e carga, em carreiras regulares ou inopinadas, sendo possível fazer o lançamento de carga em paraquedas através das portas laterais ou do fundo do avião, depois de retiradas as portas traseiras. Também era utilizado para lançamento de tropas pára-quedistas em missões de treino ou operacionais como aconteceu, por exemplo, no norte de Moçambique na operação “Nó Górdio”. Realizava também missões de evacuação de doentes ou feridos, sobretudo quando as evacuações eram durante a noite e os locais dispunham de pista adequada para este tipo de avião. Outro tipo de missão em que podia intervir era o de busca e salvamento, em terra e no mar, de aviões ou outros meios acidentados ou considerados desaparecidos.
A sua tripulação era composta por dois pilotos (comandante de bordo e co-piloto), navegador, mecânico de voo, rádio telegrafista e 2.º mecânico. Tinha uma capacidade de 34 lugares sentados, podendo essa capacidade ser excedida no caso de transporte operacional de tropas. O peso máximo à descolagem era de 23.000 Kg. no caso dos modelos 2502. A sua autonomia podia chegar às 12 horas com depósitos suplementares (caso de deslocações a Portugal) mas normalmente andava com uma autonomia de cerca de 4:30 horas, a fim de reduzir o peso de combustível devido às limitações de peso à descolagem e porque de uma maneira geral esse combustível era suficiente para as rotas voadas em Angola. Este aparelho actuou também em Moçambique onde estava sediado na Esquadra n.º 102 da Base Aérea 10, na Beira.
Tratava-se de um aparelho com a forma de um fuso, conhecido pela população nativa de Angola como o “barriga de ginguba”, isto é, “barriga de amendoim”, o que revelava um sentido de observação perspicaz e ao mesmo tempo irónico.
O Nord Atlas já revelara as suas boas características na guerra da Argélia. Tratava-se de um aparelho versátil, de trem triciclo muito robusto perfeitamente adequado para a operação em pistas curtas de terra. Foi um avião que prestou serviços relevantes na guerra colonial onde, no total, realizou centenas de milhar de horas de voo.
Avião monomotor de asa alta e trem fixo, especialmente apto para aterragens e descolagens em pistas curtas. A FAP teve uma frota de 146 aviões deste tipo distribuída por todos os Teatros de Operações.
Executavam missões de transporte de carga e passageiros (5), reconhecimento visual, posto de comando aéreo, fotografia aérea, atingindo uma velocidade máxima de 226 km/h.
Na Guiné estes aparelhos ficaram celebrizados como os “aviões do correio”, uma vez que uma das suas missões semanais era percorrer todo o território a distribuir e recolher o correio, “bate – estradas” ou “aerogramas”, o que constituía o acontecimento mais aguardado pelos militares distribuídos pelo território.
Quando não era possível aterrar o correio era lançado sobre o aquartelamento.
Em Angola foi utilizado para lançamento de produtos químicos desfolhantes sobre as florestas do norte.
Quando os amigos que passaram pela Guiné se juntam à volta de uma mesa, logo as histórias e recordações brotam de imediato. A emboscada, a mina, os periquitos, as bajudas, as noites de confraternização, a G-3, a Kalash... e por aí fora. E volta não volta, vem à baila o tema dos MiGs.
Que tinham sido vistos aqui e acolá, certamente pilotados por cubanos, por pilotos da Guiné Conacri ou mesmo do PAIGC, treinados na Rússia, na Líbia ou em Paio Pires, blá, blá, blá...
Falou-se muito de hipotéticos voos sobre o nosso território e até houve quem os tivesse visto a sobrevoar Bissau. A nós, pilotos, o assunto não nos podia deixar indiferentes. Não podíamos ser apanhados de surpresa, tínhamos que estudar as características do inimigo, ver onde eventualmente poderíamos ser mais fortes e colmatar os pontos mais fracos. Lá concluímos que, a existirem, os aviões adversários deveriam ser uma das inúmeras variantes do MiG-17, de fabrico russo, de características semelhantes aos nossos F-86 e utilizados por praticamente todos os países sob influência da então URSS.
Falou-se muito de hipotéticos voos sobre o nosso território e até houve quem os tivesse visto a sobrevoar Bissau. A nós, pilotos, o assunto não nos podia deixar indiferentes. Não podíamos ser apanhados de surpresa, tínhamos que estudar as características do inimigo, ver onde eventualmente poderíamos ser mais fortes e colmatar os pontos mais fracos. Lá concluímos que, a existirem, os aviões adversários deveriam ser uma das inúmeras variantes do MiG-17, de fabrico russo, de características semelhantes aos nossos F-86 e utilizados por praticamente todos os países sob influência da então URSS.
MiG-17 com cores do Vietname do Norte Foto: Bubba73/Wikipedia |
F-86 (esq) e G.91 (dir): um duelo que perdurou mesmo depois do fim da guerra Foto: Arquivo BA5 |
O assunto era de tal modo sério, que acabou por ser levado às instâncias superiores.
Como solução, a FAP propunha a compra imediata de novos aviões, que substituíssem os G.91, e a escolha recaía numa aeronave de fabrico francês, os Mirage III. Não por serem superiores aos aviões americanos da altura, mas porque a França era um dos poucos países que ainda nos vendia armamento (no caso dos AL-III até já não se comprava à unidade, era mais ao quilo). Cabe aqui um parêntesis para esclarecer que uma “compra imediata de aviões” levaria no mínimo uns dois a três anos a ser concretizada. Como estávamos em 1970, teríamos MIRAGEs lá para o início de 1973. No meio deste desconforto de nos podermos encontrar cara a cara com um MiG-17, o que nos tranquilizava era não haver qualquer confirmação fidedigna de que o país vizinho dispusesse de aviões daquele tipo.
