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quinta-feira, 21 de março de 2013


Chaplin e as mulheres

Coisas boas em jornais



Charlie Chaplin, Oona O'Neil e os filhos em 1952. Foto W. Eugene Smith e LIFE Archive.


«CHAPLIN terá sido, como poucos, um dos raros artistas sobre quem, à altura da sua morte, tudo estava dito, e as notícias e comentários que no dia seguinte à noite de Natal invadiram os meios de comunicação, não puderam, por isso, evitar de repetir velhos lugares-comuns, citações de intelectuais e de homens de Estado, frases superlativas e encómios avulsos. Não podemos censurar-lhes, pois, a falta de originalidade acerca deste homem glorificado em vida, que atravessou um século, que influenciou multidões, que povoou a memória infantil de vários continentes, porque ele era um daqueles seres privilegiados que o destino quis que tivesse encontrado no caminho uma arte que havia nascido com ele. Encontro sem o qual ele não teria talvez passado de um modesto artista de variedades em "tournées" esgotantes entre a América e a Inglaterra ou mesmo - quem sabe? - teria acabado vítima sem celebridade de um processo de escândalo por violação de menores. A verdade é que se toda a gente conhece de cor os seus filmes e se as suas posições humanistas durante a guerra lhe valeram dissabores e aplausos públicos cujo eco se mantém, pouca gente se lembra já dalgumas peripécias que envolveram a vida amorosa e mesmo conjugal deste homem que foi íntimo de Churchill, de Einstein, de Nehru, recebido com honrarias em todas as cortes da Europa, depois de ter sido votado ao ostracismo por uma América puritana, onde Hayes e McCarthy ditavam a lei.»



Charlie Chaplin e sua família. Da esquerda para a direita: Victoria, Josephine e sua amiga Elyane, Chaplin e a esposa Oona e os actores Marlon Brando e Sophia Loren com Annette ao colo, durante as filmagens de "A Condessa de Hong Kong", nos Pinewood Studios em Londres. Reino Unido, 1966. Foto Alfred Eisenstaedt e LIFE Archive.

Um Casanova sentimental


O casamento com Oona O'Neill em Junho de 1943 — não sem algumas contrariedades, pois a filha de Eugene O'Neill, então com 18 anos, menos 38 do que Chaplin, teve que se opor à desaprovação paterna — e a imagem de felicidade conjugal do controvertido patriarca e milionário vivendo na Suíça rodeado de filhos e netos, iria fazer esquecer, nos últimos 30 anos da sua vida, a outra imagem do sátiro impenitente, cujos três casamentos precipitados, tão breves como turbulentos, e não menos processos e inconfidências de amantes despeitadas, fizeram durante anos o gáudio da Imprensa que alimentava a curiosidade malsã de um público volúvel que em pouco tempo passava da mais violenta invectiva à mais histérica das admirações. Era legendária a sua atracção por jovens menores - todos os seus casamentos, excepto o com Paulette Godard, se fizeram com meninas entre os 16 e os 18 anos - "virgens inocentes e indefesas" para a opinião puritana, perversas e fatais Lolitas diria Nabokov; que lhes gabou os encantos como nenhum outro. 


Charlie Chaplin e Paulette Goddard no filme Tempos Modernos (Modern Times, 1936). Li em algum lado que Chaplin sustentou Paulette Goddard até à sua morte. Foto encontrada em theroaring20s.deviantart.com

O casamento com Oona parece vir assim selar uma vida em que este Casanova sentimental foi vítima tanto dos seus imoderados ardores pelo belo sexo como dos rigores da justiça, tanto da sua imprudência como da hipocrisia de algumas falsas inocências que, à sua sombra, quiseram fazer fortuna e carreira. Mas se repararmos que o casamento com a filha de O'Neil é exactamente contemporâneo do seu projecto de "Mr. Verdoux", a verdadeira face de Charlot, como sempre, aparece indissociável da sua máscara e teremos que ver no filme que ele fez sobre Landru — talvez a sua obra mais genial.— a confissão da sua irremediável misoginia e, nesse casamento "feliz", uma prudente concessão aos seus instintos. Ou, pelo contrário, Verdoux seria o exorcismo definitivo com que ele entrava, magnífico, na maturidade de cineasta, levado a descobrir o que Renoir soube sempre melhor do que ninguém: que não há nada mais teatral do que a sinceridade. 


