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quinta-feira, 4 de abril de 2013


Bruxas no Estado Novo.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
         Aqui, no Ebay, passe a publicidade, está à venda uma fotografia de uma vozearia de bruxaria, em que Dona Silvina, apresentada como «a mais conhecida bruxa de Lisboa», é interpelada nos idos de 1966, inícios de 1967.
         Um caso de bruxaria no Estado Novo, já agora, como curiosidade histórica:  
 
 
 
 
SUPREMO TRIBUNAL de JUSTIÇA
Acórdão de 11 de Dezembro de 1957
Processo n.º 29.755
In Boletim do Ministério da Justiça, nº 72, Janeiro de 1958, pp. 349-357.
 
 
 
 
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:
Conceição Gomes, identificada nos autos, foi acusada pelo Ministério Público, no 3º Juízo Correccional da comarca do Porto, no que foi acompanhado por António Luís Gomes Ferreira, e Glória Maria de Jesus, na qualidade de assistentes, de haver cometido os crimes previstos e punidos pelos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 32.171, tendo ainda em atenção o § 1º do primeiro destes preceitos de lei; e isto por dos autos resultar que, desde há anos, à data da instauração deste processo, na área do concelho de Matosinhos, ora em sua casa, ora em casa de outras pessoas, a ré observava e tratava com fins lucrativos, diversas doentes, praticando assim actos próprios da profissão médica, e intitulando-se vidente, também com idênticos fins, empregava medicações e práticas como defumadouros e rezas, destinadas a sugestionar pessoas fracas de espírito.
 
 


