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quinta-feira, 31 de março de 2016

Entrevista com Jerónimo Sousa, Secretário-geral do PCP


O compromisso do PCP é com os trabalhadores e o povo português
«O nosso principal compromisso continua a ser com os trabalhadores e com o povo português. Não estamos amarrados a qualquer submissão ou obrigação. Continuaremos a ser uma força de proposta construtiva mas simultaneamente com a afirmação própria de um Partido portador de uma política alternativa». Palavras de Jerónimo de Sousa em entrevista ao Avante!, em que analisa a nova situação política existente no País, com as suas potencialidades e contradições, e a importância da participação do colectivo partidário na preparação do XX Congresso do Partido.
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Com as eleições de 4 de Outubro obteve-se uma nova composição na Assembleia da República e uma nova correlação de forças que derrotou o governo do PSD/CDS e abriu caminho à formação do Governo do PS. Em que medida foi determinante o reforço da CDU e a intervenção do PCP para a alteração do quadro político com os desenvolvimentos que se conhece?
Nessa batalha eleitoral das legislativas nós tínhamos dois objectivos: o primeiro era a derrota do governo PSD/CDS, e o segundo era o reforço da CDU. Esses dois objectivos foram alcançados, não sendo de somenos, antes sendo decisivo, o papel dos trabalhadores e das populações que aliaram a luta ao voto, o que se traduziu na perda de cerca de 700 mil votos pela coligação PSD/CDS, deixando-a em minoria.
Alcançados os objectivos e tendo em conta nova realidade existente na Assembleia da República, o nosso Partido – logo na noite eleitoral e na reunião do Comité Central que se seguiu – fez uma análise rigorosa da situação e avançou com a ideia de que perante a derrota do PDS/CDS o PS só não seria governo se não quisesse.
Tendo em conta que a direita já festejava uma vitória que não teve e que o PS já assumia a derrota, a posição e a análise do nosso Partido foi um elemento determinante para encetar o caminho de uma nova solução política.
Que balanço fazes dos pouco mais de 100 dias desta nova solução política?
Antes de mais, cabe sublinhar a posição revanchista do PSD e do CDS, as pressões externas, particularmente das instituições da União Europeia, e os conteúdos do Orçamento do Estado, que testaram a nova situação política. Outro elemento relevante a ter em conta no processo que decorreu nestes 100 dias é a posição conjunta do PCP e do PS e dos resultados daí decorrentes.
A consequência disso foi a aprovação do Orçamento do Estado para 2016, com os votos favoráveis do PS, BE, PCP e PEV, os votos contra do PSD e CDS e a abstenção do PAN. Isso tem algum significado especial neste novo quadro político? Dito de outro modo, o PCP fica amarrado a algum compromisso com o Governo, a uma espécie de «acordo de esquerda» por ter votado a favor deste OE?
A aprovação ou não do Orçamento do Estado dependia muita da solução política encontrada. No processo que conduziu à Posição Conjunta do PS e do PCP sobre solução política, o nosso compromisso não foi o de subscrever de cruz o OE, mas sim o de examinar a proposta e procurar incluir nela os conteúdos onde houve convergência. O grau de convergência encontrado nessa posição conjunta é que definia o nível de compromisso do PCP. Não se tratou de um acordo de esquerda, não se tratou de um Orçamento de um governo de esquerda – ou de esquerdas, se quisermos – mas sim de um Orçamento do Governo do PS. Nesse sentido, nós partimos para esta batalha procurando concretizar ao máximo os conteúdos da posição conjunta.
Mas isso amarra de algum modo o PCP? Há quem acuse o PCP de ter deixado cair as suas «bandeiras» e contentar-se com muito pouco. Há até quem vá mais longe e veja na posição conjunta do PCP e do PS um acto de cedência que não salvaguarda os interesses dos trabalhadores e do povo. Que tens a dizer a estas apreciações?