Verdoux casa com Oona O'Neil


Mildred Harris, 1ª mulher de Chaplin.
Foto encontrada em wikipedia.com
A história dos seus três casamentos antes de Oona O'Neil, é tão acidentada como os seus  divórcios, e não menos turbulenta que as suas aventuras extra-conjugais. Em 1918, então com 38 anos e já célebre e festejado em toda a América, Chaplin casa pela primeira vez: com Mildred Harris, cuja idade oscila, segundo os biógrafos, entre os 15 e os 16 anos. Um filho, que morreria três dias depois, um divórcio dois anos mais tarde, a primeira campanha pública contra Chaplin que é acusado pela esposa de "crueldade mental" e obrigado a uma indemnização de 100 000 dólares, depois de ter fugido com o negativo do seu último filme "O garoto de Charlot", que os advogados de Mildred Harris lhe ameaçavam confiscar. É a primeira vez, no entanto, que surge entre Chaplin e a mulher o conflito aberto — ciúme, inveja, sentido do negócio? — entre a carreira e a vida conjugal, historia que se irá repetir, vezes sem conta, sempre que as mulheres com quem viveu ou casou tentavam fazer (ou continuar) a sua carreira fora do seu controlo. No caso de Paulette Godard, por exemplo, quando decidiu intimamente que a iria utilizar em "Tempos Modernos", Chaplin começa por comprar a Hal Roach o contrato que o ligava à futura esposa. E na época em que Edna Purviance era a sua actriz preferida — mais  precisamente no princípio dos anos 20 – Chaplin resolveu encomendar a Sternberg um filme que, até hoje, salvo uns raros eleitos na época, nunca ninguém viu nem provavelmente verá. As razões obscuras e a história secreta deste filme que é dos mais misteriosos da história do cinema, dão-nos uma pequena ideia do personagem controverso que era Charlie Chaplin.



O romance com Pola Negri


Pola Negri e Charlie Chaplin. Foto 
de mothgirlwings.tumblr.com
O seu romance com Pola Negri entre 1922 — data da sua chegada á América – e 1923 – altura em que a actriz declara publicamente a sua ruptura com Chaplin – foi outro dos casos sentimentais que encheram as colunas da Imprensa americana durante mais de um ano e não deixa de ser curioso compararmos as: versões que ambos dão do seu romance: Chaplin, que lhe dedica duas páginas secas e altivas na sua autobiografia, e Pola Negri que com ele: ocupa um Capitulo nas suas "Memórias de uma estrela". Apesar de reconhecer aqui e ali, ao longo das 25 páginas em que esmiuça a sua vida com Chaplin, algumas qualidades, "gentileza", "graça", "simpatia", "generosidade" e de confessar que ele era um "delicioso companheiro de viagem", Pola Negri não esconde o seu despeito pela forma como Chaplin fugia como uma enguia do compromisso público do casamento que parece obcecá-la tanto e de que Chaplin parece fugir - e com boas razões - como o diabo da cruz; e reserva-se evidentemente a última palavra na sua ruptura com ele, fazendo questão de deixar claro que foi ela quem o pôs na rua depois de lhe ter aturado a vaidade mesquinha, a inveja e a presunção. 



O escândalo de Lita Grey


Charlie Chaplin e Lita Grey. Foto de www.listal.com
O divórcio de Lita Grey em 1927 seria, porém, o caso mais despudorado e revoltante e o que custou a Chaplin mais dissabores e mais dólares, o que mais prejudicou a sua carreira, o escândalo que mais desencontradas paixões levantou em toda a América. Lita Grey, com quem ele casara dois anos antes secretamente numa pequena cidade do México, e de quem viria a ter dois filhos, iria persegui-lo em tribunal, instada pela cupidez da mãe, depois de tornar públicas as mais sórdidas alegações de divórcio. Ávida de dinheiro e de celebridade, Lita Grey não hesitou em vender ao "New York Times" as suas confissões, que dias depois eram vendidas a público num folheto de 25 cêntimos o exemplar. Contra a clamorosa prova de puritanismo fascista, que foi o processo, se levantaram várias vozes de intelectuais e artistas de todo o mundo, mas o mais veemente protesto veio de Louis Aragon que num famoso Manifesto, intitula "Hand's off Love" ("Tirem as mãos do Amor") lamentavelmente pouco conhecido, defendia a figura de Charlot e o génio de Chaplin, fazendo daquele processo bandeira contra a hipocrisia sexual pequeno-burguesa, contra os juízes e o capitalismo americano. E o início desse extenso Manifesto, que teve logo a adesão de todos os grandes e pequenos nomes do surrealismo (Breton, Arp, Desnos, Éluard, Max Ernst, Lenis, Masson, Péret, Prévert, Queneau, Man Ray, Sadoul, Tangúy e muitos outros) e cuja violência verbal, no seu estilo de contra-ataque tão caro aos surrealistas, só tem igual na violência torpe das acusações de Lita Grey de que a opinião pública americana mais conservadora e puritana se fizera imediatamente eco e defensora.

António-Pedro Vasconcelos, texto e titulos, em Expresso 30-12-1977


Charlie Chaplin e sua filha Josephine em 1952. Foto W. Eugene Smith e LIFE Archive.