Indiciadas por despacho com trânsito em julgado, seguiu o processo seus trâmites, vindo a ré a recorrer do despacho em que foram admitidos os assistentes que se conformaram com a acusação pública, do despacho que julgou as partes legítimas, do que julgou inaplicável a amnistia concedida pelo Decreto-Lei n.º 39.187, à infracção prevista pelo citado artº 15, e ainda do que admitiu a depor a testemunha Palmira Ferreira dos Santos Jorge.
Todos estes recursos foram admitidos para subir com o que se viesse a deduzir da sentença final.
Nesta foi apreciada a conduta da ré, dando-se por improcedente a acusação quanto ao referido crime do artº 15, e procedente quanto à outra infracção, e deste modo condenada em seis meses de prisão e seis meses de multa a 50$00 por dia, no imposto de justiça de 1.000$00, e na indemnização de 800$00 à assistente Glória, sendo a prisão substituída por multa nos termos do n.º 5º do artº 94º do Código Penal.
Deste sentença recorreram os dois assistentes, bem como a arguida.
De todos os recursos tomou conhecimento a Relação, negando-lhes provimento na sua maioria, e concedendo em parte a outros e assim decidiu que a amnistia invocada era inaplicável, que o depoimento da testemunha Palmira era de admitir, sendo por consequência atendível, e revogou a sentença – quando julgou improcedente a acusação pelo crime do citado artº 15º, por a julgar provada, como provada julgou a respeitante ao outro delito, pelo que alterou a pena aplicada, e condenou a ré em dezoito meses de prisão, e outro tanto de multa a 50$00 por dia, correspondendo a cada crime nove meses de prisão e nove meses de multa indicada, elevando-se para 2.000$00 o imposto de justiça, fixado em primeira instância, manteve-se a indemnização arbitrada, e mais se condenou a ré em 1.500$00 de imposto de justiça, e em 500$00, de procuradoria.
Deste acórdão, de novo, esta recorreu, procurando, demonstrar na sua minuta que a infracção do artº 15 do Decreto-Lei n.º 32.171 se acha amnistiada pelo Decreto-Lei n.º 39.187, porque dando-se por averiguada a profissão de vidente que no seu entender existe, para a qual se não exige título, de duas, uma, ou não se está em face desse exercício ilegal dessa profissão, e não existe crime, ou se está em face desse exercício ilegal, e então a respectiva conduta acha-se abrangida pelo referido decreto; que quanto ao depoimento da testemunha Palmira, o problema foi mal posto, porque o que sustenta é que por não se discriminarem as testemunhas a depor em referência a cada crime, a acusação não tinha o direito de arrolar quinze testemunhas, pelo que as inquiridas além das oitos não seriam de admitir, e os seus depoimentos devem-se haver como não escritos (artº 635º do Código de Processo Civil), pois que, sendo as testemunhas comuns aos dois delitos, o seu número não podia excedes a oito, de maneira que os nomes das que excedem esse número, se consideram não escritos, e por se ter decidido o contrário se recorreu. Ainda alega que os elementos de facto constantes do despacho de pronúncia não são, por si, suficientes para configurar a infracção do citado artº 12º e os elementos que serviram de base à sua condenação não constavam da indiciação, pelo que esta, por este delito era legalmente impossível por só os primeiros serem de considerar; que a do artº 15º também não se acha configurada pelos factos constantes do acórdão recorrido, e nesse sentido expõe o que entende por vidente, e por sugestionar; considerando ridículo que em face dessa exposição, com os simples factos indicados, se configurasse esse crime, achando-se estes incluídos na prática do espiritismo, pelo que já foi absolvida por ser legítima essa prática confessional, havendo assim caso julgado. Por fim, alude à pena, entendendo que ainda que fossem de julgar provados esses crimes, nada obstava a que se usasse, como se usou, em primeira instância, da faculdade do nº 5 do artº 94 do Código Penal, visto a ré se apresentar com uma personalidade socialmente  valorizada, merecendo um tratamento pessoal consentâneo. Formula depois as seguintes conclusões: que a infracção do artº 15º do Decreto-Lei n.º 32.171 está aministiada pelo Decreto-Lei n.º 39.187; que, nos termos do artº 635º do Código de Processo Civil , a referida testemunha Palmira não podia ser inquirida, porque não se tendo feito na queixa a discriminação das testemunhas pelos dois crimes, sendo assim oferecidas genericamente, e em comum, quanto aos dois delitos, o número dessas testemunhas não podia exceder oito, razão por que o nome dessas testemunhas se teria de haver como não escrito, e as mesmas como não oferecidas; que provido o recurso quanto à audição dessa testemunha, seria de anular todo o processado que depois se seguiu; que os elementos de facto constantes do despacho de pronúncia eram insuficientes para integrar o crime do citado artº 12º, por faltar o elemento material – método ou processos que tenham por fim a cura de estados mórbidos ou incómodos de saúde; que o acórdão da Relação também não lhe faz referência pelo que o crime não se acha configurado; que o crime do artº 15º sofre dos mesmos vícios, porque da matéria apurada não resulta, conforme se diz na pronúncia, que a ré se intitulasse vidente, que esta actuasse nessa qualidade, e que tenha sugestionado alguém, muito menos doentes, e muito menos ainda doentes alienados, que são os doentes a quem a sugestão, como método terapêutico, se aplica; mais diz que a pena aplicada foi severa, mesmo a ser admissível a condenação pelos dois crimes, em face das atenuantes provadas, e nada impede que se use da faculdade concedida pelo n.º 5º do artº 94º do Código Penal.
Na sua contra-alegação a assistente Glória Maria de Jesus procura sustentar o decidido por entender haverem sido obscuras todas as disposições legais, pelo que reputa de absoluta justiça a confirmação do acórdão recorrido.
O digno Procurador da República junto da Relação entende que a amnistia não tem aplicação ao caso indicado, que a acusada infracção dos artºs 388 do Código de Processo Penal e 635º do Código de Processo Civil, era de considerar sanada por não influir na decisão da causa. Entende mais que a actividade da ré não pode preencher ao mesmo tempo os elementos dos dois crimes; que a matéria de facto assente pela Relação, integra sem qualquer constrangimento, a infracção do artº 12º, já o mesmo não lhe parecendo no que respeita ao outro crime, mas que em qualquer caso a ré não pode ser condenada por concurso real de  crimes, e por isso se pronunciou de princípio pela confirmação da sentença de primeira instância, embora lhe pareça benévola a pena que então se aplicou.
O excelentíssimo Ajudante do Procurador-Geral da República junto desta secção é de parecer que as duas infracções são autónomas, e com autonomia se podem punir, o que de costume, proficientemente procura demonstrar, e neste processo assim são de considerar por a ré, em épocas diferentes, e em relação a pessoas diferentes, Ter praticado actos que preenchem o crime continuado do exercício ilegal de medicina, e actos de bruxedo e charlatanismo contra a crendice popular que integram o segundo crime pelo que, existindo o cúmulo real de crimes, a decisão recorrida é de manter.
 
