PORTUGAL - HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL
1961, o ano de todos os perigos
Na mensagem de Ano Novo de 1960, a primeira difundida pela televisão, o presidente Américo Tomás agoirou problemas para o País. Mas o agoiro era, mais que para o País, para o regime que o manietava.
Estava-se na ressaca das eleições de 58. A candidatura de Humberto Delgado fizera tremer o poder instituído e continuavam a sentir-se ondas de choque: agitação dos sectores católicos, tentativas de golpe, greves de pescadores, manifestações estudantis. Nas Nações Unidas, o número de países acabados de aceder à independência alterava a relação de forças e aumentava a inquietação do regime: na sequência do levantamento dos trabalhadores do porto de Pidjiguiti, na Guiné-Bissau, a Assembleia-Geral exigira informações sobre a situação nas colónias portuguesas.
O ano de 60 justifica as apreensões do contra-almirante: poucos dias após o seu discurso, dez dirigentes comunistas evadem-se da cadeia do Forte de Peniche; em Abril e Maio, há lutas e greves em vários sectores; em Junho, em Mueda, Moçambique, centenas de pessoas protestam contra os baixos salários e várias dezenas são massacradas; em Dezembro, o drama repete-se em Angola, na Baixa do Cassange. Nesse mesmo mês, dirigentes dos movimentos independentistas exigem, numa conferência de imprensa em Londres, o início das negociações com vista à descolonização. Em Coimbra, estudantes boicotam as salas de cinema, contra o aumento dos bilhetes; no Porto, são os estudantes de Medicina a entrar em greve.
O ano seguinte, 1961, será verdadeiramente o de todos os perigos para o regime: logo em Janeiro, o desvio do paquete Santa Maria, por um comando chefiado por Henrique Galvão, projecta para o mundo a imagem da oposição. O acto surpreende uma opinião internacional habituada a que, a oeste, nada houvesse de novo... Um jornalista suíço que então visita Portugal traça assim, na televisão helvética, o retrato do País:
"Ao cabo de uma geração inteira à margem da História contemporânea, Portugal encontra-se projectado, pelas tradições da sua própria História, no primeiro plano da actualidade. E daí não sairá facilmente. O destino dos seus homens, das suas mulheres, está nas mãos de um pensador de 72 anos, que há 33 anos esmaga os seus ministros com a sua superioridade intelectual, e que não se tem preocupado muito, parece, com a sucessão.
Um dia, será preciso que este povo seja tratado como adulto. Inelutavelmente, o desenvolvimento económico fará rebentar as estruturas, criará novos tipos de homens, novas reivindicações, sem dúvida, mas também novas dignidades. Um grande passado só tem sentido se invocar um grande futuro. É para ele que trabalham já as forças vivas de Portugal. Mas é de Luanda que primeiro chegam os sinais de mudança: em 4 de Fevereiro, o assalto à cadeia de São Paulo, mais tarde reclamado pelo MPLA, põe em causa a estabilidade do regime. Em 15 de Março, a ofensiva da UPA reforça a ideia de que chegou a hora derradeira do colonialismo português". Colonialismo condenado também por Washington, o Vaticano e os ventos da História.
A violência dos ataques da UPA, no entanto, permite ao regime uma ofensiva de propaganda: reunidas em livro sob o título "Genocídio contra Portugal", fotografias dos corpos horrivelmente mutilados das vítimas permitem ao Governo concitar simpatias que o 4 de Fevereiro não lhe atraíra. A própria oposição se divide: antifascismo e anticolonialismo não vão forçosamente de par, e a palavra de ordem «Para Angola e em força!», desperta insuspeitados patriotismos.
O ataque seguinte é do «inimigo interno». Marinha de Campos, um estudante de Medicina de Coimbra, publica na Via Latina uma «Carta a uma Jovem Portuguesa» que choca violentamente a moral tradicional:
«Somos jovens. A minha liberdade não é igual à tua. Separa-nos um muro, alto e espesso, que nem eu nem tu construímos. A nós, rapazes, a viver do lado de cá, onde temos uma ordem social que em relação a vós nos favorece. Para vós, raparigas, o lado de lá desse muro; o muro inquietante da sombra e da repressão mental. Do estatismo e da imanência.»