Como solução, a FAP propunha a compra imediata de novos aviões, que substituíssem os G.91, e a escolha recaía numa aeronave de fabrico francês, os Mirage III. Não por serem superiores aos aviões americanos da altura, mas porque a França era um dos poucos países que ainda nos vendia armamento (no caso dos AL-III até já não se comprava à unidade, era mais ao quilo). Cabe aqui um parêntesis para esclarecer que uma “compra imediata de aviões” levaria no mínimo uns dois a três anos a ser concretizada. Como estávamos em 1970, teríamos MIRAGEs lá para o início de 1973. No meio deste desconforto de nos podermos encontrar cara a cara com um MiG-17, o que nos tranquilizava era não haver qualquer confirmação fidedigna de que o país vizinho dispusesse de aviões daquele tipo.
Mirage IIIE Foto: US Defense Images |
Cá pela minha parte várias vezes fui incumbido de ir voar junto à fronteira, a ver se via algum. Nunca os enxerguei. E deixem-me dizer-vos “ainda bem”, porque tendo o péssimo hábito de fazer perguntas, uma vez calhei a perguntar aos meus superiores, o que deveria fazer caso os avistasse: abatê-los, assustá-los, pirar-me, assobiar para o lado, eventualmente cumprimentá-los ? Resposta do meu superior, “depois logo se vê”, como se tal fosse possível. Num minuto tudo estaria iniciado e concluído. Se, por um lado, nunca tinha encontrado nenhum MiG, nem por isso as minhas buscas tinham sido sempre em vão. Uma das vezes encontrei um avião grande à vertical de Bissorã, um DC-7, seguia de sul para norte. Lá fiz a fatídica pergunta aos meus superiores “que fazer?”. Quando a resposta chegou, já o tipo tinha deixado a Guiné e entrado pelo Senegal adentro.
Era assim a guerra da altura. Sem radar que nos indicasse os intrusos, qualquer avião, "avioneta", helicóptero ou similar podia atravessar o espaço aéreo da Guiné, sem que dele tivéssemos conhecimento. Só um olhar ocasional poderia dar algum alerta…
Era assim a guerra da altura. Sem radar que nos indicasse os intrusos, qualquer avião, "avioneta", helicóptero ou similar podia atravessar o espaço aéreo da Guiné, sem que dele tivéssemos conhecimento. Só um olhar ocasional poderia dar algum alerta…
E com a época seca então era um descanso, ninguém via nada, à excepção do pessoal de Aldeia Formosa. Esses estavam sempre a ver OVNIs. Ao princípio ainda os tivemos em conta, mas depois foi como a história do “Pedro e o Lobo”, fartos de lá ir e nada encontrar.
Deixámos de os ouvir.
Em conclusão, 500 missões pelos céus da Guiné, para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita e nunca vi nenhum MiG!!!
Passados todos estes anos e ao recordar o tema, penso que a história da ameaça dos MiGs foi demasiado empolada, erro iniciado aquando do caso do sobrevoo de Bissau, mal interpretado pelos analistas da altura. Senão vejamos:
Para situar o assunto, diz o Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso que o sobrevoo a Bissau dos MiG-17 se deu a 13 Fevereiro 1970, e que estes sobrevoaram igualmente a Base de Bissalanca. De acordo com os nossos estrategas, o significado da aparição deste avião era claro: “A FAP estava em inferioridade, pelo que foi decidido comprar em França uma bateria de mísseis Crotale e que um dos objectivos da missão Mar Verde fosse a destruição dos MiG-17”.
Dito e feito.
Interessante o raciocínio do Estado Maior de então: a FAP em inferioridade, em vez de se ir comprar o tal novo avião que a FAP já tinha pedido, que pudesse enfrentar os MiG, e/ou um radar que cobrisse o espaço aéreo da Guiné, resolverem antes comprar um brinquedo para o Exército. Até porque, sem o dito radar, a identificação dos alvos continuava a ter que ser feita “a olho”. A ameaça com que os pilotos se debatiam, em vez de diminuir, aumentava... Não só tínhamos que nos haver com as antiaéreas do inimigo, como ainda passávamos a estar sujeitos a uma Crotalada amiga. O nosso slogan de guerra estava cada vez mais certo: “Deus nos livre da antiaérea amiga, que da inimiga livramo-nos nós”!...
Em conclusão, 500 missões pelos céus da Guiné, para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita e nunca vi nenhum MiG!!!
Passados todos estes anos e ao recordar o tema, penso que a história da ameaça dos MiGs foi demasiado empolada, erro iniciado aquando do caso do sobrevoo de Bissau, mal interpretado pelos analistas da altura. Senão vejamos:
Para situar o assunto, diz o Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso que o sobrevoo a Bissau dos MiG-17 se deu a 13 Fevereiro 1970, e que estes sobrevoaram igualmente a Base de Bissalanca. De acordo com os nossos estrategas, o significado da aparição deste avião era claro: “A FAP estava em inferioridade, pelo que foi decidido comprar em França uma bateria de mísseis Crotale e que um dos objectivos da missão Mar Verde fosse a destruição dos MiG-17”.
Dito e feito.
Interessante o raciocínio do Estado Maior de então: a FAP em inferioridade, em vez de se ir comprar o tal novo avião que a FAP já tinha pedido, que pudesse enfrentar os MiG, e/ou um radar que cobrisse o espaço aéreo da Guiné, resolverem antes comprar um brinquedo para o Exército. Até porque, sem o dito radar, a identificação dos alvos continuava a ter que ser feita “a olho”. A ameaça com que os pilotos se debatiam, em vez de diminuir, aumentava... Não só tínhamos que nos haver com as antiaéreas do inimigo, como ainda passávamos a estar sujeitos a uma Crotalada amiga. O nosso slogan de guerra estava cada vez mais certo: “Deus nos livre da antiaérea amiga, que da inimiga livramo-nos nós”!...
O meu amigo Pereira da Costa, artilheiro convicto, que me perdoe a “boca”.
Os Crotale foram efectivamente comprados, mas só chegaram a Portugal já depois do fim da guerra.