Tudo visto e ponderado, cumpre decidir:
Várias questões são levantadas, sendo estas em número de seis que, antes de se entrar na apreciação da matéria relativa às infracções acusadas, convém decidir, podendo-se resumir nas seguinte:
Aplicação da amnistia concedida pelo Decreto-Lei n.º 39.187 à infracção do artº 15º do Decreto-Lei n.º 32.171;
Admissão do depoimento da testemunha Palmira contra o disposto no artº 635º do Código de Processo Civil;
Os crimes acusados não se acham devidamente configurados na indiciação:
Impossibilidade, neste caso, de a outros elementos se atender para condenar;
Caso julgado; e
Não pode a actividade do agente preencher, ao mesmo tempo, os elementos dos dois crimes.
1ª - Pelo n.º 3 do artº 1 do citado Decreto-lei n.º 39.187 são amnistiados os crimes de exercício ilegal de profissão, quando a ilegalidade não resulta da falta de título.
Embora na indiciação se faça referência ao facto da ré se intitular vidente, não é o mesmo elemento essencial do aludido crime do artº 15º do Decreto-Lei n.º 32.171, porque além dessa actividade não constituir profissão, o que aí se pretende punir são os actos praticados com charlatanice em que se procura explorar a boa fé do público, sendo estes de punir quer sejam praticados por magnetizadores, ocultistas, videntes, etc., ou não, porque de uma maneira geral, todos são punidos, desde que tenham por fim sugestionar doentes. Não é assim para este efeito o nome com que se praticam os actos a que se tem de atender, porque o que interessa são os actos praticados.
Ora os actos atribuídos à ré para configurar este crime não dizem respeito a exercício ilegal de profissão, por serem actos de charlatanice com o fim indicado e essa actividade não tem possibilidade de ser considerada como profissão, o que é o bastante para não se achar amnistiado por esse preceito de lei.
2ª A inquirição da testemunha Palmira Ferreira dos Santos Jorge foi devida ao ser indicada na queixa em 11º lugar.
Nos termos do artº 388º do Código de Processo Penal, o número das testemunhas de acusação não pode exceder oito por cada infracção, e como as infracções eram duas, foram indicadas quinze testemunhas, pelo que não se excedeu esse número, e era de concluir que parte fosse destinada à prova de um crime, e a outra à do segundo.
Não se fez a discriminação no rol, como seria normal, para evitar inconvenientes, mas por então não se ter feito, não se segue que tempestivamente se não viesse a fazer, falta essa que a considerar-se irregularidade, podia ter sido reclamada, e desde que o não foi, era de reputar suprida por não influir por não influir no exame ou decisão da causa (artº 100º e §§ do Código de Processo Penal).
Em julgamento, no entanto, tudo se esclareceu; levantada a questão pelo digno advogado da ré, fez-se essa discriminação, tendo-se reconhecido que haviam sido inquiridas sete testemunhas em referência a ambos os crimes, e que por consequência ainda podia depor mais uma relativamente à infracção do artº 15º, pelo que se admitiu esta testemunha em oitavo lugar (acta de fls. 367 vº). O número legal não fora excedido, e portanto o seu depoimento era de apreciar.
O facto das testemunhas haverem sido arroladas genericamente, não levava a presumir que fossem destinadas a produzir prova sobre os dois crimes, visto a lei ser bem clara ao estabelecer que o número das testemunhas, neste caso, não podia exceder oito por cada infracção.
Ora se essa discriminação não estava feita, se o número total das testemunhas não foi excedido, se conta essa falta se não reclamou, não havia possibilidade, antes de se fazer a discriminação, de saber se era excedido ou não, isto é, se as testemunhas arroladas eram ou não comuns, como a recorrente pretende, aos dois delitos, e por consequência não era de considerar não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassassem o limite de oito, e muito menos neste caso era de desprezar esse depoimento por se ter verificado que só sete haviam sido inquiridas sobre ambos os crimes.
Mas além do exposto o tribunal tendo conhecimento de novos elementos de prova que manifestamente possam influir na decisão da causa, pode ordenar que se produzam (artº 443º do Código de Processo Penal), e com este fundamento podiam ser ouvidas outras testemunhas, não competindo a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a utilidade ou necessidade desses novos elementos (acórdãos deste Supremo Tribunal, de 10 de Outubro de 1956, Boletim n.º 60, pág. 539, de 5 de Janeiro de 1955,Boletim, n.º 47, pág.299, e 7 de Julho de 1954, Boletim, n.º 44, pág.97 e notas a este acórdão).
Não há portanto, motivo legítimo para anular qualquer parte do processado.
3ª e 4ª - O despacho de pronúncia transitou em julgado e por este foi a ré incriminada nos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei n.º 32.171.