Creio que é importante sublinhar o seguinte: repor salários e direitos dos trabalhadores, mais justiça social, travar as privatizações, defender os serviços públicos eram bandeiras que não eram apenas do PCP, mas também dos trabalhadores e do povo que lutaram muito contra a política de exploração e empobrecimento com que foram fustigados durante estes últimos anos. Durante o processo de discussão e votação na especialidade do OE muitas propostas nossas não tiveram vencimento. Não abdicamos delas e continuaremos a lutar para as alcançar. Um exemplo concreto é o aumento das reformas e pensões. Ou seja, não abdicamos de nada, não há cedências. Há um compromisso assumido que define uma convergência: tratou-se de dar resposta a algumas questões mais imediatas a que os trabalhadores e as populações aspiravam. Diria mesmo que esta questão de repor salários, repor direitos, de certa forma repôs a esperança que muitos portugueses com as vidas infernizadas pelo PSD/CDS tinham perdido.
Contradições e constrangimentos
Aprovado o OE, novos desafios se colocam, sendo de esperar constrangimentos resultantes das opções políticas de fundo do PS e dos seus compromissos europeus. Como se propõe o PCP prosseguir a sua intervenção para defender, repor e conquistar direitos?
Nós nunca calámos as diferenças e as divergências com o PS em relação às políticas da União Europeia. Por exemplo, em relação à ajuda financeira para a Turquia e para a Grécia, em que em relação aos refugiados se procurou reforçar a Europa fortaleza, tratando de forma desumana, cruel quem foge da morte e da guerra, nós, independentemente do destino da proposta, votámos contra. Essa proposta só não foi derrotada porque o PSD não o permitiu. É um exemplo concreto da nossa posição clara, de como continuamos a manifestar a nossa discordância do que consideramos que não serve o interesse nacional.
A contradição existente entre a defesa, reposição e conquistas de direitos, e os ditames e constrangimentos da União Europeia só pode ser superada, do nosso ponto de vista, num quadro de afirmação da nossa soberania, com o fim da submissão ao euro, à União Económica e Monetária, à União Bancária, aos tratados que nos impõem regras draconianas, a par do problema da dívida e do serviço da dívida que continua a ser um sufoco na perspectiva que temos da necessidade de crescimento, de desenvolvimento económico e da libertação do nosso País da política que serve o capital monopolista.
É curioso verificar que hoje se levantam vozes em vários sectores, incluindo de direita, que vêm dar razão a essa posição do PCP…
É importante referir isso, pois mostra que a vida veio dar razão ao PCP. Há 30 anos – faz este ano 30 anos da adesão de Portugal à CEE – o nosso Partido foi o único a afirmar que essa integração teria consequências nefastas para o nosso País, para a nossa economia… Na altura pareceu que dissemos quase uma blasfémia. Hoje, perante a realidade concreta, tendo em conta o grau de destruição do nosso aparelho produtivo, da nossa produção nacional, das medidas draconianas que nos são impostas, são muitos os portugueses que confirmam que o PCP tinha razão. Creio que hoje, quando, por exemplo, insistimos na necessidade de renegociação da dívida, já são muitos os que nos ouvem. Há quatro anos, aquando da vinda da troika, sublinhámos a necessidade de renegociação da dívida e consequentemente do serviço da dívida como elemento fundamental para o aumento da produção nacional e para o desenvolvimento económico. Não se tratou de um palpite. Esta posição resultou de uma análise rigorosa das inevitáveis consequências do confronto de economias tão diferenciadas. Dizíamos na altura que era o confronto entre a panela de barro e a panela de ferro… O resultado aí está a demonstrar que tínhamos razão.
A «panela de ferro» continua a exercer pressões… As instituições da União Europeia, as agências de notificação financeira, o FMI, o BCE, dizem estar preocupados com o nosso crescimento económico, que o Governo estaria a pôr em causa, e arrogam-se o direito de se ingerir na vida interna do País, com pressões e chantagens. Como avalias esta situação? E qual o papel do PSD e do CDS neste contexto?