«Tirem as mãos do amor»



Os surrealistas em defesa de Charlot


CHAMOU-SE "Hands off Love" ("Tirem as mãos do amor") o violento Manifesto com que Louis Aragon - logo apoiado pelas grandes e médias estrelas do Surrealismo - saltou em defesa de Charlie Chaplin, aquando do seu escandaloso divórcio com Lita Grey, em 1927, atacando ao mesmo tempo todo o reaccionarismo que se concentrou em defesa dos chamados "bons costumes". Devido à sua extensão, não podemos transcrever na íntegra (e valeria a pena, dado que o documento é hoje pouco conhecido), mas eis alguns fragmentos exemplificativos do estilo verrinoso desse autêntico panfleto.

(...) JÁ é monstruoso pensar-se que se existe um segredo profissional para os médicos, segredo que não é mais afinal que salvaguarda de um falso pudor e que, no entanto, expõe seus detentores a repressões implacáveis, em contrapartida não existe um segredo profissional para as mulheres casadas. E, no entanto, o estado de mulher casada é uma profissão como qualquer outra, a partir do dia em que ela reivindica como devida a sua ração alimentar e sexual. Um homem que a lei obriga a viver com uma só mulher não tem outra alternativa se não partilhar com ela os seus próprios hábitos e as suas próprias inclinações, colocar-se à sua mercê. Se ela depois o expõe à maldade pública, como é que a mesma lei que deu à esposa os mais arbitrários direitos não se vira contra ela com todo o rigor que merece um abuso de confiança de tal modo revoltante, uma difamação tão evidentemente ligada aos mais sórdidos interesses? E além do mais como se pode entender que os costuma sejam matéria de legislação? Que absurdo! Mas para circunscrever o discurso aos "escrúpulos" assaz episódicos da "virtuosa" e "inexperiente" senhora Chaplin, é necessário dizer que é cómico considerar "anormal, contra a natureza, perverso, degenerado e indecente" o hábito do "fellatio" ("todos os casais o praticam", diz muito bem Chaplin). Se se pudesse abrir, de um modo razoável, uma livre discussão sobre os costumes, seria normal, são, decente, virar contra ela, a denúncia que esta esposa faz, convencida de se ter "humanamente" recusado a práticas tão difundidas e perfeitamente puras e sustentáveis. Mas como é que uma tal estupidez não cessa de fazer apelo ao amor, como no caso desta rapariga que aos 16 anos e dois meses se casa "conscientemente" com um homem rico e vigiado pela opinião pública, e ousa fazê-lo hoje com os seus dois rebentos, nascidos da orelha evidentemente, uma vez que sustenta que "o acusado nunca teve com ela relações conjugais como é hábito entre os cônjuges", estas crianças que agita como actos de acusação; em apoio das suas próprias exigências íntimas? Os sublinhados são nossos, e a linguagem revoltante que sublinhamos, vamos buscá-la emprestada pela acusadora e seus advogados que procuram, antes de tudo o mais, contrapor a um homem vivo os mais repugnantes lugares-comuns dos sentimentos cretinos, a imagem da mãezinha que chama "papá'' ao seu amante legal".

Depois de desmontar uma a uma as cinco acusações dos advogados de Lita Grey, e de aproveitar para afirmar que "a conduta deste homem faz o processo do matrimónio, da codificação imbecil do amor", Aragon conclui no bom estilo surrealista da época:

"Pensamos naquele admirável momento de "Charlot e o Conde", quando durante uma festa Charlot vê passar uma bela mulher, fascinante quanto possível, e num abrir e fechar de olhos abandona a própria vivenda, para a seguir de casa em casa, depois pelo terraço, sem que ela se dê conta. Às ordens do amor, sempre esteve às ordens do amor, eis o que proclamam em uníssono a sua vida e todos os seus filmes. Do amor imprevisto, que é, antes de tudo o mais, um grande, um irresistível apelo. Então é preciso abandonar tudo, e por exemplo, no mínimo, um lar. O mundo com os seus bens legais, a dona de casa e os fedelhos, protegidos pela policia, a caixa de depósitos: é de tudo isto que se evade sem hesitar, seja o homem rico de Los Angeles;. seja o pobre dos subúrbios, desde "Charlot empregado de banco" até à "Corrida do Ouro". Tudo o que tem na mesa, moralmente, é apenas aquele dólar de sedução que qualquer um lhe faz perder, e que no café do "Emigrante" cai continuamente ao chão das calças rotas, aquele dólar que se calhar não passa de uma aparência, fácil de se torcer com uma dentada, simples moeda falsa; que será recusado mas que permite que por um instante se convide para a mesa a mulher semelhante a uma vampe de fogo, a mulher "maravilhosa", e cujas linhas serão para sempre céu. (...)"

Expresso 30-12-1977


Charlie Chaplin descansando durante as filmagens de Limeligh em 1952. Foto W. Eugene Smith e LIFE Archive.

Citizen Grave - Para quase todos

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