Image   Nos anos 70, quando o Papa foi discursar à ONU, contava-se a anedota que Jesus Cristo fazia a sesta no paraíso quando foi despertado pelo estrondo de um avião a jacto. Estremunhado chamou Pedro para inquirir que barulho horrendo era aquele que fazia estremecer o paraíso e tinha o desplante de lhe interromper a divina sesta. S. Pedro esclareceu-o que se tratava do avião a jacto em que o Papa se deslocava a Nova Iorque para discursar nas Nações Unidas. Extraordinário, reflectiu Jesus Cristo, comecei eu o negócio com um burro.
É de facto extraordinário como esta multinacional, assente numa estrutura medieval, continua a ter inegável sucesso sobrevivendo a escândalos de todos os géneros e feitios, corrupção das mais sofisticadas às mais reles, intrigalhadas em sessões contínuas, que teriam arrasado qualquer empresa, mesmo nações. O Economist (“Pope, CEO”,“The Economist”, 9.03.2013) escreve um artigo paradigmático, bastante certeiro  e inteligentemente irónico sobre esse sucesso que começa com o seguinte e lapidar parágrafo: “A igreja católica romana é a mais antiga multinacional do mundo. É também, em muitos aspectos, a de maior sucesso, com 1,2 mil milhões de clientes, dezenas de milhões de voluntários, uma rede de distribuição global, um logotipo universalmente reconhecível, um polimento sem rival no lobbying e, suscitando os melhores auspícios para o futuro, uma actuação de sucesso junto dos mercados emergentes”.
Uma das causas desse sucesso é escolher sempre acertadamente o presidente do conselho de administração  e imediatamente desencadear uma campanha de relações públicas a nível mundial utilizando os seus canais próprios, através das suas sucursais montadas por todo o mundo, com as homílias dos seus empregados e de todos os meios de comunicação social, sempre dispostos a servir o sistema. Com séculos de experiência, montam eficazes teatradas, estão sempre em cena.
Agora como a crise era vasta e de inesperada dimensão, com os documentos surripiados da secretária de Sua Santidade tornados públicos, escolheram um Papa do continente sul-americano que optou logo por um nome cortina de fumo para entreter a malta e iniciar mais uma telenovela não melhor das que enchem as pantalhas para ossificar os cérebros. Escolha de acaso? De maneira nenhuma! Nisso a igreja nunca se engana. Se necessário iria até  desencantar um Bórgia pós-moderno.
Escolheu o cardeal Bergoglio, o primeiro Papa Francisco com Francisco de Assis e os pobrezinhos na memória. Um Papa para os pobres e dos pobres. Unicamente com este número bem ensaiado a que se tem seguido todos os dias outros, a realidade do Vaticano é atirada para debaixo da casula papal.
É bom recordar que em 2009, o arcebispo Carlo Maria Viganò foi nomeado secretário-geral do Governo da Cidade do Vaticano. Durante o tempo em que ocupou o cargo ajudou a transformar um deficit de 10 milhões de euros para a cidade-estado num superavit de 30 milhões de euros. No primeiro mês de 2012, o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi lançou a série de cartas que Viganò escreveu  ao Papa Bento XVI. A última implorando que não o transferisse por ter descoberto uma série de casos de corrupção em contractos de construção e outros serviços feitos pela Santa Sé. Pensava ele que o “Bendito Pai” estava interessado em limpar tantas situações de corrupção e abuso de poder. Acabou como seria de esperar transferido para os EUA, como diplomata do Vaticano. As cartas de Viganò foram tornadas públicas no jornal La Reppublica. Lesto, Bento XVI, nomeia uma comissão para apurar como tinham sido subtraídos esses documentos. A história é conhecida. Tinha sido o mordomo do Papa, Paolo Gabriele. Menos conhecido é o relatório elaborado pelos cardeais investigadores, Julian Herranz, Jozef Tomko e Salvatore de Giorgi. Um relatório devastador, melhor que qualquer guião de filme de ficção sobre conspirações e intrigas políticas. Altos funcionários do Vaticano, vítimas de chantagem por questões mundanas, relações homossexuais entre bispos, o que para a Igreja é um crime, clérigos oferecendo serviços sexuais de jovens seminaristas, peculato, corrupção e lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano (IOR), a Mafia omnipresente. A Caixa de Pandora estava aberta, como um mal nunca vem só, investigações judiciais a membros do governo de Berlusconi ligavam-nos ao Vaticano, a altos membros desse pequeno e poderoso estado.