Ingerem-se com pressões, chantagens e eu acrescento: até com hipocrisia. Vejamos dois exemplos: as instituições europeias reconhecem que as políticas levadas a cabo nestes quatro anos aumentaram as injustiças sociais e agravaram os problemas nacionais, mas o que propõem é continuar a aplicar a mesma receita… Segundo: sufocam a nossa produção nacional, de que é exemplo a situação dramática em que se encontram os sectores do leite e da suinicultura; liquidaram as quotas leiteiras, obrigaram à redução da produção e na falta de apoios comunitários dizem-nos que é preciso reforçar os apoios nacionais a estes sectores, ao mesmo tempo que dizem que não podemos fazer mais despesa com novos apoios. São inaceitáveis manifestações de hipocrisia.
Quanto ao PSD e CDS, que desde a nova solução política encontrada rezam a todos os santinhos para que a pressão e a chantagem externa aumentem, o que posso dizer é que revelam não ter um mínimo de brio patriótico nem estarem preocupados com a defesa do interesse nacional.
Ainda sobre a hipocrisia e os alegados apoios, do que se trata é de apoios para não produzir…
Exactamente. Nós respondemos a essa questão com a nossa proposta de uma política patriótica e de esquerda. Consideramos que devia ser um desígnio nacional o aumento da produção, do nosso aparelho produtivo, como factor criador da riqueza, como elemento fundamental para criar mais emprego, defendendo as nossas empresas, os sectores estratégicos, fazendo investimentos com meios que resultariam fundamentalmente da renegociação da dívida e do serviço da dívida. Cremos ainda haver uma necessidade absoluta do controlo público da banca comercial. Ou seja, não aceitamos a «inevitabilidade» de que temos de ter uma economia assente nos baixos salários, na exploração desenfreada dos trabalhadores portugueses. Tal como muitos evoluíram na forma como encaram as nossas propostas, também hoje muitos se interrogam sobre estas políticas. No fundo questionam-se se sim ou não podemos fazer a afirmação da nossa soberania, se deve ser o povo português a definir o seu devir colectivo. Esta é a questão que está aí com uma grande actualidade.
É preciso continuar a luta
Tens afirmado que o tempo não é de expectativa e atentismo, mas sim de participação e acção. Porque enfatizas tanto este aspecto?
Nós chegámos onde chegámos porque os trabalhadores e o povo português lutaram muito. Só é possível chegar mais longe se essa luta continuar. É natural que quem tanto lutou, quem viu o governo PSD/CDS fora das suas vidas, quem viu que algumas questões mais imediatas tiveram resposta positiva, possa sentir-se aliviado com esta nova realidade. A verdade é que esta situação não dispensa, antes exige acção, participação e luta para consolidar e alcançar novos avanços no sentido de uma vida melhor. Do nosso ponto de vista, os avanços registados são insuficientes e limitados, ainda que positivos. Ocorre perguntar que Orçamento teríamos se fosse um Orçamento do PSD/CDS. Isto não é uma mera especulação: nós conhecíamos o conteúdo das propostas do PSD e do CDS em relação à Segurança Social, às privatizações, à lei dos despedimentos, à contratação colectiva… Era de facto uma linha de aprofundamento da ofensiva da direita. A situação alterou-se mas é preciso continuar a lutar por essa vida melhor que nós defendemos. O PCP prosseguirá esse objectivo nas instituições, mas será tão mais possível a sua concretização quanto mais os destinatários – os trabalhadores e o povo português – forem actores desse processo.
O PCP tem dito repetidamente que a «Posição Conjunta do PS e do PCP sobre solução política» salvaguarda a afirmação de independência e identidade do Partido, que não prescinde do seu Programa e do seu Projecto. Como se conjuga essa posição com as expectativas que se criaram com esta nova correlação de forças na Assembleia da República?
No processo que resultou da Posição Conjunta do PS e do PCP sobre solução política tivemos sempre um posicionamento muito sério e muito claro: cada um não exigiu nunca que a outra parte deixasse de defender o que defende e de ser o que é. Como dissemos, nós não abdicámos da nossa independência, da nossa identidade, da convicção de que é necessária uma política alternativa patriótica e de esquerda capaz de dar respostas estruturantes aos grandes problemas nacionais. Sabemos que isso é tanto mais possível quanto maior for o reforço da influência política, social e eleitoral do PCP.
