O poeta António Aleixo, cauteleiro e guardador de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pelas redondezas de Loulé, é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela poesia.
Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e tem lido meia dúzia de bons livros – não é capaz, porem, de escrever com correcção e a sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser considerado um poeta culto.
Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, ema expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar.
Alem disso, o tom sentencioso da maior parte das quadras que se reuniram e o facto de serem produto de uma espontaneidade, quase inacreditável para quem não conheça pessoalmente o poeta, justificam suficientemente a tentativa de dar a conhecer e de registar, em livro, uma inspiração raríssima, que seria injusto não divulgar.
António Aleixo compõe e improvisa nas mais diversas situações e oportunidades. Umas vezes, cantando numa feira ou festa de aldeia, outras, a pedido de amigos que lhe beliscam a veia; ora aproveitando traços caricaturais de pessoas conhecidas, ora sugestionando por uma conversa de tom mais elevado e a cuja altura sobe facilmente. De todas as maneiras, passeando, sozinho, a guardar umas cabras ou a fazer circular as cautelas de lotaria – sua mais habitual ocupação -, ou acompanhado por amigos, numa ceia ou num café, o poeta está presente e alerta e lá vem a quadra ou sextilha a fixar um pensamento, a finalizar uma discussão, a apreciar um dito ou a refinar uma troça. E, a forma é lapidar, o conceito incisivo e o vocabulário justo e preciso.
Os motivos e temas de inspiração são bastante variados. Note-se, porém, que não fere, com a habitual pieguice sentimental lusitana, a nota amorosa. E isto é bastante singular; uma ou outra pequena composição com esse carácter lírico foi quase sempre, de certeza, de inspiração alheia ou a pedido de qualquer moço amigo.
O que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano de moralista, com que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens. E, no fundo, muito embora não seja um revoltado, é a chaga aberta de um sofrimento íntimo, provocado por certas injustiças, a fonte dos seus desabafos. Com efeito, não pode ser mais pessoal e mais subtilmente dada a dor de um homem que tem mulher e filhos a sustentar com o mísero ganho de meia dúzia de cautelas por semana e vê todos os dias ir morrendo, sem possibilidade de assistência cuidada, uma filha tuberculosa:
Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se alguém disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.
Primavera de 1943
Joaquim Magalhães
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Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e tem lido meia dúzia de bons livros – não é capaz, porem, de escrever com correcção e a sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser considerado um poeta culto.
Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, ema expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar.
Alem disso, o tom sentencioso da maior parte das quadras que se reuniram e o facto de serem produto de uma espontaneidade, quase inacreditável para quem não conheça pessoalmente o poeta, justificam suficientemente a tentativa de dar a conhecer e de registar, em livro, uma inspiração raríssima, que seria injusto não divulgar.
António Aleixo compõe e improvisa nas mais diversas situações e oportunidades. Umas vezes, cantando numa feira ou festa de aldeia, outras, a pedido de amigos que lhe beliscam a veia; ora aproveitando traços caricaturais de pessoas conhecidas, ora sugestionando por uma conversa de tom mais elevado e a cuja altura sobe facilmente. De todas as maneiras, passeando, sozinho, a guardar umas cabras ou a fazer circular as cautelas de lotaria – sua mais habitual ocupação -, ou acompanhado por amigos, numa ceia ou num café, o poeta está presente e alerta e lá vem a quadra ou sextilha a fixar um pensamento, a finalizar uma discussão, a apreciar um dito ou a refinar uma troça. E, a forma é lapidar, o conceito incisivo e o vocabulário justo e preciso.
Os motivos e temas de inspiração são bastante variados. Note-se, porém, que não fere, com a habitual pieguice sentimental lusitana, a nota amorosa. E isto é bastante singular; uma ou outra pequena composição com esse carácter lírico foi quase sempre, de certeza, de inspiração alheia ou a pedido de qualquer moço amigo.
