Falta de memória
ou confusão nas cabeças
Em editorial (significativamente intitulado «A força do Governo está na fraqueza da esquerda» ), Manuel Carvalho escreve no «Público» o seguinte:«(…) Se no passado a “geringonça” se alicerçou na dissimulação de uma relação entre partidos que na sua essência têm mais para se confrontar do que para colaborar, o futuro quadro político vai ser mais claro. O PS viverá sempre condicionado, mas quer o Bloco e o PCP estarão condenados a ponderar todos os dias os riscos políticos de deixarem cair um governo de esquerda. (…) Quando António Costa declara que “a direita toda junta, desde o PSD ao Chega, só poderá derrotar o PS se conseguir somar os votos do PAN e de toda a esquerda” (2) está a tornar clara a razão pela qual desta vez decidiu prescindir da negociação de posições conjuntas com o Bloco e o PCP. Está a sugerir que há uma coacção política a pairar sobre os partidos da esquerda que protege o seu Governo. Para o primeiro-ministro, e para a maioria dos cidadãos, só uma anormalidade permitiria a soma dos votos de um destes partidos com o PSD. A imunidade do Governo a moções de censura, na teoria de António Costa, justifica-se pela fragilidade estratégica dos seus mas não ponta de conexão com os outrora parceiros.(…)».
Ora, supondo que os leitores seguiram atentamente estes raciocínios de Manuel Carvalho, eu quero sobretudo afirmar que esta longa citação é uma pura efabulação em que até pode haver alguma criatividade mas não há qualquer ponto de contacto com realidades passadas e presentes. Com efeito, a este respeito, parece-me útil lembrar o seguinte :
1. Para a legislatura de 2015 a 2019, as «posições conjuntas» celebradas separadamente entre o PS e o PCP, o BE e o PE não estabeleciam qualquer vinculação de voto dos «parceiros» do PS a moções de censura, de leis avulsas (excepto naturalmente em relação às matérias comummente acordadas) e Orçamentos de Estado, apenas se prevendo para estes um «exame comum».
2. Quer isto dizer, sem margem para contestação, que o «perigo» ou o «cenário» (1) de PCP, BE e PE, como invoca Manuel Carvalho, convergirem com a direita contra o governo minoritário do PS é exactamente igual nesta legislatura ao que era na legislatura anterior.
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3. E se diferença há agora é em sentido contrário ao que desenha Manuel Carvalho; com efeito, na situação pós últimas eleições até se pode dizer que enquanto na legislatura anterior para não cair o governo PCP, BE e PE tinham de votar ao lado do do PS, agora até se podem abster porque o PS tem mais deputados que a direita toda somada.
4. Tudo isto, fixe-se o essencial : ou seja, o que será determinante no futuro próximo não são conjecturas e palpites sobre quem vota como ou o quê mas sim o quê que vai estar a votação.
(1) Como tantos outros, Manuel Carvalho parece estar esquecido que, entre 2015 e 2019, o PS votou árias vezes ao lado da direita contra propostas do PCP, do BE e do PE.
(2) A esta declaração de António Costa, já se seguiu a de AugustoaSantos Silva segundo o qual «“O aviso é que, nesta composição parlamentar, só é possível retirar as condições básicas de governação ao Governo do Partido Socialista através da constituição de uma coligação negativa e contranatura entre o centro-direita e direita e todas as forças à esquerda do PS – e todos sabemos, na maioria parlamentar, que isso seria uma traição ao nosso eleitorado”. Estamos pois perante uma linha de orientação do PS caracterizada por uma inoportuna agressividade e chantagem que, a continuar, não facilitará as coisas.
Via: o tempo das cerejas 2 http://bit.ly/331NxBa
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