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sábado, 20 de abril de 2013


8 leiam comigo - Hugo Chávez - Da Origem Simples ao Ideário da Revolução Permanente - Posfácio da Edição Americana (parte2)


   Posfácio da Edição Americana
   Como a maior parte do mundo, fiquei sabendo da existência de Hugo Chávez em fevereiro de 1992, quando ele lançou sua fracassada tentativa de golpe. Estava me preparando para morar na Venezuela, inicialmente como ativista de um grupo católico de ajuda humanitária chamado Maryknoll, o braço para missões estrangeiras da Igreja Católica dos Estados Unidos.
   Eu trabalhava em uma escola de línguas de Cochabamba, na Bolívia, quando Chávez liderou o golpe. Mudei-me para a Venezuela naquele mês de julho. Em outubro, passei a morar em um barrio de Barquisimeto, onde permaneci durante 18 meses.
   A experiência permitiu-me ver em primeira mão como vivia a maioria pobre da Venezuela, uma lição inestimável para um jornalista. Muitos de meus vizinhos da parte alta de El Trompillo moravam em barracos feitos com pedaços de metal amassados ou, até mesmo, no caso de uma vizinha do outro lado da rua, em casas de pau-a-pique como aquela em que crescera Hugo Chávez.
   Um dia, a vizinha me contou que não comia nada havia dois dias, que tinha apenas café para beber e não tinha mais nenhum alimento para dar a seus três filhos. Comprei para ela vários produtos de supermercado.
   Os barrios de ruas de terra não dispunham de água encanada ou de banheiros internos. Como acontecia com vários dos seus moradores, eu tomava banho com um balde dentro de um “chuveiro” interno, formado por quatro paredes de folhas de metal amassadas. Um caminhão-pipa comparecia à área algumas vezes por semana e enchia os barris de água que mantínhamos na parte da frente das casas.
   Em uma manhã, seis semanas depois de minha chegada, o Sol ainda não tinha se levantado quando ouvi um barulho, como se alguém estivesse batendo com uma estaca do lado de fora da minha casa de paredes de concreto. Descobri que o barulho vinha dos fogos de artifício disparados por algumas pessoas. Uma outra tentativa de golpe se desenrolava. O dia: 27 de novembro de 1992. Os colaboradores civis dos golpistas, de uma outra parte do barrio, anunciavam a rebelião. Pouco tempo mais tarde, meus vizinhos reuniram-se na rua de terra. Todos víamos as forças de segurança invadirem casas do barrio localizado no morro dos quais tinham vindo os fogos de artifício. Assustados, meus vizinhos correram de volta para dentro de suas casas. Cheguei à conclusão de que seria melhor se fizesse o mesmo.
   Naquele mesmo dia, horas depois, consegui ver os caças legalistas e rebeldes travando combates aéreos sobre a cidade. Alguns pilotos ejetaram-se de seus aviões, aterrissando em um barrio localizado do outro lado da cidade. Eu não tinha certeza sobre o que estava acontecendo. Estava ajudando um vizinho com seus exercícios de inglês quando membros mais experientes do Maryknoll passaram por ali, a fim de aconselhar-me a não sair de casa. Naquela noite, o abalado governo do presidente Carlos Andrés Pérez decretou lei marcial. Qualquer um flagrado nas ruas após o anoitecer corria o risco de ser alvejado.
   Encontrei-me com Chávez pela primeira vez em 1994, pouco depois de ele ter sido libertado da prisão. Então, eu já havia retomado minha carreira de jornalista, tendo ingressado no escritório da Associated Press em Caracas, um local bastante diferente de um bastião chavista e onde trabalhei até 2000. Logo me mudei para o bairro chique de Altamira/Los Palos Grandes, que, com o passar do tempo, se transformaria em um reduto da oposição a Chávez. Os moradores dessa área sairiam em suas janelas à noite para bater panelas furiosamente, conclamando a derrubada do presidente. O bairro ficava localizado aos pés da imensa cadeia de montanhas Avila e contava com elegantes prédios de apartamentos, restaurantes da moda e supermercados bem abastecidos. Diplomatas, empresários estrangeiros e outras pessoas em cargos de poder moravam na área. O local colocava-se no pólo oposto ao de El Trompillo. Morei ali nos cinco anos seguintes.
   Eu me encontrei com El Comandante em um restaurante chinês do modernoso bairro de Mercedes, em Caracas, alguns dias depois de sua libertação, realizando a primeira entrevista concedida por Chávez a um correspondente estrangeiro. No entourage que o acompanhava, então, estavam seu filho, Hugo, e o advogado Manuel Quijada. Não havia muito tempo para perguntas. Seu telefone celular não parava de tocar e as pessoas o abordavam para desejar-lhe boa sorte.
   Cerca de um ano mais tarde, eu o entrevistei novamente, no escritório do arquiteto da área de Chuao que lhe emprestara aquele espaço. Depois de Chávez ter me apresentado em detalhes seus planos para o país, Luis Alfonso Dávila, ex-oficial das Forças Armadas que assessorava Chávez, perguntou-me o que achava daquilo tudo. Eu não estava muito certo sobre o que responder. Naquela época, Chávez estava sendo execrado pelo establishment - o que incluía o veículo de comunicações para o qual eu trabalhava -, sendo retratado como uma relíquia meio amalucada que não se diferenciava muito de uma moda passageira.
   Em 1998, quando ele concorria à Presidência, sentamo-nos juntos mais uma vez. Ele subia nas pesquisas e tinha chances reais de vencer; o establishment se enganara a respeito do que acontecia entre as camadas humildes da população. A maioria pobre do país nunca esquecera de verdade El Comandante. Conforme me disse Adán, irmão dele e um dos principais colaboradores de Chávez, em abril de 2007: “Aquilo foi um furacão, um furacão que continua em atividade”.
   Depois de registrar a ascensão de Chávez ao poder e os primórdios do seu governo, regressei aos Estados Unidos, mas acompanhei de perto o desenrolar dos fatos na Venezuela, realizando visitas regulares ao país. Em 2003, comecei a fazer pesquisas para escrever este livro.
   Vários anos tinham se passado desde que eu tivera a última chance de conversar com ele pessoalmente, e eu queria visitá-lo outra vez.
   No entanto, aproximar-se dele não era, havia muito tempo, algo fácil de se conseguir. Passei meses tentando marcar uma entrevista. Recorri a asses-sores, ao embaixador da Venezuela junto às Nações Unidas, ao embaixador do país em Washington, a amigos que tinham amigos que supostamente conheciam alguém. Recorri a todos os que consegui imaginar. A maior parte desses contatos não rendeu nada. Alguns dos assessores perderam seus cargos. No entanto, em abril de 2007, fui chamado a Caracas. Eu finalmente chegava perto de meu objetivo.
   Chávez não compareceu no dia marcado para nossa entrevista, de forma que procurei José Vicente Rangel, durante um longo tempo seu vice-presidente, e que recentemente deixara o governo.
   Sentado em uma sala de estar repleta de quadros e estátuas, na casa dele, no bairro de Alta Florida, Rangel descreveu para mim os eventos do golpe de 2002. Ele ficara ao lado de Chávez durante a maior parte do tempo naquela noite de 11 de abril. Disse que uma das coisas mais notáveis fora a postura controlada e metódica adotada por Chávez, em um contraste marcante com o cenário de caos, tensão e ameaças de bomba circundante. Em um dado momento, o presidente pediu para ser deixado sozinho, a fim de meditar a respeito do que fazer. Rangel afirmou ser uma característica de Chávez pedir para ficar isolado em momentos que exigem uma decisão importante.
   “Ele estava tranqüilo, inacreditavelmente tranqüilo”, disse Rangel. “Ele é muito contraditório nesse aspecto, porque é um homem hiperativo e emocional. Mas, em circunstâncias especiais, age com uma serenidade incrível, com frieza. É por isso que as decisões tomadas por ele até agora são tão boas. Acho que um dos motivos pelos quais se retira é precisamente para evitar que as pressões do momento ditem o caminho a ser adotado.”
   Mais tarde, naquela mesma noite, encontrei-me com Adán Chávez, em seu espaçoso gabinete no Ministério da Educação, então comandado por ele. O irmão do presidente era conhecido por não conceder entrevistas, muito me-nos para jornalistas dos Estados Unidos. Ele me disse dispor de 30 minutos. Acabamos conversando durante uma hora.
   Eu falei sobre a história de seu ingresso no MIR e no PRV, de Douglas Bravo, e então sobre o seu papel como elo de ligação entre Bravo e Hugo Chávez. Perguntei-lhe se aquilo era verdade. Adán pareceu surpreso com o fato de eu estar familiarizado com os detalhes da sua vida pregressa, detalhes que mesmo os venezuelanos desconheciam, e disse que o relato se mostrava bastante preciso. Hugo, afirmou, “dispôs-se imediatamente a entrar em contato” com Bravo quando Adán sugeriu a idéia. Os dois finalmente se encontraram em 1979, contou, acrescentando: “Aquilo foi importante porque deu início ao processo dele de montar um movimento civil-militar”.
   Adán falou um pouco sobre a infância deles em Sabaneta, sobre como os pais viajavam entre essa cidade e Los Rastrojos nos primeiros anos, sobre o próprio nascimento dele e de Hugo na casa de pau-a-pique de Rosa Inés. Ele negou a informação, contida em um livro publicado originalmente na Venezuela, segundo a qual, em dado momento, Hugo e a mãe ficaram sem conversar durante ao menos dois anos. Adán falou sobre a evolução do movimento bolivariano nos anos de 1990 e sobre a decisão crucial tomada por Chávez de concorrer à Presidência em 1997.
   Quando me levantei para partir, pedi a Adán que falasse com seu irmão, já que eu não estava convencido de que a entrevista com o dirigente aconteceria realmente. Ele prometeu que faria isso, mas eu não sabia dizer então se ele estava apenas sendo educado.