A solução política encontrada resultou de uma conjuntura muito concreta. Honrámos a palavra dada na convergência e no grau de compromisso que assumimos com o PS, sem esquecer nunca que o nosso principal compromisso continua a ser com os trabalhadores e com o povo português. Não estamos amarrados a qualquer submissão ou obrigação. Continuaremos a ser uma força de proposta construtiva mas simultaneamente com a afirmação própria de um Partido portador de uma política alternativa.
E o PS está ciente dessa posição?
Sim. Em todas as reuniões de trabalho que tivemos, sempre num quadro bilateral, o Partido Socialista assumiu o respeito por esta posição do nosso Partido. Muitas vezes a comunicação social questiona por que é que os quatro partidos que permitiram a viabilidade desta solução política não se juntam. Pela nossa parte, consideramos que essa amálgama não traria mais clarificação, mas traria sim mais confusão. Nessas reuniões bilaterais mantemos as nossas propostas, as nossas reservas e o nosso combate ao que consideramos negativo.
De qualquer modo a Posição Conjunta traduziu-se na aprovação deste Orçamento do Estado. Isto significa que a solução política encontrada é duradoura, isto é, terá a vida desta legislatura?
Gostaria de realçar que durante as reuniões com o Partido Socialista houve uma tendência para que nós afirmássemos que iríamos viabilizar o OE, como elemento da solução ser duradoura. A nossa posição foi clara: não podíamos viabilizar ou inviabilizar uma coisa sem a conhecer. Nesse sentido, o que afirmámos foi que estaríamos dispostos a examinar a proposta de OE e decidir em conformidade. Quanto à pergunta em concreto, o que dizemos é que a solução encontrada será tanto mais duradoura quanto mais respostas positivas se concretizarem. Isto é que é o fundamental e decidirá da durabilidade da solução política.
Isso não é um bocado «navegar à vista»?
Não diria isso. Ali ninguém está a enganar ninguém. Nós somos este Partido Comunista Português que tem um projecto, um ideal, objectivos, uma proposta alternativa. Quanto ao PS, também não nos iludimos, sabemos que não se liberta desses constrangimentos e dessas políticas e instrumentos da União Europeia. Há aqui uma contradição por parte do PS. No que nos diz respeito, quando afirmamos que somos um partido sério, o que estamos a afirmar é que não dizemos uma coisa nas reuniões com o PS e outra coisa em termos públicos. É com este partido que o PS dialoga e com quem procura a convergência possível, reconhecendo as diferenças e as divergências.
Há outro rumo
Já referiste que o Governo PS não rompeu com constrangimentos que impedem uma verdadeira política patriótica e de esquerda. Como é que o PCP pode criar condições para romper de facto com a política de direita?
Nós verificamos que quase todas as forças políticas proclamam a necessidade de investimento, de desenvolvimento, de criar mais emprego, de promover maior justiça social, de aumentar a produção nacional, de criar mais riqueza (e já agora um parêntesis para dizer que só quase nós acrescentamos «e distribuí-la melhor»)… Pois bem, como é que isso se concretiza se não se vence os constrangimentos e obstáculos que nos são impostos, se se promove os interesses do capital monopolista? Do nosso ponto de vista, só com a ruptura com a política de direita e as imposições da União Europeia, só com a afirmação da nossa soberania política e económica podemos encetar um caminho novo. Agora está na ordem do dia a questão da banca, com a possibilidade de os centros de decisão serem deslocalizados e centralizados, designadamente em Espanha. Muitas vozes se levantam contra. Mas como é que se pode estar contra isso e simultaneamente estar de acordo com o avanço da União Bancária que precisamente prevê essa deslocalização e centralização? Do nosso ponto de vista esta contradição é insanável. O que serve o interesse nacional é o controlo público da banca. A política patriótica e de esquerda que propomos, com os eixos centrais nela definidos, demonstra que há outro rumo possível. É fácil? É simples? Claro que não. Mas partindo da necessidade há que afirmar a possibilidade de uma política alternativa com a ruptura com essas opções e políticas dominantes.
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Em Dezembro, há Congresso do Partido
A participação dos militantes
é «uma das nossas maiores riquezas»
O PCP realiza este ano o seu XX Congresso. Como vês a sua preparação? Achas que nesta nova situação política, que como tens afirmado é de grande exigência, o Congresso poderá ser de alguma forma secundarizado?
