A consciência de classe a transformar-se em consciência política
Lutar por direitos
Chama-se Maria. Enviou-nos um email onde relatava a situação vivida na fábrica em que trabalha. Pedia a nossa ajuda. Respondemos pedindo mais elementos e um contacto telefónico para que pudéssemos conversar mais em pormenor. Estabelecido o contacto, combinamos uma reunião. Disse que trazia mais duas colegas. Vieram três trabalhadoras.
A empresa foi visitada pelo anterior ocupante do Palácio de Belém. Na ocasião foi referenciada como uma empresa exemplar. As trabalhadoras – a maioria das muitas centenas de postos de trabalho são ocupados por mulheres – ainda pensaram fazer alguma coisa para, durante a visita, chamarem a atenção para os seus problemas ou não comparecerem no local de trabalho nesse dia. Não se sentiram seguras nem apoiadas. Não se fez nem uma coisa nem outra.
Maria revela-se muito bem preparada, sabe ao que vem, fundamenta as suas denúncias com documentação.
Maria revela-se muito bem preparada, sabe ao que vem, fundamenta as suas denúncias com documentação.
Marcámos outra reunião, Maria informa que vai trazer mais colegas. Assim foi. Agora são seis, todas mulheres e jovens. Já estão todas sindicalizadas. O sindicato vai intervir junto da administração e da Autoridade para as Condições de Trabalho. Elas vão prosseguir a sua acção de sensibilização junto de outros colegas. É preciso vencer o medo. Nesta, como em muitas outras empresas, os trabalhadores só têm deveres, os direitos ficam à porta.
Reina o medo, os colegas falam entre si com cuidado, o esquema é conhecido. Sistemas de vigilância, controlo apertado, coacção.
Paira a ameaça de encerramento da empresa e a sua deslocalização para Espanha. O rol de ilegalidades e discriminações é imenso: o Contrato Colectivo de Trabalho caducou, por iniciativa da associação patronal, pois claro. Se antes, com contrato, já faziam o que queriam, agora é o regabofe completo!
Não há horários de trabalho afixados, muitos dos trabalhadores não têm cópia do contrato que assinaram.
Há trabalhadoras com contrato a termo incerto há 17 anos! Outras há 10, 12, 15 anos!
As categorias profissionais não batem com as funções que cada uma desempenha.
Formação profissional é uma miragem. Conduz-se empilhadores sem formação ou com a licença caducada. Uma máquina avaria, o tempo em que esteve parada é descontado nos prémios dos respectivos trabalhadores!
Cortes indevidos nos subsídios de férias e de Natal e ainda durante o período pós-parto.
Estás a chegar ao fim do contrato? Sugerem que te despeças para seres readmitido passados poucos dias com outro contrato! E para dar um ar sério à coisa, mudas de serviço!
Mas esta empresa para além de exemplar é moderna. Faz regularmente questionários aos trabalhadores, para fazer de conta que os leva em consideração. Dizem para responder à vontade, que é confidencial mas, quem os recolhe, escreve por fora, a lápis, o nome do respectivo trabalhador!
Se alguém faz um comentário mais arrojado, a resposta é invariavelmente a mesma: Podem dar-se por satisfeitas com as ótimas condições que aqui têm… lá fora está muita gente que gostava de estar no vosso lugar…
Um Partido insubstituível
Vem tudo isto a propósito da campanha oportunamente lançada pelo nosso Partido sob o lema Mais direitos, mais futuro, não à precariedade.
É uma evidência que como resultado da política de direita, toda ela conduzida ao serviço do capital e em confronto com os mais elementares direitos de quem trabalha, a precariedade transformou-se numa importante arma do patronato contra os trabalhadores e os seus direitos, com os resultados que estão à vista.
Por aqui se percebe o porquê do ostensivo e sistemático desrespeito pela Constituição, o ataque ao movimento sindical de classe e um tão grande empenhamento pela consagração da caducidade da contratação colectiva.
De um lado, patronato com as costas quentes, do outro os trabalhadores impotentes para lhe fazer frente. Seria um final perfeito para o filme daqueles que vivem à conta da exploração de quem trabalha. Mas a coisa complica-se quando estes se apercebem das injustiças e transformam a sua revolta em consciência de classe. E com essa consciência se apercebem da importância de se unirem em torno da sua organização de classe e de lutarem pelos seus direitos.
É uma luta por direitos, pela melhoria das condições de trabalho e de vida, mas é também uma luta pela dignidade e pela liberdade.
Na próxima reunião, que já ficou apalavrada, por certo virão ainda mais algumas trabalhadoras.
Tomaram consciência da importância de se organizarem, de se unirem, de se sindicalizarem…
Não resistiremos a perguntar-lhes, em particular à Maria, o porquê de se ter dirigido a nós, ao PCP e não a outros. Estamos certos de qual será a resposta: o reconhecimento do papel, único e insubstituível, deste Partido na defesa dos direitos dos trabalhadores. Ou seja, a consciência de classe a transformar-se em consciência política.
Maria és bem-vinda, tu e as outras trabalhadoras!
Membro da Comissão Política
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