Quanto aos MIRAGE, com um raio de acção capaz de facilmente atingir Conacri, ficámos a vê-los tipo miragem, lindos que eles eram! Já me estava a ver no meio das aventuras do “Michel Tanguy e do Laverdure”...
Os Crotale foram efectivamente comprados, mas só chegaram a Portugal já depois do fim da guerra.
Quanto aos MIRAGE, com um raio de acção capaz de facilmente atingir Conacri, ficámos a vê-los tipo miragem, lindos que eles eram! Já me estava a ver no meio das aventuras do “Michel Tanguy e do Laverdure”...
Os Mirage III na capa de um livro da BD "Tanguy e Laverdure" |
No que respeita à busca e destruição dos MiGs, essas aeronaves necessitavam de uma pista com um comprimento relativamente grande (2,5 km), asfaltada, coisa que na vizinha Guiné apenas existia na capital, tudo o resto era curto e em terra batida. A existirem, eles teriam que estar estacionados em Conacri. No entanto, aquando da Operação Mar Verde, a busca pelo aeroporto acabou por se revelar um fracasso. Nem rasto deles. Constatava-se assim “in loco” que, ao contrário do que tinha sido assegurado, na Guiné Conacri não havia MiGs.
Como explicar então o facto de terem sido vistos em Bissau?
No meu entender o caso tinha sido mal analisado pelos estrategas de serviço. Antes de tirarem tão importantes conclusões, deviam ter ido mais fundo, fazer mais perguntas: Eram MiGs os aviões que sobrevoaram Bissau? Quem os identificou como MiGs? A Guiné do Sekou Touré dispunha de aviões MiG-17?
Para perguntas simples, respostas simples: não... não dispunham!
Então a quem pertenciam então aqueles dois belos e gordos MiGs que, vindos do nada, tinham sobrevoado Bissau e desaparecido igualmente no meio do nada?
Como explicar então o facto de terem sido vistos em Bissau?
No meu entender o caso tinha sido mal analisado pelos estrategas de serviço. Antes de tirarem tão importantes conclusões, deviam ter ido mais fundo, fazer mais perguntas: Eram MiGs os aviões que sobrevoaram Bissau? Quem os identificou como MiGs? A Guiné do Sekou Touré dispunha de aviões MiG-17?
Para perguntas simples, respostas simples: não... não dispunham!
Então a quem pertenciam então aqueles dois belos e gordos MiGs que, vindos do nada, tinham sobrevoado Bissau e desaparecido igualmente no meio do nada?
A guerra entre a Nigéria e o Biafra terminara havia apenas alguns dias. A Nigéria vencedora, mais de 1 milhão de mortos (não, não me enganei, 1.000.000). Nas forças que apoiavam a Nigéria, existiam cerca de 24 MiGs-17, de dono indefinido, pilotados por mercenários de vários países: Alemanha de Leste, Rússia, Reino Unido...
Duas hipóteses eram possíveis:
Duas hipóteses eram possíveis:
Como primeira hipótese, a Nigéria poderia estar a querer oferecer os seus serviços. Pouco provável naquele momento, já que o próprio Sekou Touré não se sentia muito seguro com os seus vizinhos.
Como segunda hipótese, a guerra terminada e pagamentos recebidos, os mercenários tinham de regressar aos seus locais de origem, o sobrevoo da nossa Guiné ficava nas suas rotas e porque em África os GPSs ainda não tinham sido inventados, uma maneira fácil de navegar era ao longo da costa. Combustível a escassear, a vontade de aterrar em Bissalanca deve ter sido enorme, só que Portugal tinha apoiado o Biafra, se aterrassem ficavam com os aviões apreendidos, era preferível continuar até Dakar onde, por um punhado de dólares, podiam reabastecer e seguir viagem, eventualmente para Marrocos ou Argélia, países com aviões semelhantes.
Acham estranho? Eu não acho, ainda que me possam acusar de especulação. Durante a guerra, os aviões para a Nigéria passavam em Dakar, os que se destinavam ao Biafra aterravam em Bissau. Até tínhamos na Base uma prova deste intercâmbio de aviões, um Gloster Meteor, que um piloto a caminho do Biafra e por razões desconhecidas resolveu abandonar na BA12. E quantos T-6 tinham passado por Bissalanca? 5? 10? 50? Não foi Portugal um dos principais apoiantes do Biafra?
Não posso terminar esta história, sem voltar a falar dos MIRAGE e dar o braço a torcer. Sempre a dizer mal dos nossos estrategas e afinal eles sempre acabaram por dizer que nós, os Aéreos, precisávamos dos tais aviões. Aconteceu quando a Guiné ficou infestada de STRELAs. Só que aqui as coisas passaram-se de um modo um pouco diferente.
Para os MiGs, que acabaram por não aparecer, andámo-nos a preparar ao longo de inúmeros meses, sabíamos como enfrentá-los!! Para os STRELAs... nem sabíamos o que aquilo era... ninguém nos avisou!!! E foi assim que, de surpresa em surpresa, em poucos dias perdemos cinco aeronaves e quatro pilotos!!! Passado o choque inicial e identificado finalmente o tipo de arma que nos atacava, o nosso pedido era simples, só queríamos que substituíssem as quatro obsoletas metralhadoras do G-91 por 2 canhões de tipo semelhante ao do AL-III, bastava mudar os painéis laterais do armamento. E até havia um modelo de G-91, o R/3 (o nosso era modelo R/4), que tinha os ditos painéis.
Que não senhor, MIRAGEs é que era!!!
Imaginem só, nós a pedirmos um pãozito e eles a quererem dar-nos lagosta e caviar.Como segunda hipótese, a guerra terminada e pagamentos recebidos, os mercenários tinham de regressar aos seus locais de origem, o sobrevoo da nossa Guiné ficava nas suas rotas e porque em África os GPSs ainda não tinham sido inventados, uma maneira fácil de navegar era ao longo da costa. Combustível a escassear, a vontade de aterrar em Bissalanca deve ter sido enorme, só que Portugal tinha apoiado o Biafra, se aterrassem ficavam com os aviões apreendidos, era preferível continuar até Dakar onde, por um punhado de dólares, podiam reabastecer e seguir viagem, eventualmente para Marrocos ou Argélia, países com aviões semelhantes.
