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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O tenebroso carrasco da torre


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Grosseiro, brutal, sem moral ou escrúpulos e, ao mesmo tempo, ridiculamente presunçoso e burocrático. Cair nas suas garras era sinal de morte ou sofrimento atroz.

A simples menção do seu nome infundia o mais profundo terror, como se do inferno seguido de morte se tratasse. Simultaneamente, talvez num desvario de desespero, conseguia arrancar gargalhadas enlouquecidas às suas vítimas, tão caricatos eram as suas maneiras e argumentos. Teles Jordão, valente militar na defesa de Portugal contra o jugo francês, transformado em tenebroso carrasco dos liberais desafortunadamente presos na “sua” torre de S. Julião da Barra.
Os homens não têm só uma cara, mas é difícil encontrar relatos que sejam elogiosos para esta figura, mesmo entre os seus companheiros de armas. Nascido na Guarda, em 1777, foi subindo na carreira militar a pulso e parece ter hesitado entre liberais e absolutistas, pois abraçou uns, mas conspirou por outros; foi promovido pelos primeiros que depois o destituíram por compactuar com os segundos. Foi verdugo dos miguelistas e morreria às mãos dos partidários de D. Maria II, depois de, com a suas próprias mãos ou pelo trabalho sujo encomendado a terceiros, ter levado para à cova muitos defensores da constituição liberal.
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“Monstro intratável, orgulhoso e pedantesco”, “malvado por natureza” e com uma língua viperina”. Estes são alguns dos epítetos com que o governador da prisão de São Julião da Barra durante grande parte do reinado de D. Miguel é caracterizado pelos que sofreram às suas mãos ou viram outros sofrer.
Mais de 600 presos de Estado – leia-se políticos – encerrados num edifício húmido, infecto, gélido, sem cama ou luz, por vezes dias e dias sem comer ou poder comunicar, meses sem receber notícias da família. Muitos oficiais das hostes liberais, funcionários públicos, comerciantes, proprietários – apenas uma mulher - a condessa da Subserra – cujo delito era pugnarem por outras cores, ali misturados com salteadores e homicidas. Uns e outros, à mercê de um só homem: Joaquim Teles Jordão.
E este fazia bem jus à sua fama, humilhando, oprimindo cruelmente, espancando, indiscriminadamente atirando para os subterrâneos, sem perguntas ou justificações.
Era “obsceno e desbocado até na presença da mulher e filha” e maltratava também a guarnição, não poupando os “seus” a todo o tipo de grosserias, estivesse sóbrio ou, pior, quando estava embriagado, pois “depois do jantar, todas as suas obras, para além de serem filhas da sua má índole, tinham ressaibos do vinho que o ventre lhe pejava”.
Ao mesmo tempo que se arrogava saber sobre todos os assuntos, defendia não haver necessidade de escolas ou livros e o seu primarismo contrastava com as formalidades impostas aos presos: para tudo exigia requerimentos, mas depois contestava-os de forma petulante, desconversando, ironizando, empatando e nunca respondendo de facto.
Foi um reinado de terror que durou até Teles Jordão ser novamente chamado a pelejar, já marechal de campo, para defender os desígnios de D. Miguel. Aí, voltou a bater-se valentemente, mas a história tinha previsto um fim trágico para o homem que tanto ódio fomentou.
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Incumbido de intercetar as tropas comandadas pelo Duque da Terceira, que se dirigiam para Lisboa, passou o Tejo para a margem sul e, aí, na batalha da Cova da Piedade, foi surpreendido pelas hostes inimigas que, embora em menor número, conseguiram impor a sua força, obrigando os realistas a recuar em direção a Cacilhas, sob o tórrido sol de 23 de julho de 1833.
Junto ao rio “matou-se muito nos degraus do molhe. As pequenas ondas do Tejo lambiam das pedras o sangue e os mortos”. Teles Jordão é reconhecido, “alvejado a tiro por um, acutilado por outro e liquidado à baioneta por um soldado” - Romão José Soares. Os populares “apoderam-se do cadáver, que andou em bolandas servindo de alvo à chacota”.
Acabou  "por ser abandonado e enterrado na praia de Cacilhas e, talvez para que não restassem dúvidas que o tirano estava morto, lhe deixaram um braço de fora”.
Cantou-se até altas horas:

“Já morreu Teles Jordão:
Nas profundas do Inferno.
Os diabos lá disseram
Temos carne para o Inverno!”

