Raposa do Ártico
Os seres humanos têm um gosto bastante peculiar. Sol, temperatura amena, ar fresco e bebidas refrescantes podem fazer a alegria de qualquer pessoa, mas seriam desagradáveis e até mortais para outros organismos.
É que, na natureza, muitas espécies se especializaram em viver em ambientes tão diferentes do nosso que jamais se contentariam com sombra e água fresca. Para esses bichos, bons mesmo são lugares escaldantes, congelantes, com extremos de pressão, toxinas aos montes, falta de água ou de oxigênio. São os chamados seres extremófilos, os habitantes dos piores lugares do planeta.
Uma das maneiras de sobreviver a isso tudo é jogar na retranca e não encarar de frente as dificuldades – muitos deles “desligam” o metabolismo até que a situação volte ao normal. E olha que a espera pode demorar: esporos de bactérias achados em cristais de sal continuavam inteiros depois de 250 milhões de anos. Para alguns cientistas, é possível que eles nunca morram.
Os grandes desertos só são desertos na nossa imaginação. Não existe nesses locais nenhum terreno estéril: cada centímetro possui plantas, animais ou microorganismos. A dificuldade de se viver ali, como se sabe, é a escassez de água, um dos fatores mais essenciais à vida. Além de compor muitas moléculas, a água é o meio em que acontecem as reações químicas dos organismos.
A principal solução para escapar desse problema é fugir do calor. O maior refúgio do deserto é o subsolo, um lugar com bem menos sol e mais umidade que a escaldante areia da superfície. Em épocas de seca, um sapo do deserto de Sonora, Estados Unidos, se enterra a quase 1 metro de profundidade e permanece ali por até nove meses.
Formigas e cupins, os principais invertebrados de muitos desertos, constroem a parte visível de seus ninhos em posições estratégicas para receber mais raios solares no início ou fim do dia, e menos quando o sol está mais forte. Os vegetais fazem diferente.
As plantas do deserto têm de duas a seis vezes mais tecidos embaixo da terra do que em cima e, para aumentar suas chances de obter água, espalham-se por uma área enorme. Algumas chegam a lançar as raízes mais de 75 metros para os lados.
Quem quiser permanecer ativo durante os momentos mais secos precisa de algumas adaptações. O camelo é um animal valioso em desertos por viver até 15 dias sem beber em um calor de mais de 30 graus centígrados.
Nos meses mais frios, ele retira toda a água que precisa dos alimentos que consome.
O segredo é aguentar níveis de desidratação que matariam um ser humano e absorver o máximo de líquido quando tiver chance: ao encontrar água, ele pode beber 130 litros – ou uma banheira cheia – de uma só vez.
Além disso, o pelo reflete a luz solar, a urina é concentrada, cavidades no nariz absorvem a umidade do ar e, em vez de tentar esfriar o organismo, ele simplesmente deixa a temperatura do corpo flutuar.
Cada espécie da região tem seus artifícios para descolar mais água. Um besouro da Namíbia, por exemplo, possui cavidades em seu corpo capazes de coletar a umidade do ar. Outros insetos são capazes de agüentar altos níveis de desidratação – ou seja, continuar funcionando mesmo quando o sangue está muito concentrado.
O extremo dessa habilidade está nos organismos em que o metabolismo pára porque o corpo desidratou quase completamente – o maior animal a conseguir esse feito é a larva da mosca Polypedilium vanderplanki, com meio centímetro de comprimento. Nessa espécie de hibernação forçada, a larva resiste a situações ainda mais extremas, como temperaturas acima de 100 graus centígrados ou abaixo de zero.
Vida no gelo
Imagine morar em um lugar onde a temperatura média gira em torno de zero grau e você terá uma idéia do que é viver perto dos pólos. Para piorar, o frio não é o único problema da região: o ambiente tem alta incidência de raios ultravioleta e pouquíssima chuva.
No deserto de Ross, a maior área da Antártida livre de gelo, não caiu sequer uma gota nos últimos 2 milhões de anos. Nas outras regiões polares, a água é até abundante, mas está congelada e, portanto, indisponível para os seres vivos. Mesmo assim, a vida está lá. Há, por exemplo, uma espécie de líquen na Antártida que continua a fazer fotossíntese em um frio de 10 graus negativos.