Acham estranho? Eu não acho, ainda que me possam acusar de especulação. Durante a guerra, os aviões para a Nigéria passavam em Dakar, os que se destinavam ao Biafra aterravam em Bissau. Até tínhamos na Base uma prova deste intercâmbio de aviões, um Gloster Meteor, que um piloto a caminho do Biafra e por razões desconhecidas resolveu abandonar na BA12. E quantos T-6 tinham passado por Bissalanca? 5? 10? 50? Não foi Portugal um dos principais apoiantes do Biafra?
Gloster Meteor abandonado na BA12 em Bissalanca |
Não posso terminar esta história, sem voltar a falar dos MIRAGE e dar o braço a torcer. Sempre a dizer mal dos nossos estrategas e afinal eles sempre acabaram por dizer que nós, os Aéreos, precisávamos dos tais aviões. Aconteceu quando a Guiné ficou infestada de STRELAs. Só que aqui as coisas passaram-se de um modo um pouco diferente.
Para os MiGs, que acabaram por não aparecer, andámo-nos a preparar ao longo de inúmeros meses, sabíamos como enfrentá-los!! Para os STRELAs... nem sabíamos o que aquilo era... ninguém nos avisou!!! E foi assim que, de surpresa em surpresa, em poucos dias perdemos cinco aeronaves e quatro pilotos!!! Passado o choque inicial e identificado finalmente o tipo de arma que nos atacava, o nosso pedido era simples, só queríamos que substituíssem as quatro obsoletas metralhadoras do G-91 por 2 canhões de tipo semelhante ao do AL-III, bastava mudar os painéis laterais do armamento. E até havia um modelo de G-91, o R/3 (o nosso era modelo R/4), que tinha os ditos painéis.
Que não senhor, MIRAGEs é que era!!!
No final, ficámos sem comer nada.
OK, sem nada também não é verdade. Lá estou eu a ser torcido. No final lá conseguimos receber os tais G-91 R/3 com os painéis e os canhões em vez das metralhadoras...
Só que entretanto, já estávamos em 1976!!!
Só que entretanto, já estávamos em 1976!!!
Fiat G.91 R/3 o modelo com canhões de 30 mm em vez das metralhadoras de 12,7 mm do R/4 Foto: Anónimo |
Hoje em dia tudo é diferente. Na área operacional a tecnologia actual permite que um avião à vertical de Bissau possa facilmente abater um outro que esteja a mais de 60 milhas. Nem precisa de o ver, o radar faz todo o trabalho.
No que refere a ataques ao solo, lá dos seus 7000 metros de altitude, um piloto consegue ver o “mau da fita” a fazer pipi atrás de uma árvore. Uma bomba largada da aeronave, irá cair exactamente aos seus pés, ainda o apanha de calças na mão. E é por causa de toda esta tecnologia que nenhum piloto vai para o ar sem conhecer as suas ROEs (Rules of Engagement), saber exactamente o que pode e não pode fazer.
Um abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav da BA12
www.passarodeferro.com
AMÍLCAR CABRAL
Libertador,1924-1973
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1924, 12 de Setembro: Nasce em Bafatá, Guiné - 1932: Vai para Cabo Verde - 1943: Completa no Mindelo o curso liceal - 1944: Emprega-se na Imprensa Nacional, na Praia - 1945: Com uma bolsa de estudo, ingressa no I. S. Agronomia, em Lisboa - 1950: Termina o curso e trabalha na Estação Agronómica de Santarém -1952: Regressa a Bissau, contratado para os S. Agrícolas e Florestais da Guiné - 1955: O governador impõe a sua saída da colónia; vai trabalhar para Angola; liga-se ao MPLA - 1956: Criação em Bissau do PAIGC -1960: O Partido abre uma delegação em Conacri; a China apoia a formação de quadros do PAIGC - 1961:Marrocos abre as portas aos membros do Partido - 1963, 23 de Janeiro: Início da luta armada, ataque ao aquartelamento de Tite, no sul da Guiné; em Julho o PAIGC abre a frente norte - 1970, 1 de Julho: O papa Paulo VI concede audiência a Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos; 22 de Novembro: O governador da Guiné-Bissau decide e Alpoim Calvão chefia a operação de "comando" "Mar Verde" destinada a capturar ou a eliminar os dirigentes do PAIGC sediados em Conacri: fracasso! - 1973, 20 de Janeiro:Amílcar Cabral é assassinado em Conacri. |
NOITE DE FACAS LONGAS EM CONACRI |
Amílcar Cabral é assassinado em Conacri. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. | O cenário: uma casa branca, isolada, de um só piso, um largo terreiro à volta, uma enorme mangueira em frente da casa, um telheiro que serve de garagem; em Conacri, capital da República da Guiné, de que é Presidente Séku Turé. O tempo: três da madrugada do dia 20 de Janeiro de 1973. A acção: um carro, um Volkswagen, que o condutor arruma no telheiro. Dois faróis projectam a luz para os ocupantes do veículo que são Amílcar Cabral e a sua segunda mulher, Ana Maria. Uma voz ríspida vem da noite e ordena que amarrem Amílcar. Este resiste. Não deixa que o atem. O comandante do assalto dispara. Atinge-o no fígado. Amílcar, sentado no chão, propõe que conversem. A resposta é uma rajada de metralhadora que acerta na cabeça do fundador do PAIGC. A morte é imediata. Os autores do atentado: Inocêncio Kani, que dispara primeiro, um veterano da guerrilha, ex-comandante da Marinha do PAIGC; membros do Partido, todos guineenses. Noutros pontos da cidade, onde se alojam os cerca de meio milhar de combatentes do PAIGC, grupos pertencentes à revolta aprisionam os restantes dirigentes sediados em Conacri: Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, entre outros. São todos transportados para uma vedeta que zarpa para Bissau. Seku Turé recebe no palácio presidencial, a 21 de Janeiro, os cabecilhas da rebelião. Tudo leva a crer que apoia os assassinos de Cabral. Mas, surpresa: o Presidente da Guiné-Conacri não dá cobertura. Manda prender os conspiradores, ordena ao Exército que detenha todos os elementos do PAIGC, intercepta, em pleno mar, o barco que leva os prisioneiros para Bissau. Uma comissão internacional, indigitada por Séku Turé, elabora um inquérito