No seu espaço de opinião na manhã da TSF, Daniel Oliveira propõe-se responder se há uma contradição entre a teoria e a prática no que diz respeito à força política do Iniciativa Liberal. O cronista remete a ideologia do partido para um plano muito mais teórico do que o que seria desejável.
"As pessoas não votaram no Iniciativa Liberal por conhecerem o seu programa e as suas propostas, e também não me parece que tenham votado por conhecerem os seus candidatos", nota o jornalista, que logo trata de esclarecer: "Ainda hoje as pessoas que votaram no Iniciativa Liberal não sabem ao certo quem elegeram. Eu vou informá-las: é João Cotrim Figueiredo. Provavelmente muitas pessoas não conhecem este nome."
O pequeno partido recém-chegado ao Parlamento beneficiou, de acordo com Daniel Oliveira, da fragmentação na ala da direita em Portugal. "[As pessoas] Votaram, umas por descontentamento com o PSD e com o CDS, ou seja, para alguns, foi um voto alternativo quando não havia voto útil . Sabia-se que a direita não tinha grandes chances de vencer..."
Serviu também os interesses do partido, analisa, uma "campanha de choque, bastante bem feita, é preciso dizê-lo, e que deu muita notícia, sobretudo pelos outdoors que o partido fez". Apesar da criatividade, o jornalista destaca o caráter corrosivo das mensagens políticas espalhadas pelas ruas. "Eram cartazes construídos pela negativa: a história dos primos, a ideia de Estado despesista, dos políticos que vivem à custa dos contribuintes...
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Sobre esta narrativa contada pelo Iniciativa Liberal, Daniel Oliveira considera que este seja um "um discurso muitas vezes demagógico, e, muitas vezes, a roçar o populismo" e "um bocadinho semelhante ao moralismo que o Bloco de Esquerda costumava promover - e ainda hoje lhe cai muitas vezes o pé para aí -, e que se virou, muitas vezes de forma justa e outras de forma injusta, contra ele".
Mas a eficácia combativa coloca os autores dos cartazes numa esfera igualmente exposta e igualmente suscetível de críticas: "O grande problema deste tipo de campanhas de choque é que são um pau de dois bicos. O feitiço vira-se, muitas vezes, à primeira oportunidade, contra o feiticeiro."
E é o caso deste pequeno partido, questiona o jornalista Nuno Domingues. "Sim, é o caso", posiciona-se Daniel Oliveira.
Apontar as incoerências torna-se, portanto, muito mais fácil e necessário, repara o cronista. "Houve um gesto durante a campanha - esse bastante demagógico -, em que o Iniciativa Liberal anunciou que não ia aceitar a subvenção de campanha eleitoral. As pessoas ficaram muito satisfeitas, por os considerarem muito corajosos. No entanto, o Iniciativa Liberal não avisou, ou apenas avisou em letras pequeninas, com muito menos destaque, que iam manter a subvenção de funcionamento."
Os valores em causa encontram-se, no entanto, bastante longe um do outro. "A subvenção de campanha fixa-se nos 200 mil euros. A subvenção de funcionamento é de 760 mil euros em quatro anos. A justificação que dão é que o dinheiro do Estado garante a independência do partido", refere.
E nisto Daniel Oliveira e Iniciativa Liberal estão de acordo. "Eu não podia concordar mais: o dinheiro do Estado garante mais independência do que o do privado. Não esperava era que alguém do Iniciativa Liberal concordasse comigo nesta matéria."
Mesmo depois das Legislativas, a propaganda política é polícia sinaleira nas ruas pelo país. "Agora, depois da campanha, fizeram um novo cartaz, muito bem feito, mais uma vez - os meus parabéns -, em que apontam a dimensão excessiva do Governo. E são dois cartazes com um acrescento para fazer caber todos os nomes."
"Podemos fazer um debate sério sobre a orgânica do Governo, sobre a dimensão do Governo, sobre se vai funcionar bem ou não. Se a questão é apenas a extensão do Governo e o despesismo, sim, estamos outra vez no terreno do discurso demagógico, com pouco conteúdo político", critica Daniel Oliveira, que acredita que esta ação deixa pontas soltas: "O cartaz é muito giro. É mesmo muito giro, acho-o muito bem feito, mas apetece devolver o discurso dizendo que aquele cartaz - que são dois cartazes mais o acrescento - é pago pelo dinheiro dos contribuintes."
"Se quisermos ser tão demagógicos quanto o cartaz...", reflete o jornalista.
No seu espaço na manhã da TSF, sobrou ainda tempo para uma reflexão sobre os populismos crescentes. "O populismo rende votos, sempre rendeu. O único preço que ele tem é nós podermos exigir aos partidos que o usam coerência total."
Apesar de reconhecer "todo o direito" ao Iniciativa Liberal, para que utilize o dinheiro da subvenção em cartazes, impõe-se agora um posicionamento definitivo: "O Iniciativa Liberal tem de decidir, agora que já foi eleito, que papel quer ter."
"Se quer fazer propostas, vai ser avaliado pelas propostas, e entra no debate político. Se quer continuar a fazer campanha de choque mesmo depois da campanha eleitoral, vai ser escrutinado de acordo com os mesmos critérios simplistas que usa para falar da realidade", alerta. "Se tudo o que tem a dizer é o número de ministros e secretários de Estado, tudo o que temos para dizer sobre o Iniciativa Liberal é a despesa dos seus cartazes e a sua dimensão."
Na ótica do cronista, pode acontecer a esta força política o que acontece com o Bloco de Esquerda: "ser avaliado pelo mesmo tipo de critérios que aplica para fazer a avaliação política".
Interpelado pelo jornalista Nuno Domingues, sobre se serão ou não compatíveis as duas estratégias, Daniel Oliveira responde: "Penso que não. Dificilmente se consegue conciliar o discurso simplista com o discurso complexo. Quer dizer, o discurso da política é um discurso que é sempre simplificado, mas outra coisa é ter um discurso simplista."
Agora que ganhou "palco no Parlamento", os holofotes deveriam estar voltados para as ruas? O jornalista entende que a questão essencial é a "linha de guerrilha", porque este partido "está a adiar o momento de discutir as propostas fiscais, as brutais reduções de impostos para as pessoas mais ricas... está a adiar o momento em que os portugueses descobrem qual o seu verdadeiro programa". "Compreendo que o queiram fazer, pela falta de apoio, mas não é bom para a democracia e para a forma como são interpretados", avisa o cronista.
"Se continuam a ser meros guerrilheiros para campanhas de choque publicitárias demagógicas, mas muito bem feitas, terão de ser analisados e escrutinados exatamente aplicando as mesmas regras, exigindo a mesma coerência."
* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos
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