   Passados alguns dias, quando tudo levava a crer que a entrevista com o líder venezuelano não ocorreria, eu me vi sentado à frente de Hugo Chávez, no avião presidencial. O escritório dele era menor do que eu esperava, em vista da indignação dos adversários do mandatário devido à compra do Airbus 319 por 65 milhões de dólares. O aparelho parecia, em termos gerais, relativamente modesto para um avião presidencial que levava Chávez para todas as partes do mundo. Certamente não se comparava em tamanho ao Air Force One. O aparelho possuía 40 cadeiras para passageiros. As torneiras e os outros objetos de ouro denunciados pelos oposicionistas acabaram por se revelar meramente como objetos de cor dourada.
   Chávez continuava usando sua característica camiseta vermelha que exibira no último dia da cúpula realizada no fim de semana, em Barquisimeto, com o presidente boliviano, Evo Morales, o presidente nicaragüense, Daniel Ortega, e outros líderes. O dirigente estava acompanhado da filha mais velha, Rosa, que se sentou em um sofá da sala existente no avião.
   Chávez disse estar feliz por ver-me novamente. Ele mostrava-se amigável, mas um pouco reservado, um tanto mais formal do que de costume. Não houve nenhum abraço apertado, uma das marcas dele. Fiquei imaginando se Chávez, em vista dos constantes ataques de que era alvo nos meios de comunicação internacionais, estava desconfiado por conversar com um jornalista norte-americano.
   Sentamo-nos em uma mesa do escritório. O presidente certamente mudara ao longo dos anos desde que eu trabalhei na Venezuela, na década de 1990. Ele não era mais o flaquito, fracote, tão magro e de pés tão grandes na juventude que os amigos apelidaram de Tribilin, Pateta. O rosto dele estava mais cheio, seu corpo, mais robusto.
   Perguntei-lhe de que forma havia mudado como pessoa e como administrador público desde que se tornara presidente, oito anos antes - sobrevivendo a vários desafios, entre os quais o golpe, a greve do petróleo e o referendo sobre seu mandato. Os temores de assassinato eram reais e a sua segurança, rígida.
   Enquanto Rosa ficou ouvindo do sofá, Chávez respondeu que não mudara. Ao contrário, que resistira às grandes pressões feitas pelos poderosos para ceder às elites e abandonar seu projeto revolucionário de transformar a Venezuela em nome dos pobres. “Acho que continuo a ser a mesma pessoa - o mesmo subversivo, o mesmo homem que passou vários anos pensando sobre como ajudar, como ser útil, como liderar o povo rumo a um destino melhor. [...] Sou um subversivo instalado em Miraflores. Estou sempre imaginando como subverter a velha ordem, como virar as coisas de cabeça para baixo.”
   Pedi-lhe que comentasse os acontecimentos e as experiências mais importantes de sua formação, e ele começou a falar sobre a Bíblia e sobre Jesus Cristo. Quando foi coroinha em Sabaneta, o padre lera a Bíblia para ele. Uma coisa que Chávez disse não conseguir compreender, então, era “o motivo pelo qual Jesus nasceu entre animais em uma manjedoura, já que havia tantos outros lugares e já que ele era o filho de Deus”. A avó Rosa Inés tentou explicar aquilo, afirmando que “quando nós, os pobres, morremos, vamos para o céu”. Ele me disse: “Mas eu não conseguia entender aquilo. Por que a gente tinha de morrer para ir para o céu? Por que a vida não poderia ser melhor aqui?”.
   Anos depois, prosseguiu Chávez, ele começou a entender por que Jesus nascera em condições tão precárias. “Cristo veio para nascer entre os mais pobres dos pobres, para trilhar o caminho da libertação.”
   O presidente contou que os livros representavam a outra grande influência de seus primeiros anos de vida. Desde muito novo, ele foi um leitor voraz. “Sou viciado em leitura”, disse-me. “Não consigo viver sem isso, como alguém que seja viciado em drogas.” Uma das primeiras publicações com que se deparou foi uma série de livros de consulta, comprada pelo pai em Caracas. O primeiro capítulo chamava-se “Como Vencer na Vida”. E concluía com a seguinte frase: “Vencer na vida depende, antes de tudo, de conseguir ser útil à sociedade”.
   Os detratores de Chávez apresentavam-no como um demagogo ávido por poder e um ditador responsável por destruir o país, mas o presidente insistia que aquele conselho simples representava uma das diretrizes de sua vida - um conselho que ia de encontro à crença fundamental das sociedades capitalistas: alguém será bem-sucedido se for rico.
   “Desde quando era muito jovem, aprendi a ser feliz ajudando os outros”, disse. “Fico feliz quando estendo a mão a alguém a fim de ajudá-lo a levantarse. [...] Se alguém não dispõe de um lápis, eu quebro o meu ao meio para darlhe metade, e fico feliz.” Ele cruzou os braços e estampou no rosto um sorriso largo como sinal da satisfação sentida com aquele pensamento.
   Chávez contou ainda que, como sua família e seus vizinhos em Sabaneta não possuíam um aparelho de TV - e, na verdade, ele nunca assistira à TV até chegar a Caracas como cadete, no começo da década de 1970, salvando-se do “veneno” da televisão durante sua infância -, ele costumava ouvir as novelas de rádio. Um de seus personagens favoritos era El Gavilan - o Gavião -, um homem vestido de preto que fazia justiça em nome dos pobres.
   Mais tarde, afirmou Chávez, ele descobriu Bolívar, Zamora e Maisanta. Neste momento, sacou o medalhão centenário que pertencera a Pedro Pérez Delgado e que usava no pescoço desde que um parente lhe dera o objeto, quando estava na prisão.
   Perguntei ao mandatário como respondia às acusações de que concentrava poder demais e de que tentava instalar uma ditadura na Venezuela. “Que tipo de tirano gasta tempo para ensinar as pessoas a ler e a escrever?”, afirmou, referindo-se às missões sociais. Que tipo de tirano distribui armas para milhares de civis formarem um contingente militar de reservistas? “Nunca tive vocação para o poder”, afirmou. “Poder para quê?” Em vez de representar um ditador, insistiu, “eu represento o antipoder, um embate com o poder do império”.
   Se sua meta principal consistia simplesmente em angariar poder para si próprio, disse, ele não continuaria perseguindo um projeto realizado em nome da maioria pobre da Venezuela e responsável por quase o matar. “Cheguei perto da morte várias vezes”, contou. “Se eu tivesse um simples projeto de poder, nunca teria chegado perto dela.”
   Chávez falou sobre a noite do golpe de 2002, quando foi levado do Forte Tiuna para Turiamo. Disse que havia boatos nos meios de comunicação da Venezuela e de fora do país sobre a renúncia do presidente e “a única forma de impedir que eu negasse aquilo seria me assassinando. [...] Os líderes do golpe não sabiam o que fazer comigo. Chegou uma ordem de Miraflores para que eu fosse morto”. Chávez denunciou que Pedro Carmona “mandou que aquilo tivesse a aparência de um acidente” - uma acusação rebatida por Carmona.
   Quando Chávez desembarcou em Turiamo, por volta da meia-noite, não sabia onde estava. Ao chegarem a alguns depósitos e a uma casinha existente perto da praia, mercenários enviados pelos líderes do golpe desceram de um helicóptero e estavam prontos para matá-lo, afirmou o presidente. “Eu rezei, pedi a bênção de Deus para meus filhos. Olhei para uma estrela no céu, segurei meu crucifixo. [...] Eu estava pronto.”
   Chávez disse ter se lembrado de Che Guevara no momento de sua morte, nas selvas da Bolívia, quando o revolucionário, ferido, pediu a seu assassino que esperasse um pouco, para que conseguisse se levantar e lhe mostrar “como morre um homem”. “Eu me lembrei de Che. Falei para mim mesmo: não vou rogar por clemência, não vou me transformar em um covarde.”
   No momento em que os mercenários, segundo acreditava, preparavamse para matá-lo, ele os confrontou, perguntando-lhes o que planejavam fazer no dia seguinte, onde se esconderiam e o que diriam às pessoas que perguntassem o que ocorrera com ele. Quando alguns dos soldados que serviam na base perceberam o que se passava, um deles interveio e afirmou aos mercenários: “Se vocês matarem este homem aqui, vamos nos matar uns aos outros”. O comentário “caiu como uma bomba naquele lugar desolado” e colocou fim ao impasse, lembrou Chávez. Os soldados legalistas assumiram o controle da situação e levaram Chávez embora. Os mercenários foram obrigados a sair dali a bordo de um helicóptero. Um dos soldados leais afirmou ao presidente: “Não se preocupe. Nada vai acontecer com o senhor. Nós garantimos que continuará vivo”.
   Salvo da execução, Chávez foi levado para a enfermaria da base - a única sala que dispunha de ar-condicionado no local - e um médico das Forças Armadas e uma enfermeira cuidaram dele, levando-lhe alguns remédios. Quando o médico saiu por alguns momentos, a enfermeira - com lágrimas nos olhos - disse a Chávez que sempre desejara encontrá-lo, “mas não dessa forma”.
   Foi esse o encontro que fez nascer alguma coisa dentro de Chávez. Na manhã seguinte, no dia 13 de abril, um sábado, ele convenceu-se de que el pueblo reagiria ao seu desaparecimento e também de que regressaria ao poder.
   Quando Chávez terminou de me narrar esses fatos, o avião pousou e seu telefone celular começou a tocar. Eu ainda desejava confirmar rapidamente um detalhe antes do final da entrevista. Em que ano ele regressara para a academia militar para começar a dar aulas? Ele pensou um pouco, afirmou que foi em 1981, e então respondeu a mais uma outra pergunta breve: Como exatamente ele organizara a conspiração dentro da academia?
   Ele discorreu a respeito das respectivas atividades como instrutor da academia militar: “eu comecei com aquilo em silêncio, com muita disciplina, dando muita atenção aos garotos” - os cadetes. Ele explicou como, inicialmente, dedicou seus esforços de recrutamento aos cerca de cem cadetes colocados sob seu comando direto. Depois se voltou para os cerca de 300 aos quais dava aula. A seguir, envolveu-se no maior número possível de atividades a fim de expandir seus contatos, desde encenar atos históricos de maneira teatral até organizar equipes de esporte.
   Era hora de partir. Os ministros e outros assessores de Chávez estavam na pista esperando o final da entrevista. Ele levantou-se, abraçou Rosa, falou com ela com delicadeza, e despediu-se. Em seguida, para surpresa minha, convidou-me para acompanhá-lo na viagem de carro até Caracas.