sobre os acontecimentos. A pouco e pouco, os antigos dirigentes do PAIGC são libertados. O Conselho Superior de Luta do Partido decide ir mais longe na investigação. A partir daí, uma teia de denúncias, traições e intrigas vai acelerar as conclusões. Cerca de uma centena de membros do Partido são indiciados, julgados, fuzilados. Entre eles, está a maioria dos culpados, mas estão, também, muitos inocentes. Era inevitável que assim acontecesse. A morte de Amílcar Cabral, o chefe quase incontestado, desencadeia ódios e paixões e, nesse ambiente, difícil seria que a justiça fosse completamente isenta. Para mais, num clima de guerra contra o colonialismo português que ninguém quer abrandar. De facto, o Exército Português nada lucra com o assassínio. A guerrilha intensifica a acção. Em Março de 1973, dispõe dos mísseis terra-ar "Stella" que retiram a supremacia aérea às forças portuguesas. Em Maio, Spínola, governador da Guiné, avisa o ministro Silva Cunha: "Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar". A 24 de Setembro, nas matas de Madina do Boé, o PAIGC declara, unilateralmente, a independência da Guiné-Bissau. |
LARBAC, POETA E CONTISTA | |
Amílcar escreve poemas de amor. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta aTábua Cronológica. | Juvenal Cabral, à luz difusa de um candeeiro, escreve na sua casa em Cabo Verde um memorando a Vieira Machado, ministro das Colónias de Salazar. Está-se em Dezembro de 1941 e o ministro visita a Praia. O documento chegará às mãos do membro do Governo de Lisboa. Que, muito provavelmente, não o leu. Que lhe importa as opiniões de um obscuro professor primário cabo-verdiano? No entanto, o documento é significativo. Preocupado com a seca e a fome no seu arquipélago, Juvenal propõe ao ministro algumas políticas a seguir para minorar os males: pesquisa e captação de águas, arborização intensiva, protecção à agricultura, supressão do imposto sobre as terras, criação de um crédito agrícola, protecção ao pequeno funcionário. Seu filho, Amílcar, tem 17 anos e frequenta o liceu no Mindelo. Não se sente ainda com capacidade para auxiliar o pai na cruzada em favor de Cabo Verde. Mas já conhece todos os problemas que afectam a sua terra, porque o pai, desde cedo, o consciencializa. Todavia, Amílcar é, nessa altura, Larbac. Assim assina os poemas de amor que escreve: Quando Cupido acerta no alvo, Devaneios, Arte de Minerva, entre outros. Os temas denotam influências clássicas. Os poetas que conhece do liceu são os inspiradores: Gonçalves Crespo, Guerra Junqueiro, Casimiro de Abreu, por exemplo. O lirismo de Amílcar (Larbac é anagrama de Cabral) não se evidencia pela originalidade. Revela, porém, a sua sensibilidade amorosa. Esse romantismo passa para a sua prosa de adolescente, os contos, notas e comentários onde se vislumbra já um seguro conhecimento e um desejo de participação no universo insular em que vive. Um pouco mais tarde, em Lisboa, essas preocupações irão agudizar-se. |
GUERRA, SECAS E FOME | |
"Ele nasceu com a política na cabeça. Era filho de político. Juvenal falava-lhe de todas as coisas". São palavras, em 1976, um ano antes da sua morte, de Dona Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar, mulher de Juvenal Lopes Cabral. Memórias e Reflexões, editado pelo autor, em 1947, é um curioso livro do pai de Amílcar em que rememora a sua vida, debate os problemas da época e dos meios em que viveu, anota factos e episódios que clarificam a História e esclarecem as origens sociais do futuro líder do PAIGC. Juvenal nasce em Cabo Verde em 1889. Um dos avós é grande proprietário rural. Mas a fortuna desaparece depressa, perante as catástrofes naturais das ilhas. O outro avô, o paterno, homem culto, também com algumas posses, dá ao neto o nome de Juvenal, em homenagem ao poeta latino. O rapaz não conhece o pai, morto tragicamente quando tem dois meses. A criança é entregue aos cuidados do avô e, mais tarde, da madrinha, Simoa Borges, que lhe irá financiar os estudos. Primeiro, em Portugal, no Seminário de Viseu. Estava destinado à vida eclesiástica. Mas uma grande seca no princípio do século torna impossível a manutenção de Juvenal na metrópole. Volta ao arquipélago. Em 1906, está a frequentar o seminário de S. Nicolau. Aos dezoito anos, abandona os estudos e embarca para a Guiné à procura de emprego. É funcionário em Bolama, depois professor sem diploma. Vive em Bafatá quando, a 12 de Setembro de 1924, nasce Amílcar Cabral. Que, na certidão de nascimento, surge com o nome de Hamílcar, homenagem prestada pelo pai ao célebre cartaginês Hamílcar Barca. Mas, em 1932, morre a madrinha Simoa que lhe deixa algumas propriedades rurais em Cabo Verde. Juvenal, Iva e Amílcar regressam às ilhas. É aí que a família vive o período difícil da Segunda Guerra Mundial. Salazar sobe os custos de vida, as mercadorias rareiam. Em 1940, uma calamitosa seca provoca a fome. Morrem mais de 20 mil cabo-verdianos. E, entre 1942 e 1948, nova crise vai fazer 30 mil vítimas. Entretanto, nas ilhas, há um forte contingente militar de tropas portuguesas, o que cria inúmeros conflitos com a população e acentua o racismo e o colonialismo. Para além da fome e da seca não há, praticamente, serviços de assistência pública. A emigração para S. Tomé e Angola e, posteriormente, para a América despovoa as ilhas. Nunca se calou Juvenal. Em 1940, dirige ao governador um memorando em que, baseado em dados históricos, prediz uma grande seca para os anos seguintes (o que se confirmou). Surgirá, depois, o documento enviado ao ministro das Colónias. (Este terrível período de calamidades em Cabo Verde é magistralmente descrito no romance de Manuel Ferreira, Hora di Bai). Neste contexto, Amílcar Cabral passa a infância e a