No Comité Central consideramos que não podemos fechar para Congresso, mas que também não o podemos secundarizar. Acreditamos que o colectivo partidário, as organizações e militantes do Partido vão demonstrar que a preparação do Congresso se faz profundamente associada à acção e à luta quotidianas.
Se estamos a discutir e a tomar medidas para o reforço do Partido nas empresas e locais de trabalho, essa discussão é inseparável do projecto de Teses-Resolução Política que temos que construir nas diversas fases que decidimos. Se estamos a discutir o final da campanha nacional de fundos estaremos a discutir, em termos congressuais, a questão dos fundos do Partido. Se olharmos e reflectirmos sobre o mundo em que vivemos, discutimos a situação internacional, a correlação de forças, os perigos e potencialidades que dela decorrem e a contribuição que daremos, no Congresso, como Partido patriótico e internacionalista. O mesmo se pode dizer em relação à situação nacional e à intensificação e desenvolvimento da luta de massas e ao trabalho político unitário do Partido.
Mas a actividade do Partido é, neste momento, particularmente intensa…
Sim, temos neste momento em curso iniciativas muito diversas, como a campanha contra a precariedade e a acção de contacto com reformados e pensionistas. Mas não temos que discutir isto do ponto de vista das teses congressuais, onde cada um pode dar uma contribuição para que o Partido encontre o caminho mais certo, mais seguro e mais sólido para continuar a afirmar a sua perspectiva de que é possível uma vida melhor?
Que importância atribuis à participação dos militantes e organizações do Partido na preparação e construção do Congresso?
Creio que esta é uma questão decisiva. Há que fazer um esforço para ir o mais longe possível no envolvimento dos militantes e organizações. A nossa participação, o nosso contributo, pode muitas vezes não ser um tratado teórico, mas uma das maiores riquezas do nosso colectivo é precisamente a de poder contar com a opinião dos militantes, por mais singela que seja.
O Comité Central não decidiu documentos acabados, como acontece noutros partidos, em que o chefe, ou candidato a chefe, leva uma moção que o militante assina de cruz, sem discussão da essência, da substância. Esta diferença demonstra na prática a «profunda democracia interna» de que tantas vezes falamos e que também se vai verificar no Congresso, com a participação do nosso colectivo partidário em torno desta ideia: «como é que melhor podemos servir o nosso Partido?»
De que modo poderá o Congresso articular-se com as muitas e exigentes medidas de reforço do Partido já em curso e potenciar esse mesmo reforço?
Apesar de muitas vezes não parecer, a organização do Partido e o seu reforço continuam a ser a pedra angular quer do nosso projecto e da sua viabilização como do fortalecimento da nossa acção, intervenção e luta. A organização e o seu reforço não é «mais uma tarefa», é uma questão fundamental com um sentido dialéctico: mais organização, melhor intervenção/ mais intervenção, melhor organização. A concretização da campanha de reforço do Partido será parte integrante das conclusões do Congresso.
Há hoje quem considere que a organização «não está a dar» e que são precisas «novas fórmulas», mas o que a realidade demonstra é precisamente a importância decisiva da organização do Partido.
Nas tuas intervenções costumas sublinhar a existência de um ambiente de unidade, coesão e confiança no Partido. As contradições de um processo tão acidentado como este, que o PCP, com a sua intervenção determinante, contribuiu para criar, não poderão perturbar esse clima, com reflexos negativos na preparação do próprio Congresso?
É verdade que a solução política encontrada comporta complexidades, mas aquilo que sentimos nas grandes iniciativas de comemoração do 95.º aniversário do Partido foi precisamente esse ambiente de unidade, confiança e coesão. Preocupações? Dúvidas? Incertezas? Sim, quem não as tiver anda distraído. Mas o que prevalece é a confiança no nosso Partido. Foi assim em Lisboa, no Porto, em Setúbal, no Alentejo, no Tortosendo. A forma como se ouve as posições do Partido, como se sublinha este ou aquele aspecto, leva-me a afirmar com toda a segurança que existe de facto unidade e coesão no PCP.