   Sentei-me no banco de trás com Chávez. As únicas outras pessoas presentes no veículo eram o motorista e uma assessora - uma coronel que fora a única mulher das Forças Armadas a participar do golpe liderado por Chávez em 1992. Dois carros e dois guardas montados em motos dirigiam à nossa frente. O resto da caravana com os ministros nos seguia. Chávez me ofereceu biscoitos e um pequeno copo de plástico com refrigerante. Os relógios marcavam quase 23 horas e nenhum de nós havia jantado.
   O presidente parecia mais à vontade comigo e debruçou-se na minha direção enquanto me oferecia dicas de turismo no caminho para o monte Avila, em Caracas. Ele falava calmamente e lembrava um pai orgulhoso que descrevesse as qualidades do filho recém-nascido.
   Mostrou como seu governo removera as cabines de pedágio com as quais os trabalhadores vindos da costa em direção a Caracas precisavam negociar todos os dias. Também destacou o fato de seu governo ter removido os postes de luz do canteiro central da estrada e tê-los colocado na lateral elevada, onde iluminavam melhor o caminho. Ao passarmos por dois túneis que atravessavam morros existentes no caminho para Caracas, Chávez vangloriou-se de ter limpado os muros internos dos túneis, que durante anos ficaram sem um sistema adequado de ventilação e que antes não recebiam manutenção regularmente - “como se isso fosse uma caverna de lobos”.
   Um minuto mais tarde, o presidente discorria sobre seu grande plano para criar uma “cidade socialista” a pouca distância da estrada, nas imediações do monte Avila. Repentinamente, mandou que o motorista parasse o carro para que pudesse mostrar-me a entrada da futura cidade, o que provocou uma série de chamadas pelo rádio do veículo. Descobriu-se, então, que o carro presidencial não poderia ficar parado ali, e a viagem prosseguiu.
   Chávez explicou que seu projeto para uma cidade socialista passava por criar um lugar onde reinassem os seres humanos e não veículos motorizados. As pessoas seriam obrigadas a estacionar seus carros fora da cidade e caminhar cerca de 450 metros até a cidade propriamente dita. Ela seria construída de forma a coexistir em harmonia com a natureza. A energia solar e a energia eólica seriam utilizadas. Cooperativas, criadouros de animais, o turismo e pequenas empresas seriam responsáveis por movimentar a economia da cidade.
   A idéia consistia em fazer com que as pessoas trocassem os populosos e perigosos barrios de Caracas por uma área localizada entre a capital e a costa caribenha, onde nasceria uma cidade mais humana. À medida que as pessoas saíssem de suas propriedades em Caracas, o governo derrubaria os barracos, a fim de diminuir a densidade populacional.
   Operários venezuelanos e cubanos já trabalhavam na construção de altiplanos no morro onde o governo pretendia construir entre 30 mil e 40 mil casas, afirmou Chávez. “Essa será uma nova Caracas.” Segundo o presidente, as obras para a construção de uma outra cidade socialista já tinham começado a leste da capital, no caminho de Guarenas. Cerca de 30 mil casas seriam erguidas naquela localidade. Chávez disse esperar expandir a idéia para todo o país.
   Como muitos dos seus projetos, pensei, esse também poderia ser tan-to uma manobra genial quanto um plano natimorto, envolvendo um sonho vistoso.
   Pouco tempo depois de chegarmos a Caracas, descemos a rua principal do imenso barrio de Catia e paramos em Miraflores. Imaginei que aquele seria o fim da entrevista, mas Chávez me surpreendeu novamente ao convidarme para subir uma grande escadaria existente do lado de fora do palácio e que levava a um heliponto e a um pequeno jardim. Aquelas eram as escadas que Chávez desceu na manhã de 14 de abril de 2002, quando, terminado o golpe, regressou ao palácio.
   O topo do morro onde ficava a escada oferecia uma vista espetacular dos prédios construídos no barrio 21 de Enero pelo ditador Marcos Pérez Jiménez, na década de 1950. Conseguíamos ver centenas de pequenas propriedades recobrindo a paisagem. Mais adiante, em um outro morro, ficava o Museo Histórico Militar, que servira como base de operações de Chávez durante o golpe de 1992. No meio do platô, havia uma igreja católica com uma cruz no alto e uma estátua de Cristo com os braços abertos. Chávez mandou que a igreja e o museu ficassem iluminados à noite.
   Ele comentou que tinha a mesma vista da “sacada do povo”, no segundo andar de Miraflores. “Se eu não tivesse ocupado aquele lugar durante o amanhecer”, afirmou, referindo-se ao museu militar, “não estaria aqui (no palácio) hoje”. “A partir dali, de 1992, seis anos mais tarde, eu cheguei aqui. Aquilo teve uma importância enorme para mim.” Chávez acrescentou que aquela vista reunia alguns dos elementos fundamentais da sua vida: as Forças Armadas, Deus e el pueblo.
   A meia-noite se aproximava, e nós descemos as escadas de volta. Chávez prometeu ver-me no dia seguinte, por volta do meio-dia, para concluir a entrevista.
   No dia seguinte, o meio-dia chegou e passou. Não tive notícias de Miraflores. Pouco depois meu celular tocou: “esteja no palácio às 20 horas. O presidente se encontrará com o senhor”.
   Eu apareci na hora marcada, e então esperei durante três horas. Chávez não estava no palácio, mas no Teatro Teresa Carreño, perto do Hilton Hotel. O presidente anunciava uma série de medidas à véspera do Dia do Trabalho, 1o de maio. Eu o observava por meio do aparelho de TV de um assessor.
   Chávez informou que o governo elevaria o salário mínimo para o equivalente a 286 dólares ao mês, o que significava, quando levados em conta também os cupons para retirada gratuita de alimentos, o maior salário mínimo da América Latina. O presidente também disse que as donas de casa poderiam requisitar aposentadorias do governo quando completassem 65 anos de idade, porque o trabalho que desempenhavam em seus lares era tão legítimo quanto qualquer outro.
   Além disso, Chávez anunciou que a Venezuela deixaria de ser membro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Outros países, entre os quais o Equador, que culpavam as duas instituições pelos problemas econômicos enfrentados na região, adotavam uma manobra semelhante. Críticos à medida afirmaram que a retirada não seria uma questão tão simples porque poderia implicar, tecnicamente, uma moratória em relação a parte da dívida venezuelana.
   O presidente realizou, ainda, um outro comunicado surpreendente: ele desejava reduzir a jornada diária de trabalho de oito para seis horas até 2010. E observou que os trabalhadores reprimidos durante os distúrbios do Chicago Haymarket tinham lutado para conseguir uma jornada de oito horas diárias passado mais de um século e que muitos países não haviam avançado para além disso.
   O discurso terminou por volta das 21 horas e Chávez, então, regressou ao palácio. Eu fui finalmente convocado a subir para o segundo andar de Miraflores. Um assessor acompanhou-me através do espaçoso despacho, gabinete principal, antes de virar em um corredor estreito onde um pequeno elevador nos levou para o andar superior. Caminhamos ao longo de um outro corredor e entramos em um pátio ao ar livre, com cobertura parcial, onde Chávez estava sentado sozinho a uma mesa. O presidente usava uma camiseta verde e um tipo de jaqueta de safári também verde. Ele parecia estar relaxado.
   Mais uma vez, surpreendi-me com sua atitude. Ao contrário do orador esfuziante que mobilizava as massas nos comícios e que, segundo seus adversários, não dava ouvidos a ninguém, ele falava com mansidão e mostrava-se atento às minhas perguntas. Uma pilha de relatórios acumulava-se sobre a mesa.
   Um aparelho de TV instalado no teto era observado com atenção pelo presidente. Depois dos anúncios feitos no começo daquela noite, ele preparava-se para realizar mais uma manobra histórica: assumir o controle de quatro grandes projetos de extração de petróleo da bacia do rio Orinoco. O governo não expulsaria as empresas estrangeiras, mas assumiria o comando dos projetos - deteria ao menos 60% das ações. As empresas poderiam continuar participando na qualidade de sócios minoritários, se assim desejassem.
   A manobra detonou uma onda de críticas. Os adversários acusaram Chávez de transformar a Venezuela em um Estado comunista no qual o governo controlaria todos os ramos da economia e a vida em geral. O senador do Texas Kay Bailey Hutchison, chefe do Comitê de Política de Senado, declarou que a medida era “o mais recente e o mais funesto esquema tirado do livro de instruções de Fidel Castro”. Segundo Sean McCormak, porta-voz do Departamento de Estado, as negociações com as empresas petrolíferas a respeito dos termos de controle “prosseguirão de toda forma”. McCormak, no entanto, criticou Chávez por outras ações, entre as quais a retirada venezuelana do FMI e do Banco Mundial, afirmando que o presidente enterrava a Venezuela em um buraco.
   “Não se consegue tirar a pá das mãos desse homem”, afirmou o portavoz. “Ele continua cavando sem parar. E, infelizmente, o povo venezuelano é a principal vítima disso.”
   Na verdade, as manobras de Chávez não poderiam ser descritas como radicais. Desde a nacionalização do setor petrolífero da Venezuela por Carlos Andrés Pérez, em 1976, até o começo dos anos de 1990, o país mantivera controle total sobre essas operações. A “abertura” do petróleo promovida pelo governo no começo da década de 1990 permitiu que algumas empresas estrangeiras regressassem, mas Chávez reafirmava agora o controle majoritário do Estado sobre os projetos. Perdidos no meio do debate encontravam-se os fatos de que países como o México e a Arábia Saudita impediam qualquer tipo de participação estrangeira em seu setor petrolífero e de que 75% das reservas mundiais de petróleo estavam nas mãos de estatais como a venezuelana pdvsa. Os Estados Unidos, por exemplo, permitiriam que empresas estrangeiras detivessem o controle majoritário sobre suas reservas naturais estratégicas?
