Entidade Reguladora da Saúde diz que medicina privada em hospitais públicos deve acabar
Recomendação ao Ministério da Saúde baseia-se em informação recolhida junto de vários hospitais. Eventual discriminação de doentes do SNS é um dos riscos apontados.
Vários hospitais públicos permitem o exercício de medicina privada nas suas instalações. Isto apesar de não existir qualquer instrumento jurídico que regule esse tipo de actividade. Fazem-se consultas, exames e, nalguns casos, cirurgias. Há estabelecimentos que até "afectam uma sala operatória especificamente à prática de clínica privada". E hospitais com quartos reservados para os doentes que são atendidos por essa via. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) diz que o Governo deve pôr ponto final à situação.
Num relatório tornado público nesta segunda-feira, a ERS recomenda ao Ministério da Saúde "que adopte os procedimentos necessários para fazer cessar o exercício de medicina privada em hospitais públicos". Porque considera que há "riscos para os direitos dos utentes".
Este é o resultado de um processo que teve origem em 2009. Foi nessa altura que a ERS tomou conhecimento de que existiam hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que estavam a permitir o exercício de medicina privada nas suas instalações, após o horário de funcionamento dos mesmos.
Perante isto, a ERS pediu informações a 48 estabelecimentos hospitalares públicos, de Norte a Sul do país. Destes, 19 informaram que permitiam o exercício de medicina privada.
Em Fevereiro de 2012, as unidades de saúde voltaram a ser questionadas. E em apenas dez a situação se mantinha. É sobre o que se passa neste grupo que se baseia o relatório da ERS.
Analisadas as respostas, o regulador constatou que a prática de medicina privada nos hospitais do SNS "não obedece a um quadro uniforme", nomeadamente em termos de uso de instalações e equipamentos, facturação dos serviços prestados, honorários, repartição e marcações de actividades. Uma diversidade de situações que não agrada à ERS.
"A disparidade de regras que regulam o exercício de medicina privada em estabelecimentos hospitalares públicos pode, eventualmente, potenciar uma sujeição dos utentes do SNS a maiores tempos de espera para dar preferência ao atendimento de outros utentes (designadamente, particulares ou beneficiários de seguros de saúde)", diz a ERS. Tal facto significa que há "uma discriminação negativa dos primeiros face aos segundos".
Mais riscos que benefícios
O regulador admite como possíveis "situações em que o utente que entrou no estabelecimento hospitalar público para a realização de uma consulta privada realize outros actos no mesmo estabelecimento, na qualidade de utente particular", com um tratamento diferenciado em relação aos outros doentes. E até que goze de primazia.
"A desregulação do exercício da medicina privada nos estabelecimentos hospitalares públicos pode potencialmente prejudicar, de forma grave: a transparência da relação contratual estabelecida entre o prestador de cuidados de saúde e os seus utentes; o exercício da liberdade de escolha dos utentes; o respeito pela sã concorrência entre estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde; o direito dos utentes de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde, e o princípio da não discriminação dos utentes do SNS", lê-se no relatório.
Mais: até no que diz respeito à determinação da responsabilidade civil, designadamente médica, pode haver problemas. "O utente corre um sério risco de encontrar dificuldades em demandar aquele que lhe prestou os cuidados de saúde em causa."
A ERS faz saber que está "a analisar a concreta actuação dos estabelecimentos hospitalares públicos" onde se exerce medicina privada. Mas, para já, diz ao Governo que os eventuais benefícios da medicina privada nos hospitais públicos não compensam os riscos.
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