Alega-se que não se acham no mesmo devidamente configurados esses crimes, o que já não interessa, apesar de não ser inteiramente exacto, porque de uma maneira geral são aludidas observações e tratamentos com fins lucrativos em diversos doentes, praticando-se actos próprios da profissão de médico, e com iguais intuitos empregavam-se medicações e práticas, especializando-se algumas, com o fim de sugestionar pessoas fracas de espírito; restava consequentemente, em julgamento, averiguar se esses actos constantes dos autos que haviam de ser especificados e apreciados, tinham os fins indicados na lei, e se por conseguinte eram integradores dos requisitos essenciais dos crimes acusados; e do apuramento das provas a esse respeito, é que podia resultar ou não, a configuração dessas infracções. Não se tratava de factos surgidos ou de novo alegados, mas de factos abrangidos por aquelas expressões, formuladas de uma maneira geral, pelo que não podiam deixar de ser consideradas.
5ª - A ré alega que estes últimos factos, mas só indica os que foram especificados, como exemplo, na pronúncia, constituem prática de espiritismo já foi absolvida, por se haver como legítima essa prática profissional, pelo que, a este respeito, existe caso julgado.
No entanto, como se vê do antecedentemente exposto, não é ela acusada de prática de actos dessa natureza, mas de outra actividade que de forma alguma corresponde à qualidade espírita, pelo que essa excepção se não verifica.
6ª - Finalmente, é de apreciar a questão levantada pelo digno Procurador da República junto da Relação, de não poder a actividade do agente preencher ao mesmo tempo, os elementos dos dois crimes.
Não obstante a esclarecida opinião deste magistrado, em face do que se dispõe no Decreto-lei n.º 32.171, não se pode chegar a essa conclusão, não sendo o facto da pena ser igual bastante para a justificar, pois que no artº 12º refere-se a prática do exercício ilegal de medicina, ao passo que o artº 15º prevê a prática de actos completamente diferentes, terminando por dizer - «dum modo geral, todos os charlatães que usem de processos análogos...», o que bem demonstra que a prática de uns não se pode confundir com a dos outros, são actuações completamente diversas, e os interesses protegidos diferentes também são.
Têm por consequência as duas incriminações inteira autonomia, e punição autónoma, desde que os actos praticados não se confundam e constituam os elementos desses dois crimes, sendo praticados em épocas diversas e relativamente a diferentes pessoas.
Arrumadas estas questões, cumpre apreciar o objectivo fundamental do recurso.
Vem dado por provado no acórdão recorrido, em referência à infracção do artº 15º do citado decreto que a ré, conhecida pela designação de «Bruxa de Leça da Palmeira», desde há anos com referência a Junho de 1951, data do início do processo, indo a casa de Vitória, na vida do Paciência, seu marido, fazia aí sessões de bruxedo, recomendando em certa ocasião a este que, diariamente, desse nove voltas à eira, três de cada vez, para bem dos músculos e por ser ordenado por alma do pai, e quando em Setembro de 1951, dava essas voltas, caiu, levado em braços para casa, veio a falecer nessa noite; depois da morte deste passou a frequentar a casa da viúva, praticando defumadouros, findos os quais caía e imitava a voz do Paciência, tomando atitudes estranhas, tendo sido consultada por estes por trazerem espíritos maus «dentro de si», e aquelas práticas e rezas eram para os escorraçar. Receitou a Rosa de Araújo, tendo-lhe esta levado, como lhe recomendara, terra da sua cozinha, uns defumadouros para fazer à filha que estivera doente, devendo ser acompanhadas de uma reza com palavras especiais.
Consultada por Palmira Ferreira, indicou-lhe penitência que teria de cumprir para o fim desejado, contando esta que a ré começou a esfregar os olhos a abrir a boca e a estremecer, e doutra vez receitou-lhe uns defumadouros, e o recitativo de certas palavras; e consultada por Maria da Conceição por uma sua filha estar doente, benzeu a terra da sua casa que lhe levara por sua recomendação, e ordenou que a deitasse ao rio acompanhada das seguintes palavra: «Rio e mar, terra da minha casa te venho deitar para todo o bruxedo e encanto da minha casa passar».
Mais vem provado que por todos estes conselhos, consultas, e práticas, recebia quantias em dinheiro variáveis, quantias essas que são devidamente indicadas.
Vê-se assim que não eram só defumadouros e rezas que aconselhava, mas praticava actos, exibições, e indicava processos de panaceia, visto que todos os indivíduos a quem os patenteava eram doentes físicos ou de espírito; e assim para excitar os músculos aconselhava passeios, e em tal estado se encontrava o paciente que por virtude dos mesmos caiu, vindo a falecer nessa noite; fazia ao mesmo tempo sessões de bruxedo, representando cair, e tomando atitudes estranhas, e para mais valor dar às suas palavras procurava imitar a voz de defuntos, ou então dizia, as proferia, por ser ordenado por alma destes; simultaneamente aconselhava que essas práticas fossem acompanhadas de expressões para lhes imprimir a virtude do que procurava conseguir, de que o antecedentemente especificado é bem significativo.