   Chávez argumentou comigo a favor da tomada do controle, afirmando que a Venezuela reconquistava agora parte da soberania de que abrira mão no decênio de 1990, passando a controlar o que, segundo novos estudos indicavam, poderiam ser as maiores reservas de petróleo cru do mundo - maiores até do que as da Arábia Saudita. O presidente acrescentou ainda que muitos dos operários venezuelanos envolvidos nos projetos “são explorados pelas multinacionais”. Segundo Chávez, essas pessoas assinavam contratos de três meses a fim de que as empresas não tivessem de pagar alguns benefícios previstos em lei e eram assim readmitidas periodicamente à medida que seus contratos expiravam. “Agora, a situação mudará radicalmente”, afirmou. Os quase 4 mil trabalhadores passariam a constar da folha de pagamento da pdvsa, recebendo salários e benefícios plenos.
   As empresas de petróleo reclamaram do fato de terem investido 20 bilhões de dólares no desenvolvimento do cinturão de alcatrão pesado do Orinoco, cuja exploração exigia uma tecnologia específica, e que agora perderiam dinheiro. Chávez argumentou, porém, que durante anos as empresas tinham se aproveitado de uma isenção quase total de tributos. Mesmo sob as novas condições, a situação continuava lucrativa o suficiente para fazer com que a maior parte das empresas se decidisse por ficar.
   Ainda havia tempo antes da meia-noite, de forma que dei início a uma série de questões que não tivéramos tempo de abordar na noite anterior. Perguntei a Chávez sobre o momento em que tinham elaborado a idéia do socialismo do século 21. Seria essa uma carta que ele escondera durante vários anos, ganhando tempo antes de sacá-la, como fizera Fidel Castro, declarando sua revolução como socialista anos depois de ter subido ao poder?
   Chávez respondeu que “há bastante tempo a tese socialista atrai minha atenção. Eu sempre fui um bom pesquisador das diferentes correntes. Sempre acreditei que essa é uma alternativa perfeitamente válida, e isso mesmo depois do colapso da União Soviética”.
   Ainda assim, segundo observou, seu movimento militar na década de 1980 nunca adotou a bandeira do socialismo, mesmo que ele tenha se reunido com revolucionários como Douglas Bravo e Alfredo Maneiro. O foco do grupo naquele momento centrava-se no nacionalismo e no bolivarianismo. O modelo socialista não contava com grande aceitação.
   “Naqueles dias, até a esquerda escondia a bandeira socialista”, afirmou Chávez. “Quase nenhum movimento esquerdista da América Latina, com a exceção de Cuba, levantava essa bandeira. Os grandes partidos de esquerda distanciaram-se do projeto socialista e a própria palavra desapareceu do léxico político.” Os esquerdistas começaram a falar sobre coisas como o Tercer Camino ou Terceira Via, o nome do novo grupo de Bravo nas décadas de 1980 e 1990.
   Chávez negou que pretendesse instalar um governo socialista quando foi eleito presidente em dezembro de 1998. Observou que nenhum integrante do Pólo Patriótico falava a respeito dessa possibilidade e “nem mesmo o Partido Comunista propunha a tese socialista. [...] Você não encontrará em nenhum discurso meu e nem no projeto constitucional” qualquer referência ao socialismo. A nova Constituição, adotada em 1999, “possui elementos do socialismo, mas não chega ao ponto de propor de uma maneira franca e clara a tese do socialismo”.
   Chávez confessou que, no cargo de presidente, pouco a pouco, começou a adotar a idéia do socialismo como resultado “de uma maturação política e ideológica” e de “análises cada vez mais profundas”. Mas o que o levou a dobrar a esquina foi um fato em particular, o golpe de abril de 2002, durante o qual chegou perto de ser morto. “Concluí, em grande medida depois do golpe [...], que qualquer tentativa de chegar a um acordo com as forças do antigo regime daqui, a antiga ordem, seria um esforço vão.”
   O golpe, segundo afirmou, “acelerou muitas coisas. Eu iniciei um processo bastante profundo de reflexão. Durante anos, tenho deparado com um dilema [...] sobre a conciliação das forças mais retrógradas com as forças avançadas. Eu funcionava como uma ponte, tanto em nível interno quanto internacional. Mas então percebi que isso era impossível. Percebi que a Bíblia estava profundamente correta quando diz que não se pode estar em paz com Deus e com o diabo ao mesmo tempo. Talvez antes eu tentasse estar em paz com Deus e realizasse um gesto conciliatório em relação ao diabo. Isso é impossível. O diabo acabará por esfaqueá-lo”.
   Por volta da mesma época, acrescentou Chávez, em meio a indícios de que os Estados Unidos corroboravam ou até mesmo participavam ativamente do golpe, ele decidiu-se por deixar claro o caráter “antiimperialista” da sua revolução. Os Estados Unidos argumentavam há bastante tempo que “por meio do livre comércio o grande e bom pai nos permitiria viver melhor” - assim afirmou o dirigente. “O mundo, no entanto, percebeu que o imperialismo continua a ser o mesmo imperialismo sangrento de sempre, mais feroz agora do que antes.”
   Quando lhe perguntei se achava, em 1998, que poderia se tornar um presidente radical e dar uma guinada acentuada à esquerda com seu governo, ele respondeu com as seguintes palavras: “Eu sempre fui um radical e continuo a ser um radical”.
   Mas como exatamente Chávez definiria o socialismo do século 21, uma proposta que ainda parecia vaga para muitas pessoas e alarmante para seus adversários? Ele citou algumas das medidas anunciadas horas antes, naquele dia, como exemplos parciais para o que tinha em mente - o novo salário mínimo, a aposentadoria para as donas de casa, a jornada de trabalho de seis horas por dia. Chávez observou que havia estudado a proposta de seis horas de trabalho durante dois anos e que nem todos os integrantes de seu governo concordavam com ela. “Mas não vou esperar até receber o sinal verde de todo mundo”, disse. “O líder é o líder.”
   Segundo Chávez, seu projeto socialista visava a promover a igualdade, a liberdade, a fraternidade e o atendimento das necessidades básicas, tais como alimentação, educação, moradia, saúde e empregos - em suma, a busca pelo reinado divino, mas “aqui na Terra”. O líder venezuelano referiu-se a uma frase de Bolívar, afirmando que seu projeto visava à criação da maior medida possível de felicidade para o maior número possível de pessoas. Disse que não eliminaria a propriedade privada, apesar de que realizaria esforços para pro-mover a propriedade social, a produção social e a distribuição social.
   Acima de tudo, insistiu, ele desejava transferir poder para o povo por meio de mecanismos como os conselhos comunitários. “Eu não concebo o socialismo como algo diferente de um sistema profundamente democrático, embora essa não seja a democracia das elites.” Ainda assim, acrescentou, “eu sei que vou morrer sem ver atingida a meta do socialismo. [...] Atingi-la totalmente? Acho isso impossível”.
   Nesse momento de nossa conversa, vários minutos já tinham se passado desde a meia-noite. Chávez interrompeu a entrevista para prestar atenção no aparelho de TV e no desenrolar dos fatos no Estado de Anzoátegui, onde a Venezuela estava prestes a assumir o controle das instalações de petróleo. Ele conversou com o presidente da pdvsa, Rafael Ramírez, para ter um relato em primeira mão sobre o que estava acontecendo, e mandou que Ramírez falasse ao país.
   Cerca de dez minutos mais tarde, estando a situação em Anzoátegui sob controle, Chávez tirou o som da TV e retomou a entrevista. Eu queria lhe fazer mais perguntas sobre Douglas Bravo: o lendário líder guerrilheiro desempenhara realmente um papel de peso na formação de Chávez ou ele e seus colegas exageravam essa influência? Chávez respondeu: “Seria terrivelmente injusto se eu não reconhecesse a importância que um grupo de pessoas teve durante um período da minha vida”. Ele contou que conversara com Bravo, por telefone, recentemente, e que esperava vê-lo, não obstante saber que o ex-guerrilheiro tinha muitas reservas em relação ao seu governo, que chamava de “neoliberal”.
   “Ele é muito crítico (em relação ao governo), mas eu o respeito profundamente porque ele é um homem correto, um revolucionário íntegro”, disse Chávez. “Douglas me ajudou muito. Eu aprendi muito com ele.”
   Tratávamos agora do tópico sobre os civis que ajudaram na sua conspiração, e eu sabia ser o momento de lançar a mais delicada das perguntas que eu tinha a fazer - a pergunta sobre a relação dele com Herma Marksman. Segundo as informações de que dispunha, ele nunca tinha reconhecido abertamente aquele relacionamento.
   Eu lhe disse que vários dos comandantes que entrevistara - Francisco Arias Cárdenas, Raúl Baduel, Jesús Urdaneta - tinham mencionado Marksman como uma importante figura civil na conspiração. Eles não haviam feito isso para constranger o presidente, ou por sugestão minha, mas para simplesmente asseverar um fato ao reconstruírem a história do movimento. Nenhum deles descreveu-a como amante de Chávez, e sim como uma respeitada professora de história que fora leal ao movimento e a Chávez. Preparando-me para um acesso de fúria, perguntei se Marksman realmente desempenhara um papel importante.
   Chávez reagiu com calma e pareceu um pouco surpreso com a pergunta. “Todos tinham sua importância”, respondeu, com voz serena. “Eu não quero minimizar o papel de ninguém.” E prosseguiu: “Herma Marksman. Uma guerreira. Eu gostava muito dela”, disse, usando o verbo em espanhol querer, que poderia ser traduzido como “amar”, mas não com a mesma força do verbo em espanhol amar, que significaria acalentar um amor profundo.
   Fiquei um pouco surpreso com a franqueza dele, já que esperava que fosse mais evasivo ou até mesmo negasse aquele relacionamento. Ele não o fez, embora tampouco parecesse ansioso para divulgar isso aos quatro ventos. Perguntei-lhe se faria sentido comparar o relacionamento dos dois com aquele mantido entre Simón Bolívar e Manuela Sáenz. Chávez riu e descartou essa idéia. “E eu sou Bolívar?”, questionou. “Isso não seria nunca comparável. Bolívar é o gigante.”
   E acrescentou: “Manuela Sáenz acompanhou Bolívar na guerra, nas batalhas, na campanha. Ela o acompanhou em seus últimos dias, até a morte dele. Ela foi leal até a morte”.