Nesse ano, as raparigas eram já 34,5 por cento na Universidade de Coimbra, 42,2 na Universidade Clássica de Lisboa e 26,8 na do Porto. Só na Universidade Técnica, de Lisboa continuavam a quedar-se pelos 10 por cento. Mas a sua liberdade mantinha-se condicionada e a sua participação na vida cívica diminuta. O seu horizonte era ainda o que fora o de suas mães: casar, ter filhos, obedecer ao marido, como mandava a lei.
A «Carta a uma Jovem Portuguesa» contestava tudo isso: "... tens de ser no futuro a jovem ao lado do jovem. A rapariga ao lado do rapaz.Para isso tens de trilhar os caminhos da compreensão e da aproximação e não os do afastamento desconfiado. Tens de colaborar em tudo o que os rapazes elaboram e realizam, e sempre num plano de igualdade. Tens de ajudar, criticar, disparatar (porque não?). Tens de derrubar connosco o muro que nos separa. Tens de participar na mesma frente, na frente das nossas reivindicações para a construção duma melhor realidade juvenil. Tens de fugir ao isolamento e ao mundo fechado e diferente das raparigas entre si. Tens de entrar no nosso mundo errado, mas errado por não estares lá".
É um apelo à igualdade cívica, mas o conservadorismo português reage como se se tratasse de uma incitação ao deboche, à promiscuidade. Em panfletos, artigos, sucedem-se as manifestações de desagravo. Mas, num Portugal que começa a enviar os seus filhos para a guerra de África, os problemas sucedem-se, criando outras tantas distracções: sob pressão internacional e dos sectores esclarecidos do regime, é abolido o Estatuto do Indigenato, a oposição lança o seu «Programa para a Democratização da República» e manifesta-se nas ruas durante as eleições para deputados; a ONU continua a condenar a política colonial portuguesa; depois do "Santa Maria", é um avião da TAP a ser desviado, a fim de lançar panfletos sobre Lisboa. Em Dezembro, tropas indianas tomam Goa e verifica-se nova fuga de dirigentes comunistas, desta vez de Caxias. Finalmente, em nova tentativa de golpe, na passagem do ano, o quartel de Beja é assaltado, sendo morto na sua acção o subsecretário de Estado do Exército.
Diana Andringa
http://www.guerracolonial.org/
São Tomé e Príncipe recorda o massacre de 1953
Já passaram 56 anos sobre o mais horrível massacre registada pela história de São Tomé e Príncipe. Milhares de nativos da ilha foram torturados até a morte durante a ofensiva militar do então governador português Carlos Gorgulho, com o objectivo de forçar os forros, a trabalhar como contratados nas plantações de cacau e café. O massacre começou e circunscreveu-se a localidade de Batepá e arredores no centro da ilha de São Tomé. Trindade actual capital do distrito de Mé-Zochi também foi a vila condenada, como escreveu a poetisa são-tomense Alda Graça. Em Folha Fede, António Soares, Otótó, e outras localidades do centro de São Tomé, ainda pode-se ouvir testemunhos dos sobreviventes do massacre. Milhares de são-tomenses tiveram que trabalhar como escravo nas obras públicas. Trabalhar até a morte. Corpos sem vida ensanguentaram a praia de Fernão Dias(na foto), onde a cada 3 de Fevereiro os são-tomenses se concentram para recordar o massacre que impulsionou a independência nacional.