adolescência. Se o pai lhe aponta um exemplo de consciência e actuação, dentro das limitações legais que o fascismo de Salazar permite, a mãe, Iva Évora, é, para o jovem, o exemplo da ternura, da protecção e do trabalho. Presa todo o dia à máquina de costura, Iva vai contribuindo para que a família vença, da melhor maneira, as crises por que passam. E, mais tarde, sem largar a costura, empregar-se-á numa fábrica de conserva de peixe. A mãe e a sua capacidade de sacrifício há-de servir a Amílcar de testemunho de luta aos jovens combatentes do PAIGC. Aos 20 anos, Amílcar tem absoluta consciência das degradantes condições de vida do povo cabo-verdiano. Imbui-o um idealismo político, a certeza dos amanhãs que cantam, a inevitável transformação do mundo, a nova ordem emergente do caos pós-guerra. Aluno brilhante, 17 valores numa escala de 18, Amílcar conclui o curso liceal. Vai para a Praia onde se emprega como aspirante na Imprensa Nacional, enquanto aguarda a concessão de uma bolsa para prosseguir os estudos. Finalmente, em 1945, embarca para Lisboa. A escolha da sua formação universitária, em que terá, também, havido cumplicidade do pai, é óbvia: será engenheiro agrónomo. |
ANTI-COLONIALISTA EM LISBOA | |
Amílcar chega a Portugal. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Amílcar Cabral estuda em Lisboa e pensa no regresso a África. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Em Cabo Verde as autoridades proíbem o programa de rádio de Amílcar Cabral. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Amílcar propõe a reafricanização dos espíritos. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. | A primeira mulher de Amílcar, Maria Helena de Athayde Vilhena Rodrigues, foi sua colega no Instituto de Agronomia. Narrou assim a Mário de Andrade o conhecimento do futuro marido, de quem viria a ter duas filhas, Iva Maria e Ana Luísa: "Conheci Amílcar no primeiro ano de Agronomia, em 1945. As aulas tinham começado em Novembro, ele chegou em Dezembro (...) Eu não pertencia ao seu grupo, mas lembro-me perfeitamente de o ver entre os outros colegas. Como ele era o único negro, notava-se bem... Amílcar não fizera o exame de admissão à Universidade (...) toda a gente falava dele, elogiava a sua inteligência e ele, para mais, era simpático e descontraído. No que respeita às suas actividades políticas, lembro-me que os meus camaradas recolhiam assinaturas de adesão aos movimentos democráticos. E Amílcar participava activamente nesses comités de estudantes antifascistas. Aquando das assembleias era ele quem dirigia as discussões porque se exprimia muito bem (...) No princípio do terceiro ano, em Outubro de 1948, pertencemos à mesma turma, a dos únicos vinte e cinco estudantes que tinham passado nos exames". Condiscípulos e amigos recordam Amílcar como um indivíduo de dinamismo contagiante, grande sentido de humor, com enorme capacidade de criar amizades. Sedutor, atrai afectos femininos com facilidade. "Era o mais bem vestido e aprumado de todos nós", lembra seu amigo, o jornalista Carlos Veiga Pereira. "O meu irmão conseguia fazer amizades em todo lado", diz Luís Cabral. "Foi pela simpatia de Amílcar — revelou em entrevista ao "Diário Popular" o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau — que os soviéticos nos forneceram os mísseis com que controlámos a aviação portuguesa. O magnata italiano Perelli era seu amigo e deu-nos as fardas de oficiais que usávamos. Tudo por amizade e simpatia". O estudo, a militância, os namoros, ainda lhe deixam tempo para se dedicar ao seu desporto preferido: o futebol. E, segundo as crónicas, caso o tivesse querido poderia ter feito carreira. De tal maneira dá nas vistas na equipa de Agronomia que o Benfica chega a convidá-lo para ingressar no clube. Mas Amílcar declina a proposta e mantém-se apenas nos "pelados" universitários. Durante os anos de estudo um irresistível apelo o toma, bem como a outros estudantes negros: era necessário oregresso a África. Não só pela família que ama profundamente, mas porque "milhões de indivíduos têm necessidade da minha contribuição na luta difícil que travam contra a natureza e os próprios homens (...) Lá, em África, apesar das cidades modernas e belas da costa, há ainda milhares de seres humanos que vivem nas mais profundas trevas". Em 1949, escreverá: "Vivo intensamente a vida e dela extraí experiências que me deram uma direcção, uma via que devo seguir, sejam quais forem as perdas pessoais que isso me ocasione. Eis a razão de ser da minha vida". Esta vida a que se refere, partilha-a, em Lisboa, no Instituto de Agronomia, na Casa dos Estudantes do Império e nos livros que lhe abrem os horizontes de compreensão do mundo do seu tempo. Entre esses livros um será determinante: a Anthologie de la nouvelle poésie négre et malgache, organizada por Léopold Sédar Senghor. Este livro traz-lhe a certeza que "o negro está a despertar em todo o mundo". Teoriza sobre o cabo-verdiano — o homem resultante da fusão dos primeiros habitantes do arquipélago, brancos e negros. Já então reconhece que o número de mestiços é seis vezes superior ao dos brancos e três vezes ao dos negros — do ponto de vista psíquico há um "espírito cabo-verdiano", existe a cabo-verdianidade. Esta profissão de fé tem de ser harmonizada com a militância. No quinto ano do curso, Amílcar volta ao arquipélago para passar as férias grandes. A sua especialidade técnica - a erosão dos solos - e a cultura geral de que dispõe, quer transmiti-las e ensiná-las aos cabo-verdianos. Na Praia, pronuncia, através do Rádio Clube de Cabo Verde, várias palestras sobre as características do solo das ilhas. Apesar das dificuldades, reconhece que a agricultura é a base da economia de Cabo Verde. Para tal, é necessário