   Marksman, certamente, não estava sendo leal a Chávez até a morte dele. Ela fazia críticas duras ao governo e chegava mesmo a desempenhar um papel ativo em atividades da oposição. Chávez mais tarde comentou acreditar que ela fora “envenenada” pelos opositores. “Herma”, afirmou com um tom de melancolia, “deveria estar conosco”.
   Já que nos encontrávamos no terreno dos assuntos extremamente pessoais, tomei a decisão de indagar o presidente a respeito de uma afirmativa constante da biografia Hugo Chávez Sin Uniforme (publicada no Brasil com o título Hugo Chávez Sem Uniforme), segundo a qual ele não teria falado com a própria mãe durante dois anos - sobre os dois até mesmo terem se ignorado na rua quando, por acaso, se encontravam. Chávez disse que isso era uma mentira. E acrescentou que o efeito de uma das causas do suposto afastamento - o casamento dele com sua primeira mulher, Nancy Colmenares - estava sendo supervalorizado. Não obstante a relação entre as duas mulheres não ser inicialmente amigável, contou, elas acabaram por visitá-lo juntas na prisão e até trabalharam juntas em uma fundação de amparo às crianças de Barinas.
   Também indaguei a respeito de um relato existente no livro, segundo
   o qual o velho líder comunista de Barinas, José Esteban Ruíz Guevara, teria doutrinado Chávez no marxismo e no comunismo quando ele ainda era um adolescente. Chávez ridicularizou a alegação. E ainda negou ter ingressado na academia militar, em 1971, carregando o diário de Ernesto Che Guevara. Chávez observou que era ridículo acreditar que ele planejava um golpe de Estado já na época de cadete. “Isso é algo totalmente irracional.”
   Passamos a falar sobre uma das principais “casas da conspiração”, a casa de Elizabeth Sánchez, em Caracas. Perguntei-lhe se aquele era realmente um lugar usado com freqüência para a realização dos encontros. Segundo Chávez, aquela era uma das várias casas que eles utilizaram para se reunir. Observou ainda que, por motivos de segurança, não era aconselhável usar várias vezes o mesmo local. A casa de Sanchez tinha ainda um grave defeito: ficava em uma rua sem saída. Era preciso entrar e sair pelo mesmo lugar, e não existia perto dali uma avenida que pudesse ser usada em uma eventual fuga.
   Chávez contou ter se reunido na casa não somente com Douglas Bravo, mas também com oficiais das Forças Armadas, como Luis Reyes Reyes. E se lembrou de que Marksman morava ali e que era ali que os dois se encontravam. Como o assunto Marksman voltara à pauta, decidi questioná-lo sobre algo que ela me contara em uma entrevista - que teria ficado grávida dele e acabara sofrendo um abordo espontâneo. Chávez limitou-se a responder o seguinte: “Ela, em um determinado momento, desejou ter um filho. Nunca chegamos a um acordo a esse respeito”.
   O presidente falou a seguir sobre os cinco congressos realizados pelo Grupo Bolivariano, contando que o primeiro ocorrera em uma praia perto de Caracas e que os demais foram organizados em Maracay, San Cristóbal e em outros locais. Disse ainda que, se alguém desejava ingressar na organização clandestina, essa pessoa seria avaliada com cuidado - e bastava a objeção de um membro para que o candidato fosse rejeitado. Na época dos dois golpes de 1992, o movimento era o maior do gênero já visto na história da Venezuela, afirmou Chávez, incorporando centenas de oficiais e soldados das Forças Armadas. “Não sei como não nos descobriram”, disse.
   Ele contou ainda como Kleber Ramírez - um aliado fiel de Douglas Bravo - ajudou a editar alguns dos decretos preparados para o golpe de 4 de fevereiro e disse que costuma ainda hoje, de vez em quando, relê-los. Deles constam algumas das idéias que Chávez tenta implementar atualmente, tais como os conselhos comunitários e o conceito do poder popular. Ele disse a respeito de Ramírez e de outros: “Guardo todos eles dentro de mim, com um grande carinho”.
   O relógio marcava 1h30 da madrugada quando Chávez afirmou que precisava encerrar a entrevista. Tínhamos conversado durante duas horas e meia, além do tempo que passáramos juntos na noite anterior. O presidente ainda precisava trabalhar. Horas depois ele voaria para o leste, a fim de realizar um discurso pelo Dia do Trabalho, celebrando a tomada dos projetos de petróleo. Antes do final do dia, era necessário estudar relatórios com os detalhes da operação.
   Caminhamos rumo a um pequeno elevador. Chávez falou que acompanhava a disputa pela Presidência dos Estados Unidos, a qual seria decidida em 2008, e manifestou esperanças de que Barack Obama vencesse. “Ele é alguém com quem poderíamos ao menos conversar”, disse, em uma referência clara à ausência de comunicação com George W. Bush e o respectivo governo.
   Entrei no elevador e El Comandante ficou parado no final do corredor me dando tchau. Eu acenei de volta e, quando cheguei ao andar de baixo, o chefe de seu gabinete continuava reunido com assessores, trabalhando. A revolução que nunca descansa continuava a avançar, rumo a um destino ainda desconhecido.
   hugochaves
   Posfácio da Edição Inglesa
   Sete meses depois de eu ter entrevistado Chávez, ele sofreu a maior derrota política de sua vida. Em um referendo nacional, os eleitores rejeitaram, por uma pequena margem de votos, medidas que levariam adiante seu projeto do “Socialismo do Século 21” e que aboliriam o limite de vezes que poderia ser reeleito. O fato significou um terremoto político na Venezuela e virou tudo de ponta-cabeça. Chávez havia, de repente, perdido sua aura de invencibilidade pela primeira vez, perdera uma eleição importante. Tudo indicava agora que o dirigente teria de sair do cargo até 2013.
   Chávez gosta de se apresentar como um experiente estrategista militar e político, mas cometeu o maior erro estratégico de sua vida ao seguir adiante com a votação de 2 de dezembro de 2007 para reformar a Constituição da Venezuela. Depois de aniquilar a oposição um ano antes nas eleições presidenciais, conquistando avassaladores 63% dos votos - a maior porcentagem até hoje -, Chávez perdeu o referendo, tendo obtido cerca de 49% dos votos. A reviravolta foi das maiores, já que o presidente vencera um ano antes com uma margem de 25 pontos percentuais.
   Membros da oposição foram às ruas para festejar até o amanhecer depois de sua incrível vitória, dançando na praça Altamira e bebendo rum. Um Chávez sorumbático apareceu em cadeia nacional de TV, direto do Palácio de Miraflores, reconhecendo ter sido derrotado.
   O pacote de reforma constitucional de Chávez era uma salada mista composta por 69 medidas que tratavam de vários assuntos vários, da seguridade social para os desempregados, incluindo taxistas e vendedores ambulantes, até a criação de uma nova “geometria do poder” que, em parte, redesenharia o mapa político da Venezuela. Algumas das medidas representavam, sem sombra de dúvida, passos positivos com os quais muitos venezuelanos concordariam. Uma delas tornava crime o preconceito contra homossexuais. Outra exigia paridade entre homens e mulheres nos partidos políticos ao escolher seus candidatos. Uma terceira visava proteger a cultura afro-venezuelana. Outras reduziam a jornada oficial de trabalho de 44 para 36 horas e baixavam a idade mínima para votar dos 18 para os 16 anos.
   Uma das propostas centrais tratava de fortalecer os conselhos comunitários que começavam a criar raízes em todo o país e forneciam um dos pilares do plano de Chávez para instalar uma democracia participativa e direta na Venezuela. A reforma institucionalizaria os conselhos, que aumentavam para um total de cerca de 50 mil no final de 2007. Chávez previa a formação de mais de milhares deles em todo o país, conselhos esses dotados de poder para governar comunidades locais. Em 2008, o governo esperava injetar algo entre 3 bilhões de dólares e 4 bilhões de dólares nessas organizações, que decidiriam o que fazer com o dinheiro - levar eletricidade a seus bairros, instalar sistemas de água, consertar as ruas esburacadas.
   Chávez via nos conselhos um instrumento para dar mais poder ao povo. Eles formariam o que alguns descreveram como uma estrutura de tipo “ampulheta”, uma estrutura do poder emergente no país. No topo da ampulheta estaria Chávez, pronto para gastar bilhões de dólares auferidos com a venda de petróleo. O gargalo do meio da estrutura seria representado pelos governos estaduais e municipais, que Chávez esperava colocar de lado a fim de evitar a corrupção e a ineficiência que tantas vezes os assolavam. A parte larga da base da ampulheta eram as massas de gente pobre que receberia o dinheiro diretamente do governo por meio dos conselhos comunitários. Chávez considerava o esquema uma iniciativa crucial e direta para instalar uma democracia “real” na Venezuela, algo diferente da falsa democracia que, na opinião dele, funcionou ali durante décadas beneficiando as elites da classe dirigente. Os contrários à medida argumentavam que aquilo apenas aumentaria o controle de Chávez sobre a Venezuela, já que o presidente vigiaria o acesso dos conselhos às verbas e poderia, assim, recompensar os simpatizantes e punir os opositores.
   Apesar de a proposta de reforma constitucional conter alguns elementos interessantes e positivos, acabou sendo prejudicada por medidas que deixaram ressabiados muitos venezuelanos - dentre os quais alguns dos simpatizantes mais inveterados do dirigente. Os meios de comunicação se concentraram na mais óbvia delas - o fim do limite de número de vezes que alguém poderia reeleger-se presidente. Sob o sistema atual, Chávez teria de limitar-se à reeleição já conquistada e deveria deixar o cargo ao final do mandato. Pela medida proposta, o dirigente poderia concorrer quantas vezes quisesse.
   Os adversários de Chávez botaram a boca no trombone, afirmando que a manobra tinha por objetivo permitir que Chávez se instalasse no poder como “presidente vitalício” ou um “ditador para a vida toda”. No mínimo, a medida chamava atenção para uma das fraquezas centrais da Revolução Bolivariana: trata-se de um show de um homem só e depende excessivamente de Chávez no posto de seu líder central. Por cima disso, havia um sentimento de que, se Chávez deixasse os palcos amanhã, todo o projeto bolivariano poderia ruir.