Os defumadouros que indicava eram, algumas vezes, destinados a escorraças os espíritos maus, vistos os respectivos consulentes se queixarem de os possuir.
Todos estes actos são de pura charlatanice, vendo-se das exibições que fazia que procurava representar poderes que não tinha, o que é próprio da sua qualidade de bruxa, para mais facilmente serem acreditadas, e fazer nascer no espírito dos que a procuravam a esperança de cura dos males que os afligiam, e assim com estes processos, e neste sentido, os pretendia sugestionar.
São estes os factos punidos pelo mencionado artº 15º, e isto quer sejam praticados sob a designação de magnetizadoras, ocultistas, videntes, etc., ou de semelhantes, por todos serem punidos, desde que sejam empregados com esse fim.
E sugestionar não é empregado na lei como meio terapêutico, mas com o significado vulgar de fazer nascer a convicção de que tem poderes para dar remédio aos males apresentados, e muito menos era de lhe atribuir esse sentido, dada a disposição do artº 12º do mesmo decreto.
Em resumo, a ré, como bruxa, qualidade semelhante à de vidente, quiromante, ou charlatão, empregou práticas ou processos com os quais procurou sugestionar esses doentes, e assim justificada está a incriminação pelo preceito do citado artº 15º.
Quanto à outra infracção, ou seja a do artº 12º, a matéria de facto apurada consiste em que a ré, durante o tempo indicado, praticava o tratamento de pessoas doentes, chegando a fornecer receitas aos consulentes, o que fazia com fins lucrativos, e sem possuir qualquer título.
Vê-se assim que, sem interrupção, a recorrente, desde há muito, aplicava a sua actividade a tratar doentes, e a formular receitas, o que são actos próprios da profissão de médico; e aquele que os praticar sem qualquer título ou sem título bastante, está sujeito à sanção do mencionado preceito de lei que abrange não só os actos praticados nesse sentido com o fim de alcançar a cura de estados mórbidos ou incómodos de saúde, mas qualquer outro acto próprio dessa profissão. E, como se disse, os actos praticados são dessa natureza, pelo que a incriminação por essa disposição de lei se justifica.
E para melhor elucidação do seu procedimento foi dado como provado que Júlia Ferreira dos Santos consultando-a, a mesma lhe receitou umas untadelas de petróleo para cura de um eczema que trazia numa perna, que veio a inchar e a infeccionar-se com essa aplicação, e este facto bem revela os meios de que se servia para conseguir os provados lucros com a prática desses tratamentos. Acham-se deste modo devidamente configuradas as duas infracções, na forma continuada, pelo que a recorrente, como sua autora, não podia deixar de sofrer a respectiva punição.
Não é prejudicada por qualquer agravante, e é beneficiada somente pela atenuante do bom comportamento, a que tem de se dar certo relevo por vir provado que é caritativa, esmoler, boa pessoa e boa mãe, o que também influi na sua personalidade, a considerar por consequência, de conformidade com o artº 84º do Código Penal; mas longe porém de se poder reputar com uma personalidade socialmente valorizada, dada a forma como se tem conduzido, praticando esses actos reprováveis à face da lei e da moral, o que mais intenso torna o dolo, entendendo-se no entanto por ser justo, visto nada constar de prejudicial do seu certificado do registo criminal, que deve ser tratamento menos severo.
Neste entendimento, aplica-se à ré, em cúmulo jurídico, a pena unitária de 12 meses de prisão, acrescida do cúmulo material das multas, correspondendo a cada um dos crimes 8 meses de prisão e igual tempo de multa à razão de 30$00 por dia, de modo que além da indicada prisão, são-lhe aplicados 16 meses de multa do mencionado quantitativo.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida, alterando simplesmente a pena pela forma indicada.
Tem a recorrente de pagar 1.000$00 de imposto de justiça.
Lisboa, 11 de Dezembro de 1957.
Júlio M. de Lemos (Relator) (Vencido, em parte, por entender que o segundo crime não se acha devidamente configurado por não se terem especificado no acórdão recorrido as práticas ou observações feitas para tratamento de pessoas por qualquer método ou processo que tenham por fim a cura de estados mórbidos ou incómodos de saúde, sendo os actos praticados dados como provados insuficientes para se qualificarem como qualquer outro acto próprio da profissão de médico, visto as receitas referidas nada esclarecerem, dada a sua simplicidade, e o caso de Júlia Ferreira dos Santos, há muito passado como isolado, não era de considerar, por se achar prescrito o respectivo procedimento penal) – Piedade Rebelo – Eduardo Coimbra.

Malomil

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