Bento XVI. o ex-cardeal Ratzinger que no reinado de João Paulo II, tinha sido um destacado cruzado na normalização da Igreja, reintroduzindo a ortodoxia mais retrógrada, afastando todos os padres teólogos da libertação, lembre-se o episódio do Papa recusando a bênção e o anel a Leonardo Boff enquanto acalentava os membros da igreja mais reaccionários e comprometidos com as ditaduras militares, não resistiu ao Vaticano podre a que presidia. Renunciou para que tudo mude para tudo  ficar na mesma.
Surge Francisco com estilo descontraído a camuflar as evidências, a dar novo folego à Cúria Romana. O que vai mudar que justifique a esperança que o mundo católico diz ter? Que vento fresco é esse? Para já sabe-se, Francisco não desmente antes pelo contrário reafirma-o alto e bom som, que o novo Papa é contra o casamento entre homossexuais, contra o aborto, seja por que motivo for e, criminoso moral como os seus antecessores, condena e proíbe o uso do preservativo que é, em muitas regiões do mundo, o meio mais eficaz contra a propagação da Sida.
Sabe-se ainda, está provado e documentado, que foi conivente com a ditadura argentina. Se agora um padre jesuíta sua vitima se embrulha na lavagem parcial dessa imagem as Mães da Praça de Maio não esquecem que Jorge Mario Bergoglio as denunciou em 2007. Aliás, como seria possível o agora Francisco não estar de acordo com os generais argentinos quando era íntimo do Núncio Apostólico e de Emílio Eduardo Massera, um dos três homens à frente da Junta Militar. Há que relembrar que o Núncio utilizava a autoridade moral do Papa para legitimar a ditadura. Há vasta correspondência dando incentivo ao general Videla afirmando ser “desejo do Santo Padre que a Argentina viva e seja ganha para a paz ” . A paz dos cemitérios evidentemente. Os meios de comunicação social esquecem ou ocultam esses factos. O contrário é que seria de estranhar o Papa e o Vaticano são peça importante do sistema dominante.
A urgência é superar os problemas internos a fim de reconstituir a legitimidade perdida e a hegemonia. A Igreja precisa de alguém que possa travar a decomposição do Vaticano. Encontraram Francisco, com muita precisão o escolheram até porque esperam que este Papa consiga fazer ao vento democrático que corre no continente americano, no momento favorável da morte do seu mais destacado líder Hugo Chavez, o mesmo que Wytola fez na Polónia,isto sem fazer juízos de valor sobre a situação na altura na Polónia,subsidiando largamente o Solidariedade e Walesa, que não subsistiriam sem o apoio e os dinheiros abençoados, apoiado e incentivado por Bushes e Reagans, a correspondência, os encontros entre ambos são de uma clareza inigualável.
Nunca se deve esquecer que a conversa a favor dos pobres, aparentemente contra o capitalismo neoliberal, é uma grande conversa da tetra quando, mesmo se o Papa se mostre mais humilde para inglês ver, a carteira accionista do Vaticano contínua opaca, os seus negócios continuam opacos e os grandes milagres como os de Fátima são os das caixas das esmolas.
A Igreja em geral, o Vaticano em particular é parte do poder mundial, do poder económico, do poder político. Uma das razões do sucesso dessa multinacional com uma estrutura medieval é o estar sempre alinhada com o poder dominante seja democrático, ditatorial, mesmo nazi. Sempre ao lado dos exploradores do homem, sempre a favor do capital.

Praça do Bocage