   Os simpatizantes de Chávez argumentaram que os Estados Unidos haviam eleito Franklin Delano Roosevelt para comandar a Casa Branca por quatro vezes e que outros países, entre os quais a França, não tinham limite quanto ao número de reeleições de seus líderes. Destacaram também o fato de que aprovar a reforma não tornaria Chávez, automaticamente, um “presidente vitalício”. O dirigente teria de concorrer a reeleições periódicas e poderia ser retirado do cargo a qualquer momento, na metade de seu mandato, por meio do mecanismo de referendo confirmatório - algo que os próprios chavistas incluíram na Constituição de 1999 e que não tem semelhante no mundo ocidental (ou talvez no mundo todo).
   Para além esse debate, o elemento mais polêmico da proposta de reforma era o carro-chefe dos esforços de Chávez para implantar o Socialismo do Século 21 no país. A reforma declararia oficialmente a Venezuela uma nação socialista. Isso incluía medidas como a criação de várias formas de propriedade, incluindo uma propriedade social e uma propriedade comunal. A propriedade privada continuaria a ser legal, mas não seria mais o único tipo de propriedade permitido. A reforma também reduziria a autonomia do Banco Central e permitiria a Chávez criar distritos federais especiais nos quais nomearia um vice-presidente a fim de ajudar o governo - uma manobra que, segundo os adversários do dirigente, ampliaria seu controle sobre o país. O projeto previa ainda conceder ao governo federal o poder de censurar os meios de comunicação durante estados de emergência.
   Depois da vitória folgada em dezembro de 2006, Chávez intensificara o tom de seus discursos e radicalizara suas ações a fim de instalar o Socialismo do Século 21. Passou a citar com freqüência cada vez maior Ernesto “Che” Guevara, descrevendo-o como um ícone e chegando mesmo a adotar para si a famosa frase de Che: “Pátria, Socialismo ou Morte! Venceremos!”. Chávez insistia para que os membros das Forças Armadas também repetissem a frase.
   No entanto, ao defender uma versão para o século 21 dos planos de Che sobre uma utopia socialista, Chávez interpretava erroneamente, e muito, erroneamente, o sentimento da população em geral. Muitos venezuelanos, entre os quais alguns dos simpatizantes, não queriam ter relação nenhuma com o socialismo ou Che Guevara ou a Cuba de Fidel Castro. Eles queriam justiça social, mas não um sistema ao estilo cubano ou qualquer coisa que, mesmo remotamente, lembrasse aquilo.
   Quando chegou o dia da votação, Chávez conseguiu obter apenas 4,4 milhões de votos - pouco se comparado com os 7,3 milhões que angariou um ano antes. Os votos da oposição, de outro lado, somaram os mesmos 4,5 milhões do pleito anterior. Parecia que muitos simpatizantes de Chávez haviam simplesmente ficado em casa e preferiram não votar a respeito das reformas dele. O resultado deixou o presidente e seus aliados chocados - os governistas chegaram a perder em barrios de Caracas como Petare, La Vega e Caricuao, territórios inegavelmente chavistas. Durante as primeiras semanas que se seguiram à votação, Chávez e seus principais assessores ficaram em estado de choque e tiveram dificuldade para assimilar o fato de que haviam sido derrotados. Eles imaginavam o resultado do referendo como favas contadas e contavam vencer folgadamente com uma margem de 60% contra 40% dos votos, como ocorrera em ocasiões anteriores.
   Chávez cometera um erro fundamental. Desde o começo de sua Presidência e mesmo durante o período de conspiração clandestina dentro das Forças Armadas, ele sempre encarou seu movimento nos termos de Simón Bolívar. Conforme o próprio Chávez observara no começo dos anos de 1980, quando formou sua célula secreta, a maior parte dos venezuelanos poderia aceitar um movimento realizado sob a bandeira do Libertador, mas não um inspirado por Che Guevara ou por outros guerrilheiros como Douglas Bravo. Apesar de as políticas neoliberais do “Consenso de Washington”, defendidas pelo FMI, não terem funcionado, a maioria dos venezuelanos tampouco desejava substituí-las por um modelo puramente socialista. Chávez precisava encontrar algo diferente - de novo, uma terceira via.
   Nos estágios anteriores de sua Presidência, o dirigente trilhara um caminho mais bem-sucedido, concentrando-se nas missões sociais realizadas em nome de Bolívar e redirecionando a riqueza do petróleo para os programas de saúde e educação voltados a beneficiar a maioria pobre do país. Mesmo a oposição reconhecia que manteria muitos dos programas em funcionamento caso assumisse o poder. Agora, no entanto, a nova direção adotada por Chávez se revelava problemática até mesmo para vários de seus simpatizantes. Ficou claro que o líder venezuelano se precipitava, avançava rápido demais, para longe demais em um caminho que muitos pressentiam não desejar seguir.
   O dilema era que alguns dos simpatizantes e assessores mais fiéis, tais como Adán, irmão dele, cujas raízes na esquerda vinham da década de 1970 e desde sua participação no grupo de Bravo, desejavam claramente levar adiante os esforços de implantação de uma sociedade socialista. Chávez se viu dividido entre duas correntes, da mesma forma como ocorrera ao longo de todo seu período de conspiração clandestina dentro das Forças Armadas.
   Além de eleger uma meta ambiciosa demais, Chávez cometeu outros erros táticos que levaram a sua derrota. Ele não consultou o povo venezuelano a respeito das propostas - em vez disso, redigiu-as com uma pequena equipe de aliados próximos e depois as apresentou à Assembléia Nacional para que fossem sancionadas. O projeto dele não refletia os anseios da maioria dos venezuelanos, e eles disseram isso nas urnas. Não se tratava de um projeto popular surgido das massas. Ao contrário, tratava-se de um projeto imposto de cima para baixo.
   Chávez tampouco explicou claramente para a opinião pública sua reforma. Havia muita confusão sobre alguns dos itens, tais como a nova geografia do poder. A oposição, claro, tirou vantagem das dúvidas, realizando uma campanha baixa e mentirosa responsável por aterrorizar milhões de pessoas ao dizer que o governo teria poderes para tirar-lhes os filhos ou a casa se o pacote fosse aprovado. Muitas pessoas acreditaram naquilo.
   A derrota, contudo, levantou uma questão importante a respeito de Chávez: à medida que adquiria mais poder e fama, o dirigente ficava excessivamente distante do povo, excessivamente convicto de suas idéias e por demais poderoso? Para um homem conhecido por sua capacidade de ler a situação do país nas ruas, Chávez havia se enganado redondamente no referendo. Alguns observadores acreditaram que o líder venezuelano se cercara de “bajuladores” incapazes de repassar um relato franco a respeito de como as pessoas estavam reagindo às propostas dele, levando-o a acreditar que contava com um grande apoio. Durante anos, a abastada oposição vivera dentro de uma bolha e não conseguira compreender o que estava acontecendo nos barrios pobres. Agora, no entanto, parecia possível que Chávez estivesse criando sua própria bolha.
   Talvez a Revolução Bolivariana em si estivesse se transformando em algo isolado demais - tornando-se um processo no qual debates internos e saudáveis entre os simpatizantes dele deixavam de ocorrer e no qual qualquer um disposto a questionar o governo era acusado de ser um “contra-revolucionário”. A Revolução Cubana enfrentara o mesmo problema, e agora parecia que os bolivarianos corriam o risco de repeti-lo. Antes da votação, Chávez começou a chamar de “traidores” todos os que afirmavam ser favoráveis ao governo mas contrários à reforma. Essa postura parecia não deixar muito espaço para as críticas honestas e leais.
   O líder venezuelano sofreu um grande revés quando o general Raúl Isaías Baduel, um dos quatro fundadores do MBR-200 em 1982 e o homem que arquitetou o contragolpe responsável por colocar Chávez de volta no poder durante o putsch de abril de 2002, desertou. Baduel descreveu a reforma constitucional proposta por Chávez como um “golpe” e fez campanha contra ela.
   Dando mais força ao movimento de oposição encontrava-se um novo elemento na resistência ao governo - os estudantes universitários. Dezenas de milhares deles, muitos dos quais membros das classes endinheiradas da Venezuela, foram às ruas para protestar contra a reforma. Esse contingente dava uma nova cara a um movimento de oposição que há anos se caraterizava por apresentar muitos dos mesmos, velhos e cansados rostos dos membros dos desacreditados e tradicionais partidos políticos do país. Os estudantes injetaram um novo sopro de vida no movimento de oposição, dando-lhe, pela primeira vez em anos, esperança de derrotar Chávez e criar uma equação política mais equilibrada em uma nação onde El Comandante havia conquistado cada vez mais poder. Muitos outros estudantes, claro, ficaram ao lado de Chávez, mas esses não receberam a mesma atenção dos meios de comunicação.
   Mesmo tendo perdido o referendo, Chávez, inicialmente, se saiu bem do embate. Não obstante os anos que os veículos de comunicação nacionais e estrangeiros, junto com o governo Bush, passaram acusando o líder venezuelano de ser um ditador ou um projeto de ditador, Chávez aceitou a derrota. O fato contribuiu muito para afirmar suas credenciais democráticas. O país realizara um processo eleitoral livre e justo, Chávez perdera por uma pequena margem de votos e aceitara o resultado. Esse tipo de coisa não sai das mãos de ditadores. O pleito também serviu para derrubar as acusações freqüentes de que o Conselho Eleitoral Nacional era controlado por Chávez e de que fraudara eleições em favor dele. Obviamente, essas acusações não se justificavam.
   Chávez, porém, agiu de forma a rapidamente pulverizar a boa vontade que despertou ao aceitar graciosamente sua derrota, o que ilustra o paradoxo de um homem que conseguia ser brilhante e obtuso em um mesmo dia, em uma mesma hora, em uma mesma frase.
   Depois de ter elevado o nível do debate, Chávez começou a enxovalhar a vitória da oposição. Em uma entrevista coletiva realizada alguns dias depois de sua derrota, descreveu aquela como sendo una victoria de mierda - “uma vitória de merda”. Chávez pronunciou a palavra mierda quatro vezes na entrevista.
