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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A subsidiodependência do capital




Na rádio, um representante da patronal dos transportes de passageiros (ANTROP) diz que a medida dos passes intermodais não foi bem pensada e não levou em conta a incapacidade dos operadores de transportes públicos de responder ao aumento da procura, queixando-se em seguida da falta de financiamento público à aquisição de frota.

No dia seguinte às eleições, em pleno Prós & Contras, João Cotrim Figueiredo (Iniciativa Liberal) acusava o governo PS de ter cortado no investimento público.

À data actual, as ajudas directas ao sistema financeiro somam já 23,8 mil milhões de euros.

O milagroso boom do turismo nacional assenta em décadas de investimento público na ordem das centenas de milhar de euros por ano.

Os grupos de saúde privada subsistem dos acordos que têm com os vários subsistemas de saúde dos trabalhadores do Estado.

Nos últimos 15 anos o capital desviou 50 mil milhões de euros para paraísos fiscais, o que equivale a uma perda de 1,3 mil milhões de euros em receita fiscal.

E ainda nos lembramos todos dos colégios privados que viviam da renda fixa dos contratos de associação. Se alguém não estiver recordado, pode avivar a memória aqui.

CHEGA e Iniciativa Liberal, ainda que a sua política económica não difira grandemente da restante direita, construíram toda a sua campanha em torno de impostos e subsídios. A IL promoveu uma suposta redução da carga fiscal - que afinal até era um aumento para as famílias de rendimentos mais baixos - e o CHEGA fez-nos acreditar que o problema estrutural do país são os 300 mil euros que se gastam por ano em Rendimento Social de Inserção. A coberto destes dois programas - O suposto alívio fiscal no caso da IL e a ciganofobia mais reles no caso do CHEGA - entram na AR dois partidos com um violentíssimo programa neoliberal, votados em extinguir a escola pública e o serviço nacional de saúde. Não é invenção, não estou a exagerar, não estou sequer a inferir: está lá nos programas deles, é só consultar.

Serve isto para falar da suposta subsidiodependência, esse mito que se criou de que os trabalhadores portugueses andam a sustentar chulos que não querem trabalhar e vivem do RSI. Sim, sustentamos chulos, mas não são esses, e não é com o RSI - antes fosse, que não custava muito.

- O Estado financia patrões quando comparticipa o passe que o trabalhador usa na sua comuta diária; de forma directa entregando dinheiro às operadoras de transportes públicos, e de forma indirecta suportando um custo que devia ser imputado a quem explora esse trabalhador;
- O Estado financia patrões quando subsidia com apoios sociais trabalhadores que, tendo emprego fixo e a tempo inteiro, empobrecem enquanto trabalham;
- O Estado retira aos trabalhadores - que não podem fugir ao fisco - o dinheiro que falta e que o capital colocou em offshores;

Cada cêntimo que o Estado gasta a educar, capacitar e manter vivo um trabalhador, é um cêntimo que o patrão poupou. E no nosso país o Estado gasta imensos cêntimos a aliviar a miséria que o capital cria. Se no nosso país há subsidiodependência, ela não está
em quem foi afastado do processo produtivo porque não ter adquirido competências capitalizáveis, nem em quem, trabalhando, não consegue viver do seu trabalho.

Subsidiodependente é a nossa iniciativa privada. Já o era quando empregava trabalho escravo, quando redistribuía na metrópole a riqueza roubada às colónias, quando manteve o escudo baixo para ajudar as exportações, e é-o agora quando explora uma massa salarial que se mantém viva não graças ao seu salário, mas graças aos apoios sociais.

Que isto fique bem claro: Não compete ao Estado dar a cada trabalhador a diferença entre a merda que lhe pagam e o valor mínimo para se viver com dignidade!

E depois temos a direita em coro a dizer que não se mete na negociação do salário mínimo ou da lei laboral. Isso fica para a Concertação Social. O Estado não pode intervir na economia. "Menos Estado, melhor Estado", dizem eles, e testaram a doutrina usando o povo chileno como cobaia, com os resultados que hoje estão à vista e que motivam o levantamento popular. Como vimos pelos exemplos no início, para esta corja o Estado só não se pode meter na economia se for para arbitrar a favor de quem trabalha. Mas já exigem um Estado omnipresente na hora de pagar a factura. Dizia a Margaret Thatcher - cuja campa é a mais famosa casa de banho unissexo do Reino Unido -  que o socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros. Maggie, fofinha: Tu e a tua descendência é que se têm governado à grande com o dinheiro que é de todos.

Para clarificar e concluir: É obvio que não tenho nada contra apoios sociais nem contra as funções sociais do Estado. Existem e são necessários para mitigar o sofrimento humano que é consequência necessária e inevitável do modo de produção capitalista. Mas é urgente denunciar que se são tão necessários, é porque o Estado que os custeia se recusa a discutir política salarial.

A solução, como é óbvio, passa por fazer o contrário do que a classe dominante pretende: aumentar salários, reduzir a jornada de trabalho, impor o controlo público de - pelo menos! - todos os sectores estratégicos da economia.

E dir-me-ão alguns: “Epá mas com tantos direitos dos trabalhadores, ninguém vai querer ser patrão em Portugal!”. Porreiro, não se preocupem. Nós nacionalizamos-lhes as empresas e ainda lhes damos um emprego com direitos, com um horário que lhes permita conciliar a vida pessoal e profissional, e com um salário digno. É para isso que cá estamos.

manifesto74.blogspot.com

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