De Irene Pimentel
Lembro-me há uns anos de ter lido, no Arquivo da PIDE/DGS, uma carta, apreendida por essa polícia, à escritora de S. Tomé, Alda Espírito Santo, a relatar os terríveis acontecimento de Fevereiro de 1953, em que foram presos, torturados e massacrados muitos são-tomenses, às mãos do governador Gorgulho. Informado sobre o caso, o advogado da oposição Manuel João da Palma Carlos tomou a iniciativa de ele próprio proceder a um inquérito e dirigiu-se a essa colónia. O próprio regime salazarista preocupou-se e a PIDE enviou a S. Tomé e Príncipe, entre Março e Junho de 1953, o chefe de brigada Fernando Gouveia, para inquirir sobre o assunto. Como ele próprio contaria, «colaborou numa situação deveras confusa que havia provocado a prisão de 1200 ou 1300 nativos, acusados de fazerem parte de uma organização comunista e que, afinal, após o devido esclarecimento, se verificou a sua não existência, ilibando-se assim todos os delitos, que foram imediatamente soltos». A deslocação de Fernando Gouveia a S. Tomé e Príncipe foi elogiada, na PIDE, «pela forma compreensiva e disciplinada com que, dado o melindre das investigações a efectuar se desempenhou da missão e acatou as directrizes estabelecidas» (Arquivo Histórico Militar, Fernando Gouveia, proc 441/74, volume I, fls. 60-63)
jugular.blogs.sapo.pt
O massacre de 1953 - S. Tomé
Foi a primeira vez que ouvi falar neste trágico acontecimento, ocorrido em 1953, era então Governador de S. Tomé, Carlos de Sousa Gorgulho.
Como acontecia naquela época e naquele regime, muita coisa deste género era ocultada.
O meu primeiro contacto com o evento foi quando visitei, no dia 24 de Junho, a roça que foi de Fernão Dias, roça que explorava o óleo de copra e a aguardente de cana. Como a esmagadora das roças, abandonada. E esta, por sinal, em ruínas.
O contacto deu-se quando olhei para o que vem escrito no monumento que lá se encontra, junto do mar, e que foi construido em 1957. Trata-se de um poema evocativo da tragédia e da autoria de Alda do Espírito Santo, e que está incluído no seu livro de poemas, " É nosso o solo sagrado da Terra":
" Onde estão os homens caçados neste vento da loucura
O sangue caindo em gotas na terra
Homens morrendo no mato
E o sangue caindo, caindo...
Nas gentes lançadas no mar...
Fernão Dias para sempre na História
Da ilha verde rubra de sangue,
Dos homens tombados
Na arena imensa do cais
(................)
O sangue das vidas caidas
Nos matos da morte
O sangue inocente
Ensopando a terra
Clamando justiça.
É a chama da humanidade
Cantando a Esperança
Num mundo sem peias
Onde a Liberdade
É a pátria dos homens...
( Alda do Espírito Santo )
Houve ceca de 1000 mortos de Fevereiro a Março de 1953. Mortes em cadeiras eléctricas. Homens lançados no mar. Pessoas asfixiadas. Acorrentadas. Mulheres violentadas. Conforme se encontra documentado e com fotos no Museu Nacional, que funciona no Forte de S. Sebastião.
O Dr Mário Soares fez por mais de uma vez referência a este acontecimento na sua estadia em S. Tomé, nomeadamente na Casa da Cultura, aquando da exposição de documentos e fotos ilustrativos da sua prisão nesta ilha, em 27 de Junho. Fiquei também a saber que o Dr Palma Carlos foi advogado de defesa de muitas famílas das vítimas, entre elas a mãe da poetisa, Alda do Espírto Santo, Maria de Jesus Agostinho das Neves e também de Maria dos Ramos, ambas presas noForte de S.Sebastião.
A poetisa, figura lendária de S. Tomé, tive oportunidade e muito prazer em vê-la : embora velhinha, tem os olhos brilhantes e bonitos. Tive pena de não ter podido falar-lhe, mas estava muito ocupada com a imprensa.
Eduardo Aleixo
( Cidade de S. Tomé, 27 de Junho de 2008)
3 comentários:
Vou continuar a ler. Um abraço.
obrigado Graciete ! felicidades amiga
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