   O líder venezuelano também ofereceu sinais claros de que a batalha em torno das reformas - e até a respeito dos esforços para permitir que concorresse novamente ao cargo de presidente - prosseguiria, mesmo depois de o povo ter votado. No discurso em que reconheceu a derrota, na noite do referendo, Chávez afirmou que ele e seus aliados haviam perdido “por enquanto” repetindo sua famosa frase do golpe fracassado de 1992. O dirigente ainda prometeu que não mudaria “uma única vírgula sequer de sua proposta. [...] A proposta continua viva”.
   Nos dias subseqüentes, Chávez deixou claro o que queria dizer. Começou a insistir sobre a possibilidade de a proposta ser votada novamente, não obstante a Constituição de 1999 parecer estatuir que isso não poderia ser realizado dentro de um mesmo mandato presidencial. Chávez repetiu que certas propostas poderiam ser votadas de novo em um referendo convocado ou pelos cidadãos por meio de petições ou pela própria Assembléia Nacional. Em al-guns casos, como o do plano de seguridade social, as medidas poderiam ser implementadas diretamente por decreto presidencial.
   Apesar de tudo isso parecer ser uma questão a ser debatida, o ponto realmente polêmico dizia respeito ao fim do limite ao número de reeleições para presidente. Se Chávez e seus aliados tentassem fazer isso, corriam o risco de ver Caracas e outras partes do país levantarem-se em chamas já que a oposição prometia tomar as ruas com violência. Os adversários do presidente acreditavam ter votado a respeito da questão e ter vencido de uma vez por todas.
   A pergunta-chave girava em torno de saber como Chávez reagiria à primeira grande derrota de sua carreira política. Ele aproveitaria a oportunidade para retroceder, refletir a respeito do que dera errado e calibrar melhor suas medidas? Ou culparia pela derrota coisas como a ineficiência de assessores e um fracasso nos esforços para convencer as pessoas a votar? Chávez obedeceria à vontade dos eleitores e deixaria seu cargo em 2013 ou buscaria outra forma de continuar no poder, tentando mais uma vez reformar a Constituição ou até mesmo criar um posto como o de primeiro-ministro para se transformar no homem poderoso por detrás do trono? Claramente, abrir mão do poder não seria algo fácil para ele - desde os seus dias de academia militar, na década de 1970, ele tem se dedicado a sua missão de transformar a Venezuela.
   Chávez seria capaz de considerar outras formas de servir à Venezuela e ao mundo, um pouco como fez Jimmy Carter depois de deixar a Presidência dos Estados Unidos, quando passou a se ocupar com causas humanitárias e o monitoramento de eleições em vários pontos do globo? Martin Luther King Jr. conseguiu transformar os Estados Unidos em vários sentidos mesmo sem nunca ter sido eleito para nenhum cargo oficial. Teria Chávez a sabedoria e a humildade de perceber tais possibilidades, ou teria ficado realmente cego pela sede de poder?
   Apesar de a derrota nas urnas ter representado um revés devastador para Chávez, o fato também oferecia uma grande oportunidade para que o dirigente e seu movimento amadurecessem e avançassem. Agora ficou claro que havia chegado a hora de se concentrar no desenvolvimento de outros líderes dentro do movimento, líderes esses capazes de substituir Chávez quando se apresentasse o dia de o presidente deixar seu cargo. A votação também parecia ser uma mensagem sobre a necessidade de Chávez se concentrar mais nos problemas básicos e menos nas viagens pelo mundo a fim de defender e divulgar sua Revolução Bolivariana. A criminalidade e a corrupção representavam problemas graves que ameaçavam sair de controle. E Chávez pouco fizera para enfrentá-los.
   O dirigente enfrentava problemas também na área econômica, a qual lhe impunha ameaças crescentes. O bolívar continuava sobrevalorizado, sendo negociado no mercado paralelo, no começo de 2008, a 6.000 bolívares por dólar (contra a cotação oficial de 2.150 bolívares por dólar). O PIB continuava a crescer em ritmo lento, a inflação de novembro de 2007 saltou para 4,4% ao mês, fazendo a taxa anual de inflação subir para 21%. Por vários motivos, começava a faltar leite, arroz e carne de frango no país. Os produtores diminuíam a oferta, argumentando que o controle de preços baixado pelo governo os impedia de ter lucros, ao passo que a demanda aumentava porque os venezuelanos dispunham de mais dinheiro devido ao boom do petróleo e aos programas sociais de Chávez.
   No final de dezembro de 2007 e no início de janeiro de 2008, o dirigente ofereceu alguns sinais de que estava dando ouvidos à insatisfação e de que estava respondendo a isso. Durante a semana do Natal, declarou estar refletindo sobre os caminhos tomados por seu governo e estar fazendo ajustes. “Nós faremos deste ano um ano de uma revisão realmente profunda, de retificação e de revitalização do processo revolucionário”, afirmou. Chávez chamou isso de os três “erres”.
   Mais uma vez, o dirigente reformou seu gabinete de governo, substituindo membros dele, entre os quais o vice-presidente. O governo suspendeu o controle de preços sobre certos tipos de leite, aumentando rapidamente a oferta desses produtos. Chávez declarou ainda um esforço de combate à criminalidade, à corrupção, aos pontos deficientes das missões sociais e ao mais básico dos problemas - as montanhas de lixo que se acumulavam nas ruas de Caracas durante o Natal. “Como é possível que um governo não consiga coletar o lixo?”, reclamou. Ele chamou a corrupção de um “câncer” e disse: “Nós herdamos isso, mas não podemos continuar com esse câncer pelo resto de nossas vidas. Ou nós o derrotamos, ou ele nos derrotará”.
   Em uma de suas manobras mais notáveis, Chávez anunciou, na véspera do Ano Novo, uma anistia para muitas das pessoas supostamente envolvidas no golpe de abril de 2002 lançado contra ele, entre os quais os 400 signatários do famoso “decreto Carmona”, que aboliu o regime democrático. A anistia valia também para os envolvidos na tomada e sabotagem de navios-tanque durante os dois meses da greve do petróleo responsável por quase sufocar a economia venezuelana naquele ano. “Trata-se de virar a página”, afirmou Chávez. “Gostaríamos de ver um país que caminha rumo à paz.”
   Não obstante a decisão de Chávez de aceitar sua derrota no referendo e obedecer às leis do jogo democrático, sua imagem nos Estados Unidos e na comunidade internacional continuava a ser ruim. Ele ainda era retratado como um maluco ditador ávido por poder - uma ameaça ao mundo civilizado. Em vez de olhar para Chávez de forma equilibrada, realista e razoável, grande parte dos meios de comunicação e da opinião pública continuava a alimentar sentimentos histéricos a respeito dele, algo semelhante ao ocorrido durante o “terror vermelho” da caça às bruxas ocorrida na década de 1950, sob os auspícios de McCarthy. Eles costumavam demonizá-lo e divulgar a imagem de um homem que, aparentemente, estaria massacrando milhares de pessoas ou colocando os opositores em fila diante de pelotões de fuzilamento, no lugar de apresentar uma descrição mais exata, a de um presidente forte, e até mesmo autoritário, que, como qualquer líder, possuía seus defeitos e suas qualidades.
   Não era raro ver seu nome misturado ao de Fidel, Hitler, Mussolini ou mesmo Osama bin Laden, ainda que seus pecados não tenham em nada sido semelhantes aos cometidos por esses ditadores e terroristas de verdade. A Venezuela realizava de fato eleições legítimas e contava com meios de comunicação em geral livres, um ambiente no qual as pessoas poderiam ir aos canais de TV e chamar o presidente de ditador - sem que nada ocorresse. Dezenas de milhares se manifestavam livremente contra Chávez nas ruas - algo inimaginável na Cuba de Fidel. Na Colômbia, país vizinho da Venezuela, surgiram provas sobre a existência de laços entre o governo do presidente Alvaro Uribe, aliado dos Estados Unidos, e esquadrões da morte formados por grupos paramilitares direitistas. Poucos deram sinal de se importar com isso. De outro lado, Chávez, que certamente não estava envolvido com esquadrões da morte, continuava a ser o pária da comunidade internacional.
   O líder venezuelano era visto simplesmente - ou de forma simplista - como o diabo encarnado, um homem mau que estava destruindo uma das maiores democracias do mundo. Essa era uma caricatura grosseira que grande parte da opinião pública engolia. Parecia haver no planeta poucos seres humanos piores do que Hugo Chávez, que, ironicamente, ainda gozava de amplo apoio no país onde de fato morava e que governava. Nos Estados Unidos, todos pareciam ter uma única opinião a respeito de Hugo Chávez. Ele era odiado por milhões de pessoas apesar de elas nunca terem passado um dia sequer na Venezuela a fim de ver com os próprios olhos o que de fato ocorria ali. A campanha de demonização apoiada pela elite venezuelana e pelo governo Bush, uma campanha que reverberava quase diariamente nos meios de comunicação, mostrava-se bastante eficiente.
   Depois do referendo, o jornal The Chicago Tribune contribuiu para o clima histérico com um editorial intitulado “Hugo Chávez - Mais Assustador do que o Inferno”. O The San Franciso Chronicle chamou-o de “presunçoso global”. O Kansas City Star vociferou que a Venezuela acabara de evitar que Chávez “se tornasse um ditador vitalício”.
   Alguns meses antes, o inferno abriu as portas em Macon, Geórgia, quando o prefeito Jack Ellis cometeu o erro de enviar a Chávez uma declaração de solidariedade. Ellis elogiou Chávez por programas como o de fornecer, a preços subsidiados, para norte-americanos de baixa renda, combustível usado nos sistemas de calefação, mas uma avalanche de moradores da cidade atacou-o por ficar ao lado de um “tirano” dos Trópicos. Um deles descreveu a manobra de Ellis como “traiçoeira”. Um deputado estadual do Partido Democrata declarou que a atitude do prefeito “mancha” a cidade. O quadro de mensagens do site de um jornal do município se viu invadido por tantos comentários injuriados - em um total de 22 páginas - que a publicação resolveu tirar o quadro do ar.
