A coligação que já foi
por BAPTISTA-BASTOSHoje
As coisas do Governo parecem opacas, mas não o são. Tudo se torna mais claro, quando os pormenores se juntam, e o que entra a correr mundo deixa de pertencer aos domínios do segredo mal cerzido. A coligação é uma rima trôpega. Não são só as declarações de Pires de Lima que denunciam o mal-estar e o desacordo no CDS quanto à "remodelação"; são os nomes e a ofegante escassez da parada. É a ausência de Portas na cerimónia de posse dos novos "governantes." E é, sobretudo, a frase trucidante do Marcelo Rebelo de Sousa: "O primeiro-ministro perdeu a paciência com Paulo Portas e com o PS." Ao dizê-lo, revelou à puridade que Passos não é maleável às contrariedades próprias da democracia, e que tem da democracia um conceito de carroça. Mas, também, que o presidente do CDS não é lenço para se assoar, e que os seus impulsos não se limitam às divertidas consequências de uma vichyçoise.
A coligação é, afinal, o retrato de dois temperamentos e de dois caracteres, dissociados por natureza, cultura e educação. O que torna cada vez mais embaraçosas e contraproducentes as conexões entre os dois partidos, e as relações internas em cada um deles. A verdade é que o primeiro-ministro, quando declara, implícita e explicitamente, que fará o preciso e o não--prescrito para ir em frente, até contra uma porta, tem-no efectuado, inúmeras vezes, sem consultar o colega de aliança, o que deixa muitos dirigentes centristas em estado de indignada fúria. Esta tibieza de espírito de Portas, a sua doçura e contemporização têm deixado muita gente estupefacta, registando-se, entre muitos CDS"s, uma tendência alastrante para a intriga e para a malevolência. Haverá razões ocultas para tal alteração de índole?, perguntam-se.
Declaradamente, algo se passa. Paulo Portas, do que de ele se conhece, sempre foi um homem de ideias de seu, culto e lido, conservador mas não neoliberal, e as políticas do Governo têm atropelado, violentas, as suas convicções e estatura ética. A regressão inclemente que o Executivo tem imposto a Portugal e aos portugueses não se lhe coaduna, nem aos costumes nem à cultura e muito menos à percepção que sempre demonstrou possuir da política e da história.
Estas pequenas perversões podem servir de gáudio a comentadores apressados e a socialistas em trânsito, mas nada resolvem dos nossos padecimentos, dia a dia mais gravosos, com o aumento dos infortúnios e o desespero de percebermos que nada se solucionará com a substituição de um partido por outro. A Europa tem servido de respaldo a muitas patifarias que nos têm sido feitas. A verdade, porém, é que a subserviência de Passos como a adulação anterior de Sócrates à chanceler Merkel e aos seus objectivos não ajudam a desembrulhar o imbróglio, porque nem um nem outro tiveram ou têm a preocupação de mudar o mundo e de transformar a vida. Compreenda quem quiser compreender.
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