elucidar, esclarecer, consciencializar o homem da rua. Amílcar coloca o problema da elite na sociedade. É preciso criar uma vanguarda intelectual que leve ao cabo-verdiano anónimo toda a informação sobre os seus problemas tradicionais. Como dirá: "Os quadros devem esclarecer aqueles que vivem na ignorância". Esta informação deve ultrapassar os limites de Cabo Verde e tornar-se uma informação global que se alargue a todo o mundo. Eis a sua tarefa de militante: consciencializar os cabo-verdianos. Mas as autoridades portuguesas rapidamente lhe proíbem o acesso à rádio. Como lhe proíbem que ministre um curso nocturno na Escola Central da Praia. "Dar a conhecer Cabo Verde aos cabo-verdianos" corresponde ao que acontece em Angola: "Partamos à descoberta de Angola" é a divisa de um grupo de jovens intelectuais em torno do poeta Viriato da Cruz. De novo em Lisboa, Amílcar firma os laços que o unem a outros estudantes originários das colónias portuguesas. Trata-se de um grupo de jovens, provenientes da pequena burguesia urbana africana, todos conscientes da revolta contra o colonialismo e detentores da vantagem de possuírem instrução e cultura. Militam nas organizações da juventude democrática portuguesa, o MUD Juvenil, o Movimento para a Paz. Com uma bandeira que os diversifica dos europeus: a reafricanização dos espíritos, diz Amílcar Cabral. Esta reprocura da identidade leva à criação, em casa da família Espírito Santo (de que é figura proeminente a santomense Alda Espírito Santo), de um Centro de Estudos Africanos. Ali se discutem, apesar das incursões da PIDE, algumas das questões mais prementes da África sob a domínio português. Amílcar tem nesses debates uma participação decisiva. |
O PAIGC E O INÍCIO DA LUTA ARMADA | |
Amílcar Cabral vai para Bissau como engenheiro agrónomo. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Amílcar Cabral funda o PAIGC e inicia a luta armada contra o Estado Português. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta aTábua Cronológica. | Após terminar o curso, em 1950, faz estágio na Estação Agronómica de Santarém. Pouco depois, falece Juvenal Cabral. Em 1952, Amílcar regressa a África, a Bissau, contratado pelos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné Portuguesa. Aos 28 anos desembarca em Bissau um engenheiro agrónomo que tem em mira outros fins que não só os da sua profissão (onde, aliás, será sempre de grande competência). O principal desses fins: consciencializar as massas populares guineenses. Como escreverá na comunicação aos quadros, em plena luta de libertação, em 1969: "Não foi por acaso que viemos para a Guiné. Nenhuma necessidade material determinava o nosso regresso ao país natal. Tudo foi calculado, passo a passo. Tínhamos enormes possibilidades de trabalhar nas outras colónias portuguesas e mesmo em Portugal. Abandonámos um bom lugar de investigador na Estação Agronómica para virmos para um lugar de engenheiro de segunda classe na Guiné (...) Isto obedeceu a um cálculo, a um objectivo, à ideia de fazer qualquer coisa, de contribuir para o levantamento do povo, para lutar contra os portugueses. É isso que temos feito desde o primeiro dia em que chegámos à Guiné". O "Engenheiro", como lhe chamarão os compatriotas, está na melhor das posições para levar a cabo a tarefa de consciencialização. No posto agrícola de Pessubé, que dirige, contacta com os trabalhadores rurais entre os quais cabo-verdianos. É difícil a unidade entre estes e os guineenses para a constituição de uma luta comum. Será difícil até ao fim, apesar de alguns cabo-verdianos (Aristides Pereira, Fernando Fortes, Abílio Duarte, entre outros) se unirem à sua volta. O trabalho político segue a par da actividade profissional. Encarregado da planificação e execução do recenseamento agrícola da Guiné, o relatório que elabora continua a ser hoje o primeiro dado valorizável para o conhecimento da agricultura guineense. A princípio, Amílcar Cabral procura agir na legalidade. Redige os estatutos de um Clube desportivo e cultural ao qual podem aderir todos os guineenses. As autoridades portuguesas não o autorizarão a funcionar porque a maioria dos signatários não possui bilhete de identidade. Em 1955, o governador Melo e Alvim obriga Cabral a deixar a Guiné, embora lhe permita voltar uma vez por ano, por razões familiares. 1955 é o ano da Conferência de Bandung que assinala o nascimento do Movimento dos Não-Alinhados, do final da primeira guerra de independência do Vietname, da passagem à luta armada da FNL argelina. E Amílcar Cabral transferido para Angola, trabalha em Cassequel, como engenheiro... e tomando contacto activo com os fundadores do MPLA, ao qual se liga, desde início. Numa das suas passagens por Bissau, a 19 de Setembro de 1959, Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Elisée Turpin criam o Partido Africano da Independência/União dos Povos da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Obviamente, um partido clandestino, que só deixará de o ser quatro anos mais tarde, quando instalar a sua delegação exterior em Conacri. Nesse período, a actividade de Amílcar Cabral é esgotante. Continuando os seus estudos fitossanitários e agrológicos, viaja frequentemente entre Portugal, Angola e Guiné. Em Novembro de 1957 participa em Paris numa reunião para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português, mantém contactos com os anti-colonialistas em Lisboa, está em Accra num encontro pan-africano e vai a caminho de Luanda quando ocorre o massacre de Pidjiguiti. Em Janeiro de 1960 vai à II Conferência dos povos africanos, em Tunis, em Maio está em Conacri. Ainda neste ano, em Londres, denuncia numa conferência internacional, pela primeira vez, o colonialismo português. Mas aí, como