   O líder venezuelano, claro, deu a seus críticos munição para que o descrevessem como um bufão esquerdista. Nas semanas que antecederam o referendo, Chávez entrou em atrito aberto com os dirigentes da Espanha quando acusou o ex-primeiro-ministro José María Aznar de ser um “fascista” e ao dizer que uma “cobra seria mais humana” que ele. Chávez ficou indignado com o fato de o sucessor de Aznar, José Luis Rodríguez Zapatero, estar defendendo o ex-presidente em uma cúpula de líderes latino-americanos e ibéricos realizada em Santiago (Chile). O venezuelano interrompeu Zapatero por várias vezes. Ao final, o rei da Espanha, Juan Carlos, afirmou a Chávez, em espanhol: “Por que você não se cala?”.
   A frase se tornou um sucesso entre os adversários de Chávez, que a colocaram em camisetas e a transformaram em toque de celular. Os meios de comunicação, claro, nunca explicaram direito o motivo da indignação de Chávez em relação a Aznar - durante o golpe de abril de 2002, quando Chávez ficou seqüestrado durante dois dias e, segundo relatos dele, foi quase executado, a Espanha deu apoio aos golpistas. No segundo dia de governo do “ditador da hora” Pedro Carmona, dois embaixadores visitaram o Palácio Presidencial de Miraflores - os embaixadores dos Estados Unidos e da Espanha. Para Chávez, Aznar sancionara oficialmente o golpe.
   O líder venezuelano também flertou com momentos de brilhantismo que poderiam ter melhorado sua imagem pública caso tivessem rendido frutos. No final de agosto de 2007, o direitista Uribe convidou seu colega esquerdista da Venezuela para realizar negociações com a guerrilha esquerdista Farc, da Colômbia, com vistas a libertar dezenas de reféns. Entre esses estavam três norte-americanos e uma ex-candidata à Presidência colombiana com raízes francesas, Ingrid Betancourt.
   Parentes dos reféns manifestaram seu total apoio aos esforços de Chávez, afirmando que sentiam então as maiores esperanças dos últimos anos sobre a possibilidade de seus entes queridos serem finalmente libertados. No entanto, em novembro, quando Chávez parecia perto de obter algum avanço, Uribe tirou o plugue da tomada e sacou-o da incumbência de negociador. O fato ocorreu algumas semanas antes do referendo na Venezuela. Uribe citou supostas violações de protocolo cometidas por Chávez, entre as quais um rápido contato telefônico com os dirigentes das Forças Armadas colombianas. No entanto, para os simpatizantes de Chávez parecia que Uribe e seu maior patrocinador - o governo norte-americano, que estaria pressionando os colombianos - não desejavam ver o dirigente venezuelano atingir seu objetivo e, sendo assim, encontraram uma desculpa para afastá-lo.
   As Farc então surpreenderam todo mundo ao dizer que libertariam diretamente para Chávez três reféns, entre os quais um menino de 3 anos, filho de uma das reféns nascido no cativeiro. O presidente venezuelano trouxe consigo um séquito vistoso de nomes destacados do cenário internacional, entre os quais o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, para acompanhar a missão de resgate no final de dezembro. Até o diretor de cinema Oliver Stone compareceu. Helicópteros venezuelanos com a insígnia da Cruz Vermelha voaram para a Colômbia a fim de aguardar instruções das Farc. Tudo indicava que um milagre de Natal encontrava-se perto de ocorrer.
   Mas as Farc suspenderam a operação, acusando os militares colombianos de realizarem ataques que tornavam impossível completar a operação de forma segura. Uribe chamou os guerrilheiros de “mentirosos”. Chávez, enfurecido, disse que Uribe havia “torpedeado” uma operação que teria sido embaraçosa para o líder colombiano - cujos esforços para libertar reféns haviam sido sempre malsucedidos - e teria transformado ele próprio em um herói. No entanto, para alguns, Chávez chegou ao final da história com cara de bobo.
   O líder da Venezuela recuperou parte de seu prestígio duas semanas mais tarde, quando, no dia 10 de janeiro de 2008, as Farc finalmente libertaram duas reféns. O menino de 3 anos, descobriu-se então, já fora, tempos atrás, enviado pelos guerrilheiros para uma creche em Bogotá - como dissera Uribe. Naquele momento, a libertação das mulheres foi quase um anticlímax, já que a maior parte dos observadores internacionais convocados por Chávez regressara para casa e os meios de comunicação já davam um destaque menor à história.
   Apesar dos reveses, Chávez continua a ter o apoio da maioria dos venezuelanos. A ironia do referendo foi que, se tivesse tratado apenas de acabar com o limite de reeleições e tivesse deixado de lado as provisões relacionadas ao Socialismo do Século 21, talvez tivesse sido aprovado.
   Ainda assim, nos barrios das cidades venezuelanas e na empobrecida zona rural do país, algumas dúvidas começavam a se disseminar. Muitos sentiam ter chegado a hora de Chávez agir em relação a problemas como a criminalidade, problemas que afetavam o dia-a-dia das pessoas, e ter chegado a hora de parar com as pregações sobre ideais ambiciosos e muitas vezes indefinidos como o do Socialismo do Século 21. Acreditava-se ter chegado a hora de o dirigente descer um pouco do trono e entrar novamente em contato mais direto com o povo e os temas que o levaram ao poder originalmente. Se não fizesse isso, sua Revolução Bolivariana poderia se deparar com águas ainda mais turbulentas no futuro, o que, por sua vez, desferiria um golpe duro contra a Esquerda Latino-Americana, fazendo com que retrocedesse alguns anos. Se a revolução em nome dos pobres não conseguisse funcionar na Venezuela rica em petróleo, com um líder poderoso e carismático como Chávez, perguntavam-se alguns, onde funcionaria?
   hugochaves
   Agradecimentos
   Sou grato a várias pessoas que me ajudaram a acalentar e a tornar possível o projeto deste livro. Um colega da Newsday, Thomas Maier, sugeriu pela primeira vez a idéia de escrever um livro e serviu como um valioso, paciente e criterioso guia durante todo o processo. Devo muito a Tom, por conta das várias horas de apoio e aconselhamento.
   De certa forma, a origem do livro pode ser traçada até 1992, quando desembarquei pela primeira vez na Venezuela e fiquei conhecendo várias pessoas. Minha maior guia na descoberta do país em seu nível básico foi a líder comunitária Xiomara Tortoza, que costumava me levar para dentro dos barrios de Caracas e que me expôs a um mundo onde vive a maior parte da população, mas no qual poucos analistas se aventuram. Além de sua amizade, Xiomara e a família dela ofereceram-me uma formação inestimável a respeito do que a Venezuela é do ponto de vista da maioria empobrecida do país.
   Um outro grande amigo, Americo de Sanchez, permitiu que Los Bucares, sua pensão de Mérida, se tornasse uma base de operações e compartilhou comigo horas de conversas enriquecedoras sobre a Venezuela e o fenômeno Hugo Chávez - algumas das quais ocorreram durante espetaculares viagens de bicicleta pelos Andes.
   Meu mentor de longa data no jornalismo, o reverendo Raymond A. Schroth, S.J., que tive a sorte de conhecer e com o qual estudei como aluno da Faculdade Fordham, no final da década de 1970, ajudou a tornar possível meu relato sobre a história da Venezuela e de Chávez ao colocar-me em contato com a Steerforth Press. Agradeço a Thomas Powers e a Chip Fleischer, da Steerforth, por darem a um autor de primeira viagem uma chance, e agradeço também a toda a equipe da Steerforth, incluindo Christa Demment-González, Kristin Sperber e Helga Schmidt.
   Tom Roberts, da The National Catholic Reporter, foi generoso o bastante para enviar-me em uma missão jornalística até a Venezuela para cobrir o referendo de 2004 sobre o mandato de Chávez; e a história que escrevi, então, serviu como uma das sementes das quais brotou este livro. O Fundo para o Jornalismo Investigativo, em Washington, DC, concedeu, generosamente, verbas que me ajudaram a realizar parte das pesquisas para o livro nas viagens subseqüentes à Venezuela.
   Um grande número de pessoas leu trechos do manuscrito e ofereceu sugestões valiosas, ou ajudou-me de outras formas, inclusive com palavras encorajadoras, das quais precisei quando o projeto me pareceu grande demais. Entre essas incluo meus pais, Frank e Claire Jones, Nataly Lucena, Hildebrando Lucena, Lauli Iriarte, Greg Cascione, John Bingham, Lisa Sullivan, Eric Wingerter, William Camargo, o reverendo Richard Dillon, Ed e Jo Connelly, Marta Harnecker, Daniene Byrne, Stacie Walker, Kathy McNeely e Matilde Parada.
   Várias pessoas da Venezuela foram generosas ao reservarem parte de seu tempo para entrevistas e conversas comigo; agradeço a Herma Marksman, Ángela Zago, Fernando Ochoa Antich, Mario Ivan Carratú, Agustín Blanco Muñoz e Francisco Arias Cárdenas, que passaram muitas horas conversando sobre o desenvolvimento do movimento bolivariano e que se esforçaram tanto para marcar, para mim, uma entrevista com um extremamente atarefado presidente Hugo Chávez. Quanto a esse último ponto, também contribuíram Maximilien Arvelaiz, Alex Main e Willian Lara.
   Agradeço em especial a Charles Hardy, que em um momento ou outro realizou muitas das coisas mencionadas acima. Charlie leu com atenção o manuscrito, fez sugestões com base em sua profunda experiência no país e em seu talento como escritor, além de mostrar-se um aliado fiel na busca por informações, materiais, números de telefone e outros contatos na Venezuela algo sempre difícil. Ele fez tudo isso enquanto completava seu próprio livro sobre o país, o que por si só diz muito a respeito do caráter desse ex-padre missionário.
   Meu muito obrigado a minha mulher, Elba, e a meu filho, Frank, que agüentaram com valentia meus longos períodos de reclusão no “escritório pequeno” e ofereceram um tipo de apoio e compreensão fundamental em uma empreitada dessas proporções. A dedicação e o amor de Elba não poderiam ter sido deixados mais claros do que por meio da paciência mostrada enquanto cuidava de Frank sozinha, durante meus longos períodos de ausência. Só posso esperar que meu amor e minha devoção a ela consigam compensar, em alguma medida, o tempo que passamos separados.

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