A estratégia de fugir das condições extremas funciona bem aqui – muitos bichos habitam as regiões mais frias apenas durante o verão. Pinguins e leões-marinhos, os maiores animais da Antártida, habitam e se reproduzem no continente, mas correm para o mar quando é preciso pegar comida ou fugir do frio (a água do mar que permanece líquida nunca está abaixo de 1,9 grau negativo). Os únicos animais que habitam o continente durante o inverno – acarinos e colêmbolos – não passam de 2 milímetros. A honrosa exceção fica para o pingüim-imperial, que passa o verão engordando e o inverno chocando os ovos de seus filhotes.
O grande perigo dessas regiões é congelar. Quando isso acontece, milhões de cristais de gelo se formam nos tecidos e separam as células. Além disso, rompem os vasos sanguíneos, o que significa que, ao descongelar, os tecidos ficam parecendo mingau. Os órgãos param e deixam de fornecer oxigênio ao corpo. Se isso não for suficiente para matar, à medida que a água se transforma em gelo, o sangue se torna muito concentrado e destrói várias células. Pense nisso se você tiver a intenção de se congelar numa câmara criogênica quando estiver à beira da morte.
Os animais maiores fogem desse risco migrando para o calor ou se aquecendo com camadas de gordura e pêlo. Mas como os pequeninos – que não podem viajar nem se proteger – fazem para sobreviver? O segredo é que a pequena quantidade de água desses organismos permanece líquida mesmo a dezenas de graus abaixo de zero. Isso acontece porque, para que o gelo se forme, é preciso que exista um primeiro cristal a partir do qual o resto da água congela. Esses seres eliminam de seu corpo substâncias que possam aglutinar o gelo, se protegem para evitar que a neve de fora invada seu corpo e ainda produzem substâncias anticongelantes. Manhas como essas são muito bem-sucedidas: uma mosca-do-ártico (Rhabdophaga strobiloides) aguenta até 56 graus abaixo de zero antes de congelar.
O problema é que a estratégia é arriscada. Basta um chacoalhão que forme o primeiro cristal e, pimba, o bicho vira gelo da maneira mais rápida e violenta possível. Por isso, algumas espécies preferem encarar o congelamento, mas de modo controlado e que garanta a sobrevivência ao derreter. A ideia é congelar lentamente para que o corpo se adapte e para evitar que o gelo invada o interior das células. Muitos desidratam os tecidos para diminuir a extensão do congelamento e evitar que os órgãos se destruam. Outros possuem proteínas que evitam que o gelo forme cristais muito grandes, que acabariam com algumas células. Com esses truques, a larva da mosca Chymomyza costata suporta até 100 graus negativos, enquanto um gafanhoto das montanhas da Nova Zelândia congela quase toda a água disponível em seu corpo.
O problema é que a estratégia é arriscada. Basta um chacoalhão que forme o primeiro cristal e, pimba, o bicho vira gelo da maneira mais rápida e violenta possível. Por isso, algumas espécies preferem encarar o congelamento, mas de modo controlado e que garanta a sobrevivência ao derreter. A ideia é congelar lentamente para que o corpo se adapte e para evitar que o gelo invada o interior das células. Muitos desidratam os tecidos para diminuir a extensão do congelamento e evitar que os órgãos se destruam. Outros possuem proteínas que evitam que o gelo forme cristais muito grandes, que acabariam com algumas células. Com esses truques, a larva da mosca Chymomyza costata suporta até 100 graus negativos, enquanto um gafanhoto das montanhas da Nova Zelândia congela quase toda a água disponível em seu corpo.
As adaptações se sofisticam nas cinco espécies de sapo e duas de tartaruga capazes de aguentar o congelamento. A estratégia do sapo é liberar adrenalina, que acelera batimentos cardíacos para garantir o oxigênio para os tecidos. Também aumenta a glicose no sangue em até 200 vezes para diminuir a concentração de água no organismo. Dessa forma, ele lentamente se adapta à formação de gelo e ao derretimento, que pode levar um dia inteiro.
Vida sob pressão
Os seres vivos são como o ambiente de trabalho de qualquer empresa: precisam de um nível ideal de pressão para funcionar. Coloque no topo de uma montanha um animal acostumado a viver no fundo do mar e ele morrerá em segundos. Existem microorganismos capazes de sobreviver no vácuo e outros que vivem e crescem no ponto mais profundo dos oceanos, a nada menos que 11 mil metros de profundidade – um lugar onde a pressão é tanta que seria equivalente a ter um peso superior a mil quilos em cada centímetro quadrado do seu corpo.