durante todos os anos de luta, sublinha com ênfase não estar contra o povo português. O seu combate é, em exclusivo, contra o sistema colonial. Hoje, as investigações históricas e os depoimentos de muitos intervenientes da época mostram que líder do PAIGC sempre se disponibilizou para negociações com o Governo português, nunca aceites pelo regime da ditadura. Entre 1960 e 1962, o PAIGC actua a partir da República da Guiné. Essa actuação desenvolve-se em três aspectos: formar militantes e quadros para a difusão do Partido no interior da Guiné, garantir o apoio dos países limítrofes (o que foi tarefa complicada porque a República da Guiné pretendia a utilização dos guineenses de Amílcar Cabral na sua própria política e porque o Senegal se manifestou hostil durante seis anos) e, finalmente, a obtenção do apoio internacional. É a República Popular da China quem dá o primeiro passo, recebendo, em 1960, Amílcar Cabral e alguns quadros que ali ficarão preparando a guerrilha e a formação ideológica. Em 1961 o Reino de Marrocos concede-lhe idêntico apoio. Em 1962, desencadeia-se a luta armada contra o Estado Português. Tinham passado 17 anos desde que o filho de Juvenal Cabral chegara a Lisboa para frequentar a Universidade. |
UMA TEIA DE INTERESSES | |
Séku Turé instiga ao assassínio de Amílcar. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. | Em reportagem publicada no Expresso, a 16 de Janeiro de 1993, José Pedro Castanheira fornece uma série de dados sobre a morte de Amílcar Cabral, que, três anos depois aprofunda no livro "Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?". É possível crer em vários factos. A política colonial portuguesa, dividindo para reinar, criara uma diferenciação entre cabo-verdianos e guineenses. Os primeiros, mestiços na sua grande maioria e mais escolarizados, são os preferidos da administração do Estado Novo. Desempenham os cargos menos desqualificados, usufruem de um tratamento preferencial. Quando se constitui o PAIGC, os quadros dirigentes são cabo-verdianos, os combatentes são guineenses. O próprio Amílcar Cabral, embora nascido na Guiné, é considerado cabo-verdiano. As tensões, os conflitos no interior do PAIGC existiram sempre. Em 1973, a guerra de libertação nacional encaminha-se para a vitória. Os dirigentes políticos continuam a ser cabo-verdianos. É provável que a proximidade do êxito extremasse a confrontação no Partido. Séku Turé que, desde 1958, fora um líder africano de grande prestígio está em perda de influência. Por seu turno, Amílcar Cabral é uma personalidade que se evidencia na cena africana e internacional, reunindo apoios que vão da China e dos regimes comunistas, aos países nórdicos. O grande sonho de Turé de anexar a Guiné-Bissau para criar a "Grande Guiné" está em perigo. É bem provável que tivesses dado sinais de concordância aos revoltosos - todos guineenses - para consumarem o crime. Cabral sairia de cena, o PAIGC desmembrar-se-ia, passando, na prática, para o controlo de Turé. (Em Maio de 1974, Leopold Senghor, Presidente do Senegal, não hesita em afirmar ao coronel Carlos Fabião e ao embaixador Nunes Barata ter sido Séku Turé o instigador do assassínio de Amílcar Cabral). Por fim, a PIDE/DGS. Desde muito, pelo menos desde 1967, a organização policial portuguesa procurava matar Cabral. Alguns guerrilheiros prisioneiros foram manobrados para colaborarem com a polícia política. Ficou provado em relação a alguns dos intervenientes no atentado. Tudo leva a crer que, em medida desconhecida, a PIDE não foi alheia a toda a trama. Testemunhos da época revelam também que Amílcar Cabral tinha consciência que poderia ser traído pelos companheiros de luta. Afirmara algumas vezes: "se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC. Só nós próprios". |
AS VÁRIAS MORTES DE AMÍLCAR CABRAL | |
Amílcar Cabral foi sepultado no cemitério de Conacri. Desaparece de cena o mais esclarecido dirigente africano da sua geração, o principal teórico da luta armada africana de libertação. O homem que sempre viveu em coerência com os seus ideais, o líder do movimento guerrilheiro que almejava uma comunidade fraterna que floresceria — em várias ocasiões o escreveu e disse — quando os dois povos levados à guerra se libertassem do opressor comum, seria morto mais vezes. Vítima de um ajuste de contas que não merecia, Amílcar Cabral teve a segunda morte no golpe de Estado de Nino Vieira de 14 de Novembro de 1980 que arrasou o seu grande sonho de fazer da Guiné e de Cabo Verde um único país, ou, pelo menos, uma união de Estados capaz de se impor aos desígnios hegemónicos dos governos de Dacar e Conacri, e desmembrou o PAIGC por ele fundado. Morreu com a ostentação, a corrupção e a sanha sanguinária na resolução dos diferendos políticos onde se deixaram atolar muitos dos dirigentes guineenses. Morreu com a miséria, a doença e a fome que dizima o seu povo vinte anos depois da independência admiravelmente conquistada nas matas de Madina do Boé. Morreu agora outra vez quando velhos camaradas de armas — os seus antigos camaradas — se digladiaram numa luta fratricida infligindo à Guiné-Bissau uma destruição terrivelmente superior à provocada por onze anos de guerra colonial vendendo, provavelmente, a soberania nacional numa patética tentativa de conservar a bebedeira do poder.
ILHA
- um poema de Amílcar Cabral - Praia, Cabo Verde, 1945 -
Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos —
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
colina sem fim de terra vermelha
— terra dura —
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!
www.vidaslusofonas.pt |
1 comentário:
http://olx.pt/anuncio/banda-desenhada-operao-mar-verde-antnio-vassalo-de-miranda-IDykUrF.html#2b7ea5c60f
Enviar um comentário