O Comité Central decidiu não haver razões para a alteração do Programa e dos Estatutos do Partido neste Congresso. Queres explicitar essas razões?
No anterior Congresso, realizámos uma discussão aprofundada em torno das alterações do Programa e dos Estatutos. Lendo e relendo hoje esses documentos fundamentais para a vida do Partido – e essa revisitação é importante ser feita – consideramos que mantém uma grande actualidade e validade. É esta a razão.
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Projecto de emancipação e libertação
Estamos a dois dias das comemorações do 40.º aniversário da aprovação e promulgação da Constituição da República Portuguesa de 1976. Faz sentido continuar a defender esta Constituição?
Faz todo o sentido. Apesar de ela ter sido empobrecida e enfraquecida por sucessivas revisões e de muitas das suas normas não serem efectivadas, é uma Constituição que continua do lado dos trabalhadores, do povo e da democracia, que comporta e projecta muitos dos valores de Abril. Basta reparar no ódio que sectores da direita política e económica continuam a ter em relação à Constituição, procurando sempre uma oportunidade de a rever para a mutilar…
Essa expressão, «valores de Abril», que passou a constar no próprio título do Programa do Partido na sequência das alterações aprovadas no XIX Congresso, que conteúdo tem?
Os valores de Abril expressam Revolução e conquistas, direitos que ela consagrou, tal como a soberania e a independência nacionais. Quando um jovem luta pela escola pública, contra as propinas, está a lutar pelos valores de Abril. Quando trabalhadores exigem trabalho com direitos estão a defender os valores de Abril. Quando as populações defendem o seu direito à saúde, à educação e à protecção social na doença, na infância, na velhice e no desemprego, o acesso à Justiça e o efectivo direito à criação e fruição cultural estão, na realidade, a afirmar os valores de Abril. Mesmo que não lhes chamem assim… A expressão tem este carácter intrínseco, resultante da Revolução de Abril.
Outra expressão constante no Programa do Partido é a «Democracia Avançada», assumida como etapa da luta pelo socialismo e pelo comunismo. Que democracia é esta?
Nós consideramos que essa é uma etapa do processo de emancipação e de libertação dos trabalhadores e dos povos que tem, nos seus conteúdos programáticos, respostas mais avançadas do que a própria Constituição da República. É uma democracia política, económica, social e cultural (a que se junta a vertente da soberania e da independência nacionais), que rompe com a política de direita e as imposições do capital monopolista. Responde a muitas das grandes questões e objectivos por que lutamos numa sociedade socialista.
Mas esta etapa não define ficar-se por aí. Não perdemos uma perspectiva de horizonte mais largo, a construção do socialismo e do comunismo, num processo de transformação que resultará da luta do nosso Partido mas fundamentalmente da luta do nosso povo.
Tens referido, nomeadamente em iniciativas de comemoração do 95.º aniversário do Partido, que o ideal e o projecto comunistas continuam actuais. Como se pode materializar em Portugal e no mundo de hoje, a viverem uma crise tão profunda, esse projecto e esse ideal?
O nosso ideal e nosso projecto comportam esse sonho milenar do ser humano de se libertar da exploração de um homem por outro homem, um sonho que não morre nem acaba. Mesmo numa correlação de forças tão desfavorável aos trabalhadores e aos povos, quando resistir é já vencer e com a inquietação que nos percorre tendo em conta a situação que hoje existe à escala planetária, temos aquela confiança que nos vem da convicção de quem acredita no ser humano e no seu anseio de liberdade e emancipação. E depois, estaremos de acordo que, apesar de tudo, «o mundo move-se».
Este Partido, que fez agora 95 anos, conheceu as situações mais dramáticas ao longo do seu percurso, foi capaz de seguir em frente e quer ir mais além. Sem este Partido, com a sua identidade, a sua ideologia, a sua natureza, o seu projecto e o seu ideal, estaríamos hoje confrontados com ainda mais retrocessos. Os trabalhadores e povo português precisam deste Partido. 95 anos é um tempo curto na vida de um povo, mas foi um tempo suficiente na vida de um Partido para mostrar a validade e actualidade do seu projecto e do seu ideal.

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