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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Quando mais de mil criminosos se apoderaram de Lisboa


fuga do limoeiro.JPG


Uma horda de mil criminosos esfaimados viu-se solta e arremeteu contra Lisboa, lançando o terror entre a população. Foi o dia de todos os horrores, cuja recordação marcou os piores pesadelos dos lisboetas durante muitos anos.

O dia 29 de abril de 1847 ficou marcado na memória dos portugueses durante décadas. Mais de mil presos, muitos perigosos, alguns armados, todos imundos, desgrenhados e famintos, dispersaram pelas ruas de Lisboa lançando num ambiente de terror a pacata população, já de si martirizada pela escassez de mantimentos e as imprevisíveis manobras militares que marcaram aqueles tempos. O caso, muito falado dentro de portas e até nos jornais europeus, traçou um quadro de descalabro do Portugal de então.
cadeia do limoeiro.jpg
Eram cinco horas da tarde, quando cerca de 40 homens armados, do 2º Batalhão de Sapadores, acompanhados por alguns soldados da guarda, exigiram, em altos brados, a abertura dos portões do Limoeiro, com o pretexto de acudir a uma desordem no interior da cadeia. Ao mesmo tempo, disparavam tiros para o interior, atingindo logo o carcereiro e o guarda da porta. Deu-se a entrada do grupo, que facilmente se terá apoderado das chaves e conseguido abrir as portas interiores e libertar todos os prisioneiros.
A facilidade com que tudo aconteceu, aliás, levantou suspeitas de conivência interna, chegando a garantir-se que as celas estavam escancaradas e os guardas não ofereceram qualquer resistência aos invasores.
O objetivo da incursão era soltar os presos políticos, cerca de centena e meia, que ali estavam na sequência das conturbadas movimentações dos meses anteriores, mas o resultado foi libertar 1026 detidos da pior espécie, entre assaltantes e assassinos, mais uma multidão indiferenciada que arremeteu contra todos os que tiveram o azar de lhes aparecer ao caminho.
Lisboa sec. IXI.jpg

Um grande grupo rumou ao Castelo de São Jorge, então também cadeia, que se pretendia atacar de surpresa. Os planos saíram gorados, devido à prontidão de um sentinela, que deu o alarme e levou à debandada da turba esfaimada em direção "às barracas da Graça".
Rapidamente, foram enviadas tropas para deter esta destrutiva horda, mas muitos estragos estavam já feitos e dos confrontos entre foragidos e perseguidores resultaram mais danos e a perda de vidas.

Patuleia.jpg
Pouco tempo depois foram recapturados os primeiros 42 fugitivos e, até ao final da noite do dia 30, cerca de 600 haviam já sido recolhidos ao cárcere. Três dezenas foram mortos. Um número significativo conseguiu sair da cidade, quer por estrada, quer atravessando o Tejo, rumo ao Sul. Dos presos políticos, que efetivamente se pretendia soltar, 16 recusaram sair do Limoeiro e participar no que classificaram como "ultrajante tentativa de fuga".

Se, uma semana antes destes acontecimentos os jornais ingleses já afirmavam que o estado da Capital portuguesa era "assustador", nomeadamente porque grande parte da população não tinha o que comer, face ao aumento rápido e avassalador do preços dos alimentos e à brutal desvalorização da moeda, que remeteu muitos à mendicidade, imagine-se então como ficaram as coisas após a investida da furiosa turbamulda...
À margem
D maria II.jpgEste estado de coisas, garantiam os mesmos jornais estrangeiros, originou uma enorme "animosidade" em relação à rainha (D. Maria II), apontada como causadora de todos estes males.
Efetivamente, foram tempos de grande perturbação e violência. Entre as primaveras de 1846 e 1847 sucederam-se tumultos*, com início em zonas rurais do norte do País e que rapidamente se propagaram a todo o território. Ainda não estavam sanadas as feridas deixadas pelas guerras entre liberais e absolutistas, já os portugueses se revoltavam contra um conjunto de leis lançadas pelo denominado governo dos Cabrais (os irmãos António Bernardo da Costa Cabral e José Bernardo da Silva Cabral): desde o aumento de impostos a alterações no recrutamento militar e à polémica proibição dos enterros nas igrejas.
Maria_da_Fonte.jpg
Como é habitual nestas situações, as diferentes fações políticas "cavalgaram" a onda, chamaram a si os seus apoiantes e, entre quedas de governos, suspensão de garantias constitucionais, golpes e intrigas várias, não se coibiram de pegar em armas e colocar o País a ferro e fogo.
O ambiente só apaziguou quando D. Maria II conseguiu o compromisso da Quadrupla Aliança (França, Espanha e Inglaterra) de apoiar os seus propósitos e ajudar a conter os revoltosos, o que acabaria por acontecer, tendo a rainha sido obrigada a aceitar os termos impostos pelos aliados (Convenção do Gramido). A 10 de junho de 1847, proclamava uma espécie de amnistia geral para os suspeitos de implicação em tão nefastos eventos....mas só em teoria, porque não tardaram represálias e vinganças sobre os mesmos.
Quanto ao Limoeiro, os guardas foram ilibados juridicamente de qualquer participação na fuga, mas a prisão continuou a ser o espaço sobrelotado e degradante a todos os níveis que já era, cói de propagação de todas as doenças e vícios.
Mas isso é outra história...

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* Do muito que aconteceu nesta época, alguns epítetos ficaram para a história: “revolução da Maria da Fonte”; “a emboscada” e a “guerra da Patuleia” foram alguns dos acontecimentos que marcaram este período conturbando.
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Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
O Espectro
nº44 – 1 mai. 1847
nº56; 11 jun. 1847
Imagens
D. Maria II
Arquivo Nacional Torre do Tombo
TT,SNI, Arq. Foto. 68589

https://books.google.pt/books?id=9S gDwAAQBAJ&pg=PT192&lpg=PT192&dq=limoeiro+abril+1847&source=bl& ts=aicg1MU-MH&sig=ACfU3U1zWKKm9s3z4GPYlSI8SrmbQyP1fA&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwiC16qw2tPkAhWDDGMBHf11Bj0Q6AEwCXoECA QAQ#v=onepage&q=1847&f=falseClose

Cadeia do Limoeiro
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Desenho de J. R. Cristino, gravura de Oliveira
Fotografia de Eduardo Portggal
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/EDP/002087
Biblioteca Nacional de Portugal
www.purl.pt
Lisboa, Largo do Loreto, meados do século XIX
BN E. 3351 P

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