Tenho ouvido falar sobre a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial, em situações diversas, desde a minha mais tenra idade. Ouvi contar histórias sobre as desgraças que os portugueses sofreram, e também sobre actos de heroísmo de participantes nos actos bélicos, e não só. Pelo que consegui perceber, de diferentes maneiras, houve na altura grandes divergências, aos vários níveis, sobre a atitude a tomar pelos dirigentes do nosso país. Ainda hoje se discutem os porquês das opções tomadas. Muitas foram com certeza fruto das circunstâncias difíceis em que então se encontravam o país e os portugueses. Tentando resumir, havia quem defendesse a participação ao lado dos aliados (França, Inglaterra, Rússia, etc.) e quem se inclinasse mais para o lado dos impérios alemão e austro-húngaro. E claro, quem se perguntasse o que faziam os portugueses, quais os seus verdadeiros interesses, no meio de conflitos tão complexos. Se não teria sido melhor ficarem quietinhos.
Já naquela altura havia grandes potências, potências não tão grandes, mas bem mais fortes que Portugal, e países periféricos. E já se achava que muitos dos povos que habitam o mundo não contam para nada, em termos das grandes decisões políticas. Hoje em dia ainda há muita gente que pensa assim (se calhar, ainda mais gente…), mas que se exprime de outra maneira. Por receio? Provavelmente. E quando lemos que 20 % dos apoiantes de Donald Trump, candidato à presidência dos Estados Unidos, acham que a escravatura nunca deveria ter sido abolida, não conseguimos deixar de pensar que a mudança das mentalidades não foi assim tão grande, desde aquela época até aos nossos dias.
O processo de relacionamento dos países mais poderosos, nomeadamente das principais potências europeias, com os povos da África e de outros continentes, nos fins do século XIX e princípio do século XX, encontrava-se numa fase de conquista e ocupação, com algumas diferenças, não assim tão grandes, em relação ao que se verifica actualmente, na segunda década do século XXI. Hoje em dia reconhece-se, formalmente (a maior parte das vezes, apenas formalmente) a existência de nações em África e noutros continentes. Naquela altura, em África, só o Egipto, a Etiópia e a Libéria eram consideradas como nações independentes. Na Conferência de Berlim (1884-1885), que reuniu as principais potências europeias, mais o império otomano, ficou consagrado o princípio da ocupação efectiva para ser reconhecido o direito sobre um dado território. Portugal na altura apresentou o projecto que ficou conhecido como o do mapa cor de rosa, que previa a ligação de Angola a Moçambique. Mais tarde a Grã-Bretanha, querendo alargar a sua influência sobre os territórios que hoje constituem a Zâmbia e o Zimbabwe, obrigou Portugal a recuar nas suas pretensões, com o ultimato de 1890. Entretanto, a Alemanha, que não tinha relevância como potência colonial até à guerra franco-prussiana (1870-1871), obteve territórios no que hoje é a Namíbia, a sul de Angola, e na Tanzânia, a norte de Moçambique. A partir daí, começou a expressar a ambição de alargar as suas possessões para territórios sob alçada portuguesa.
Em 1910, Portugal proclamou a república e os novos governantes continuaram os esforços diplomáticos no sentido da manutenção das colónias, vistas como economicamente vantajosas, e por um prisma de defesa do prestígio nacional. Tendo começado a Primeira Guerra Mundial, a classe política e a opinião pública dividiram-se quanto à participação do nosso país na guerra. Houve quem advogasse desde o início o apoio aos aliados, quem advogasse a neutralidade e mesmo uma aproximação à Alemanha e aos impérios centrais. Entretanto, as incursões monárquicas a partir do reino espanhol (1911-12), criaram grande instabilidade no país, havendo mesmo o receio de uma intervenção no nosso país, hipótese que não desagradaria ao rei Afonso XIII. Os actos beligerantes da Alemanha em Angola e Moçambique, logo a seguir ao início da guerra, e o afundamento em 1915 de dois vapores portugueses em águas europeias, embora não tendo conduzido a uma declaração formal de guerra, ajudaram com certeza a agudizar a tensão e a fazer cair a balança da opinião pública para o lado dos aliados (veja-se a crónica de André Brun “Um Sorriso”, de 29 de Janeiro de 1915, clicando no terceiro link, abaixo). Também é discutível que o governo de Afonso Costa tenha decidido optar pela entrada na guerra, consequência inevitável do apresamento dos navios alemães estacionados nos nossos portos, em Fevereiro de 1916, na esperança de obter vantagens financeiras vultuosas da parte dos britânicos. Estes, durante dois anos, tinham-se oposto à entrada de Portugal na guerra, alegando a desorganização das nossas forças armadas e a instabilidade política do país, antes de solicitarem aquele apresamento. Não é com certeza descabido referir a hipótese de a diplomacia (chamemos-lhe assim) britânica ter pretendido manter aberta a possibilidade de um entendimento com Berlim à custa das colónias portuguesas. Hipótese que o arrastar do conflito descredibilizou, e então os britânicos resolveram optar pela hipótese de Portugal entrar abertamente na Primeira Guerra Mundial.
Esta opção, adiada formalmente durante dois anos, terá sido tomada para tentar evitar um acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha, que incluísse a divisão das colónias portuguesas, e prevenir uma intervenção espanhola no nosso país, que poderia surgir na sequência de uma aproximação entre o país vizinho e o reino britânico, que terá chegado a ser esboçada. Os sofrimentos que desta opção resultaram para o povo português, é bom ter presente, abriram o caminho para mais agitação e instabilidade internas e, sem dúvida, para o 28 de Maio de 1926 e para a ditadura salazarista.
Propomos as seguintes leituras:
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