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Devemos a nós próprios um olhar crítico perante a governação e perante os vários partidos que a influenciaram. Da nossa parte, julgo que podemos afirmar que cumprimos o que de nós se esperava e exigia: travar a formação do Governo PSD/CDS e a continuação do desastre e da afronta aos trabalhadores portugueses e criar condições para inverter o rumo da política em todas as dimensões em que tal se revelasse possível. Não se fundou nem funcionou um governo de esquerda, não se formou nenhuma aliança governativa ou parlamentar, não se iniciou uma política de ruptura com os interesses do grande capital, não se encetou uma viragem nos aspectos essenciais da vida política, mas não se acentuou o rumo que vinha sendo seguido e que estava projectado e, em aspectos da vida social, houve sensíveis alterações que se traduziram na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo.
Torna-se contudo, cada vez mais evidente, que o aprofundamento das conquistas e a alteração do rumo político do país não se compatibilizam com a união europeia e as suas regras de funcionamento, nem com o constante ataque à democracia e à soberania. O aumento dos salários não se compatibiliza com o assalto aos portugueses para pagar juros e com o depauperamento do aparelho produtivo ou com o constante endividamento externo. E estas são as linhas mestras do rumo que PS preconiza para o país.
Isso era verdade em 2015 como é verdade em 2019. Sem iludir tais aspectos e realidades, o PCP e a CDU abriram caminho a uma solução complexa e de geometria rara que veio a criar as condições para a entrada de um governo PS em funções quando todos davam por perdida a hipótese de derrotar PSD e CDS. Esta é a verdade.
Ora, a verdade é particularmente importante num momento em que somos chamados a votar. E não quero aqui louvar a criação da chamada "geringonça" - cuja existência não reconheço -, nem clamar orgulho pela solução criada pela intervenção do PCP. A situação criada foi a possível no contexto concreto. Isso não autoriza nenhum branqueamento do papel histórico do PS, nem autoriza o branqueamento da sua natureza de sempre enquanto partido da política de direita.
Contudo, há alguns avanços que se verificaram nesta legislatura sobre os quais não podemos., sob pena de não respeitar a verdade, deixar de reconhecer que se devem à intervenção do PCP e do PEV. Há, é verdade, igualmente avanços que se devem à intervenção do BE. Mas para respeitar a verdade é preciso não mentir.
Não pretendo neste texto disputar a paternidade da solução política que julgo estar aclarada. Mas é inaceitável que o BE, nesta recta final da campanha eleitoral, pretenda criar a ideia de que as medidas progressistas que se verificaram nesta legislatura se devem simplesmente ao facto de o PS não ter tido maioria e de o BE ter tido influência. A verdade é bem diferente.
Façamos um exercício e tentemos descrever que cenário político estaria criado se o PCP e o PEV não tivessem participado na solução parlamentar. Em Setembro de 2015, num debate televisivo, Catarina Martins deixa claras as três condições para apoiar um governo PS.
Depois das eleições de Outubro de 2015, após a famosa declaração de Jerónimo de Sousa em que se afirma que "o PS só não é governo se não quiser", Catarina Martins, do BE, volta a anunciar as suas condições para apoiar um governo PS. A saber: 1) o descongelamento das pensões; 2) nenhuma redução da TSU para trabalhadores e empresas; 3) fim do processo de liberalização do mercado de trabalho. Estas três condições foram afirmadas pela dirigente do BE como audazes imposições ao PS.
Mais tarde, o PCP assume uma posição conjunta com o PS. Ficou o PCP a saber que o BE e o PS tinham entretanto já alinhavado uma posição comum da qual constava pouco mais do que esses 3 pontos. O PCP nunca divulgou esta informação. O PCP respeitou o processo negocial e não divulgou publicamente o conhecimento que teve dessa primeira versão de acordo entre PS e BE até ao momento em que o BE, pela voz de Pedro Filipe Soares, decidiu atacar o PCP de ser aquilo que o BE quis ser desde o primeiro momento: subserviente.
Só então, o PCP revelou o conteúdo do documento de submissão que o BE estava disposto a assinar. (curiosamente, a comunicação social ignorou a denúncia do PCP)
Depois de ver que o PCP não assinaria tal cheque em branco, o BE acaba por solicitar a subscrição de um novo documento, baseado na posição conjunta entre PCP e PS.
Resulta claro, pois, que o que caracterizou e impulsionou as marcas mais progressistas desta legislatura, mesmo aquelas em que o BE participou, não foi apenas a falta de maioria do PS e a preponderância parlamentar do BE. A verificaram-se apenas esses dois factores, as condições impostas teriam sido apelas aquelas três que o BE afirmava em Setembro e reafirmava em Outubro, bem como teria sido assinado um acordo entre BE e PS que colocava o BE na condição de apêndice parlamentar do Governo. Há um terceiro facto, absolutamente decisivo: o da intervenção da CDU e particularmente do PCP.
Independentemente da apreciação que possamos fazer dos ganhos e dos avanços, tal como dos recuos, a realidade demonstra que apenas um factor alterou a situação pantanosa em que BE e PS estavam disponíveis para se enfiar. Esse factor foi a presença e acção da CDU. A CDU não puxou para a esquerda apenas o PS e o seu governo minoritário, puxou para a esquerda também o BE que, entretanto, pelos vistos deixou mesmo cair uma das suas principais condições (a da não continuação da liberalização do mercado de trabalho).
Resumindo, perante um acordo entre BE e PS, teríamos um governo e um parlamento que se contentariam com o descongelamento das pensões - quando o PCP conseguiu aumentos sucessivos e extraordinários -, a não diminuição da TSU - quando o PCP acabou por conseguir o aumento da derrama para grandes empresas -, e a não liberalização do mercado de trabalho - que o PCP não impôs como condição e que o BE impôs sem ver concretizado.
Estamos à beira do dia da escolha. Os partidos de direita, cada vez apostados na radicalização do seu discurso e postura como forma de combater o desgaste provocado pela sua própria política, estão afastados - no momento - de recolher apoio social e popular suficiente para formar maiorias. O que está em causa, portanto, é a decisão sobre a forma como será composta uma maioria que permita a aplicação de uma política de aprofundamento e avanço. Tal política é tanto mais profunda e consequente quanto maior for o grupo parlamentar do PCP que se candidata integrado na CDU.
O resultado da CDU, ao contrário do que o grande capital, BE e PS, nos pretendem fazer crer, é a questão central destas eleições para quem pretende a ruptura com a política de direita.
O BE quer parecer agora a força que puxou para a esquerda o PS, quando na verdade, a CDU foi a força que puxou para a esquerda o próprio BE.
Isto significa, basicamente, que: se queres esquerda mesmo esquerda que não seja só de nome, vota CDU.
manifesto74.blogspot.com
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