Durante muito tempo, os cientistas imaginaram que o fundo do mar não tinha vida. Além da pressão, a região é longe da superfície e recebe dela pouquíssimos nutrientes. Foi só nos anos 60 que cientistas começaram a pesquisar o ambiente e perceber que havia vida por lá – e muita. Hoje, as apostas mais conservadoras sobre a diversidade no fundo dos oceanos avaliam que exista lá ao menos meio milhão de espécies (só para comparar, conhecem-se hoje 160 mil espécies marinhas). Mesmo o buraco mais profundo é habitado por bactérias, pepinos-do-mar e vermes. O fundo do mar passou a ser considerado o maior ambiente da terra.
Evitar ser esmagado pelo peso desse lugar é fácil – basta igualar a pressão interna e a externa – mas esse não é o único problema. Muitas das proteínas do nosso corpo são sensíveis à pressão e, além disso, algumas das reações químicas que ocorrem no nosso interior podem ser inibidas por tanto peso. Esse fatores forçam os organismos a desenvolverem um metabolismo diferente, com enzimas resistentes à pressão e membranas mais resistentes.
Existem duas formas de se conseguir comida por lá. A primeira é aproveitar os poucos nutrientes que afundam. A outra é fazer a própria matéria orgânica, como é o caso em um dos ambientes mais extremos que se conhece, uma espécie de filial do inferno. Essas regiões abissais, semelhantes a vulcões, jorram materiais superaquecidos, formando novos solos e separando as placas tectônicas. Ali, onde a água ultrapassa os 350 graus centígrados, vivem bactérias, moluscos gigantes, siris, peixes e vermes em forma de tubo com até 11,5 metros de comprimento. Esse povo todo sobrevive de uma fonte de energia bem pouco usual: os ferros e sulfetos que emergem junto à água quente. Bactérias presentes nesse ambiente conseguem reagir essas substâncias com oxigênio para obter energia e se desenvolver. Com essa habilidade, servem de base para todo o ecossistema. O problema é que, para conseguir essas substâncias, bactérias e animais precisam estar próximos das áreas mais quentes dos oceanos. Um desses seres, descoberto em agosto, é um tipo de bactéria capaz de crescer em temperaturas de até 121 graus centígrados, o que a faz a recordista de temperatura do planeta.
Parece o pior lugar do mundo, não? Talvez não, porque há outro, embaixo de seus pés, quase tão terrível. O subsolo reúne diversas bactérias, fungos e protozoários em profundidades que, estima-se, podem chegar a até 7 quilômetros. O estilo de vida é parecido: o calor é estúpido e a luz, inexistente. Os microorganismos chegam até lá pelo movimento da água e se fixam em minúsculos poros da rocha. Em terrenos mais recentes, eles vivem de decompor matéria orgânica enterrada há milhões de anos. Nas profundidades maiores, a única solução é apelar para o truque de decompor ferro e sulfetos. Algumas dessas comunidades podem ter se isolado da superfície há muitos milhões de anos. Por contar com poucos nutrientes à sua volta, elas se desenvolvem de forma muito, muito lenta, talvez se reproduzindo uma única vez em algumas centenas de anos. Mesmo com tanta dificuldade para sobreviver, o ambiente é tão grande que, para alguns cientistas, eles podem ser numerosos a ponto de rivalizar com a quantidade de matéria viva presente na superfície.
Evitar ser esmagado pelo peso desse lugar é fácil – basta igualar a pressão interna e a externa – mas esse não é o único problema. Muitas das proteínas do nosso corpo são sensíveis à pressão e, além disso, algumas das reações químicas que ocorrem no nosso interior podem ser inibidas por tanto peso. Esse fatores forçam os organismos a desenvolverem um metabolismo diferente, com enzimas resistentes à pressão e membranas mais resistentes.
Existem duas formas de se conseguir comida por lá. A primeira é aproveitar os poucos nutrientes que afundam. A outra é fazer a própria matéria orgânica, como é o caso em um dos ambientes mais extremos que se conhece, uma espécie de filial do inferno. Essas regiões abissais, semelhantes a vulcões, jorram materiais superaquecidos, formando novos solos e separando as placas tectônicas. Ali, onde a água ultrapassa os 350 graus centígrados, vivem bactérias, moluscos gigantes, siris, peixes e vermes em forma de tubo com até 11,5 metros de comprimento. Esse povo todo sobrevive de uma fonte de energia bem pouco usual: os ferros e sulfetos que emergem junto à água quente. Bactérias presentes nesse ambiente conseguem reagir essas substâncias com oxigênio para obter energia e se desenvolver. Com essa habilidade, servem de base para todo o ecossistema. O problema é que, para conseguir essas substâncias, bactérias e animais precisam estar próximos das áreas mais quentes dos oceanos. Um desses seres, descoberto em agosto, é um tipo de bactéria capaz de crescer em temperaturas de até 121 graus centígrados, o que a faz a recordista de temperatura do planeta.