Na outra margem, à distância, por certo, os presos em S. Julião da Barra cantariam também se soubesse estar livres do seu carrasco.

À margem
“Reis e Teles Jordão compunham um todo indivisível, que estava presente e obrava ao mesmo tempo por cima dos presos e por entre eles. Teles Jordão pela pessoa de Reis tinha o seu braço direito nas entranhas da terra a atormentar-nos, como D. Miguel residia na Torre pela pessoa de Teles Jordão”. O relato pungente fala de João dos Reis Leitão, personagem obscura com longo historial dos mais horrendos crimes. Conhecido por desacatos e atrocidades nos anteriores presídios onde esteve – Limoeiro e Castelo, de onde fugiu – foi transferido para a torre de Teles Jordão como último recurso. A notícia espalhou o terror entre os “residentes”, mas o governador alegrou-se, “porque lhe entregavam não uma vítima nova, mas um novo e seguro instrumento para martirizar”. “Principiaram com efeito a servir-se dele, mandando-o, ora para um, ora para outro cárcere dos em que havia presos ainda não totalmente quebrados ou contra quem se tinha algum particular motivo de animadversão ou de antipatia”. Pode apenas imaginar-se o que sofreram os infelizes que tiveram por companhia forçada este “sevandija venenoso”, que desprezava a dignidade e a vida humanas. Mas, o destino é irónico: tendo disseminado horror ao longo da sua existência, teve uma morte lenta e dolorosa, corroído pela doença. Foram as suas vítimas quem lhe fechou os olhos e o envolveram num lençol “para se ir à terra”.
Mas isso é outra história… 


Fontes
Istória do cativeiro dos presos de Estado na Torre de S. Julião da Barra de Lisboa durante a dezastroza época da usurpação do legítimo governo constitucional deste reino de Portugal, por João Baptista da Silva Lopes, um dos mártires da referida torre – Lisboa – Imprensa Nacional – 1833 - Harvard College Library; disponível em:

À chegada da Senhora D. Maria II, Rainha constitucional dos Portuguezes à sua capital de Lisboa em 23 de setembro de 1833 – ODE – Lisboa: na Typographia de Fillipe Nery – Harvard College Library – the gift of Archibald Cary Coolidge, Ph.D. – class of 1887 – Russian Collection of 1922, disponível em:

As 25 prisões de Adriano Ernesto de Castilho Barreto, Cavaleiro das Ordens de Christo e da Conceição, Ajudante do Procurador Régio da Relação de Lisboa, Membro do real Conservatório, etc, etc… -Lisboa – Typografia Lusitana – 1845 – The Lybrary University of Califórnia – Los Angeles, disponível em:

Arquivo Direção Regional de Cultura dos Açores
"Recorte de imprensa do artigo ""O Telles Jordão"", redigido por Zeferino Brandão
PT/BPARPD/PSS/TB/014/023

Hemeroteca Digital de Lisboa
A Illustração Portugueza – Semanário – Revista Litterária e Artística – Thypographia do Diário Illustrado
Textos de Pinheiro Chagas
2º ano; nº 35 – 15 mar. 1886
2º ano; nº 37 – 29 mar. 1886
2º ano; nº 37 – 29 mar. 1886

Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa – nº141 - Imprensa Nacional – 1821; disponível em:

Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa – Segundo anno da Legislatura – Tomo sexto – Lisboa – Imprensa Nacional – 1822; disponível em:

Gazeta de Lisboa – 1833 – parte I edições 1-172 – Na Regia Typografia Silviana - Harvard College Library , disponível em:

Miguel, suas aventuras escandalosas, seus crimes, e sua usurpação, por um português de distinção, traduzido do francês, II edição, Rio de Janeiro, em casa de Eduardo Laemmert, 1833 – Officina Thypografica de Gueffier e Cª; disponível em:


Pedreira – Poema heroico da liberdade portugueza por José Martins Rua – Porto, Thipographia Commercial Portuense – 1843; disponível em:

Lista de 618 Presos de Estado Na Torre de S. Julião Da Barra 1828-1833, disponível em:

https://almada-virtual-museum.blogspot.com/2015/07/os-dias-23-e-24-de-julho-de-1833-parte.html
https://almada-virtual-museum.blogspot.com/2014/10/derrota-dos-miguelistas-em-cacilhas.html citando Gazeta de Lisboa, 6 de agosto de 1833, a mesma versão dos acontecimentos é descrita em Napier, Admiral Charles,An account of the war in Portugal between Don Pedro and Don Miguel, London, T. & W. Boone, 1836


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