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aula de canto coral estado novoAs agruras, as desilusões e as incertezas do presente levam muitos de nós a olhar de uma forma nostálgica para o passado salazarista da nação. Alguns certamente por opção ideológica, mas muitos, a maioria, transtornados por uma visão obnubilada que purgou a violência, a miséria e a pobreza que residiram nesse mesmo passado. Uma visão nostálgica… mas mal informada e ignorante.
Pela actualidade do tema “branqueamento” do passado, respigo, com o devido registo e agradecimento, uma passagem da entrevista de Mário de Carvalho, 68 anos, escritor, resistente anti-fascista e antigo militante do PCP, a Clara Ferreira Alves no Expresso (Revista, 29 de Março de 2013):
“MdC – Suavização. A ideia de que era uma ditadura paternal, com os seus excessos. Esquecem-se as marcas fascistas, inspiradas do fascismo e do nazismo, dos primeiros tempos da revolução nacional. Ainda ontem ouvi uma miúda dizer na televisão que eram precisos dez Salazares para pôr isto na ordem. As pessoas não têm ideia de que no tempo de Salazar iam para a Mitra ao chegar aos 50 anos. Ou pedir esmola. E que o ensino estava confiado a regentes escolares. As crianças e os pobres andavam descalços e rotos. Era um país de profunda miséria. Quando eu chegava a Alvalade do Sado, só havia o carro do médico e o do meu pai, e vinham os moços todos correr atrás. Os brinquedos eram de coisas de arames, plataformas de lata com rodas. Começa a aparecer gente que além de não ter memória do fascismo se conformaria com uma situação semelhante a partir do momento em que os seus interesses fossem assegurados. O Fascismo era um mundo de mentira. De resignação das classes baixas. A poesia era a do António Correia de Oliveira, das avés-marias, a tranquilidade do campo. O fascismo é natural, as pessoas gostam de mandar umas nas outras. O que implica esforço é o progressismo, ir mais além, fixar normas e construir instituições que afastem os homens da sua animalidade. E recuperem a sua humanidade. A gravidade puxa-nos para baixo.
CFA – A recuperação popular da figura de Salazar como um homem austero, quase purificado, faz dele uma figura histórica que funciona como símbolo nacional.
MdC – E há quem esteja convencido que no tempo de Salazar se vivia melhor. Isto vindo de pessoas que sofreriam na pele as consequências do regime. Ter todos os gestos vigiados. Todo o tempo. Um país de censura

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