Parece o pior lugar do mundo, não? Talvez não, porque há outro, embaixo de seus pés, quase tão terrível. O subsolo reúne diversas bactérias, fungos e protozoários em profundidades que, estima-se, podem chegar a até 7 quilômetros. O estilo de vida é parecido: o calor é estúpido e a luz, inexistente. Os microorganismos chegam até lá pelo movimento da água e se fixam em minúsculos poros da rocha. Em terrenos mais recentes, eles vivem de decompor matéria orgânica enterrada há milhões de anos. Nas profundidades maiores, a única solução é apelar para o truque de decompor ferro e sulfetos. Algumas dessas comunidades podem ter se isolado da superfície há muitos milhões de anos. Por contar com poucos nutrientes à sua volta, elas se desenvolvem de forma muito, muito lenta, talvez se reproduzindo uma única vez em algumas centenas de anos. Mesmo com tanta dificuldade para sobreviver, o ambiente é tão grande que, para alguns cientistas, eles podem ser numerosos a ponto de rivalizar com a quantidade de matéria viva presente na superfície.
Existem em todo canto lugares ácidos ou alcalinos demais, com radioatividade ou sem oxigênio, que colocam desafios à vida – e que são habitados. O telhado de uma casa, por exemplo, pode ter um enorme calor durante o dia e geadas durante a noite. Apesar de receber chuvas, os líquidos logo escorrem e o lugar volta a ser um deserto. E, no entanto, eles abrigam insetos, musgos e vários outros seres.
Lugares inóspitos podem estar ainda mais perto. Seu estômago, por exemplo, é bem ácido. Uma camada de muco nos protege de seus efeitos, mas a maioria dos seres é destruída ao dar um rolê por ali. No entanto, todo mundo que já teve uma doença do sistema digestivo sabe que alguns micróbios passam ilesos pelos ácidos. A estratégia mais comum desses parasitas é atravessar o estômago na forma de cistos, protegidos por uma casca, e só se desenvolver quando já estiverem fora dali.
As condições em que vivemos são bem extremas e matariam boa parte dos animais dessa matéria. O nosso clima destruiria as bactérias dos vulcões submarinos e faria ferver alguns bichos polares. A pressão explodiria muitos dos seres do fundo dos oceanos. E, por fim, existem micróbios que seriam envenenados por oxigênio. O contato com esse gás produz substâncias tóxicas que seriam fatais se não tivéssemos enzimas que lidam com elas. No início da vida, quando os microorganismos não estavam acostumados com oxigênio, um ambiente como o nosso seria fatal. E, hoje, esse gás é vital para os animais. Assim como adquirimos a habilidade de respirar, os locais mais inóspitos podem ser confortáveis a quem desenvolve meios de sobreviver a eles. Se dermos tempo e chance para a evolução, poucas coisas serão realmente extremas para os seres vivos do planeta.
Lugares inóspitos podem estar ainda mais perto. Seu estômago, por exemplo, é bem ácido. Uma camada de muco nos protege de seus efeitos, mas a maioria dos seres é destruída ao dar um rolê por ali. No entanto, todo mundo que já teve uma doença do sistema digestivo sabe que alguns micróbios passam ilesos pelos ácidos. A estratégia mais comum desses parasitas é atravessar o estômago na forma de cistos, protegidos por uma casca, e só se desenvolver quando já estiverem fora dali.
As condições em que vivemos são bem extremas e matariam boa parte dos animais dessa matéria. O nosso clima destruiria as bactérias dos vulcões submarinos e faria ferver alguns bichos polares. A pressão explodiria muitos dos seres do fundo dos oceanos. E, por fim, existem micróbios que seriam envenenados por oxigênio. O contato com esse gás produz substâncias tóxicas que seriam fatais se não tivéssemos enzimas que lidam com elas. No início da vida, quando os microorganismos não estavam acostumados com oxigênio, um ambiente como o nosso seria fatal. E, hoje, esse gás é vital para os animais. Assim como adquirimos a habilidade de respirar, os locais mais inóspitos podem ser confortáveis a quem desenvolve meios de sobreviver a eles. Se dermos tempo e chance para a evolução, poucas coisas serão realmente extremas para os seres vivos do planeta.
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