O que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano de moralista, com que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens. E, no fundo, muito embora não seja um revoltado, é a chaga aberta de um sofrimento íntimo, provocado por certas injustiças, a fonte dos seus desabafos. Com efeito, não pode ser mais pessoal e mais subtilmente dada a dor de um homem que tem mulher e filhos a sustentar com o mísero ganho de meia dúzia de cautelas por semana e vê todos os dias ir morrendo, sem possibilidade de assistência cuidada, uma filha tuberculosa:
Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se alguém disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.
Primavera de 1943
Joaquim Magalhães
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António Aleixo é sem dúvida nenhuma um poeta que extravasa em muito a restrição que o cataloga como poeta popular. É talvez um dos grandes poetas deste século pela jactância, pela sua capacidade de improviso e pela sua visão do mundo que, nesta curva do milénio, continua a ser o mesmo. Neste sentido está ao mesmo nível de dois outros grandes poetas que com uma cultura mais erudita, também se distinguem nesse aspecto: o Fernando Pessoa e o Vitorino Nemésio. Efectivamente, graças a um intelecto poderoso, António Aleixo conseguiu trabalhar as palavras ultrapassando a sua formação académica bastante rudimentar e as múltiplas limitações da sua saúde vacilante. Uma situação a que se refere uma das suas ultimas quadras, recordada pelo irmão de Tossan, Armando dos Santos: Quando em mim penso com calma
E me compreendo melhor
Bem merecia que a minha alma
Tivesse um corpo maior
25/2/1999
João Ventura
E me compreendo melhor
Bem merecia que a minha alma
Tivesse um corpo maior
25/2/1999
João Ventura
1906 – Os pais de António Aleixo transferem-se para Loulé
1907 – António Aleixo começa a frequentar a escola. Aprende as primeiras letras
1909 – Depois de dois anos de escola, primeira revelação do talento de improvisador a cantar as janeiras
1912 – Aprendiz de tecelão, o oficio do pai. De 1912 a 1919 é a pratica do ofício. Como cantador de improvisos, em festas, por convite de amigos, às vezes retribuído, vai treinando o seu jeito para versejar (ou versar, como ainda hoje se diz, na gíria popular dos poetas espontâneos)
1919 – Apurado para o serviço militar, em Faro
1920 – 18 de Janeiro – soldado no Regimento de Infantaria 4
29 de Abril – dado como pronto da instrução de recruta- passa à classe de soldado aprendiz de corneteiro
1922 – Alistamento na polícia, em Faro. É o guarda n.º44 um aumentado ao efectivo deste corpo de policia, como guarda de 2ª, em 7 de Julho, sendo comissário o cidadão Carlos Augusto Lyster Franco, professor e pintor
1923 – 27 de Novembro – louvado pelo mesmo comissário de polícia
1924 – Casamento, em Loulé
1928 – 1930 – Ida para França como servente de pedreiro
1931 – Regresso a Portugal
1931 – 1933 – Residência em Loulé. É cauteleiro e vende gravatas
1937 – Classificado em 4º lugar nuns jogos florais em Faro, no Ginásio Clube
1939 – 1940 – Um amigo do poeta, José Rosa Madeira, junta algumas quadras, em duas folhas de papel. Vão ser o núcleo do seu primeiro livro Quando Começo a Cantar…
1940 – Operação ao estômago, em Lisboa
1943 – Lançamento do primeiro livro, começando a vender no dia 25 de Abril, domingo de Páscoa, por iniciativa do Circulo Cultural do Algarve
- – Agravamento do estado de saúde. A tuberculose obriga a internamento, em Coimbra, no Sanatório dos Covões
– Maio – Primeira referência à publicação de Quando Começo a Cantar… em artigo de Cândido Marrecas no jornal de Beja
16 de Novembro de 1949 – Morte de António Aleixo. O poeta fica…
INTENCIONAIS – 1ª EDIÇÃO, Faro, 1945; 2ª edição, Lisboa, 1960
AUTO DA VIDA E DA MORTE (1 acto) – 1ª edição, Faro, 1948; 2ª edição, Faro, 1968
AUTO DO CURANDEIRO (1 acto) – 1ª edição, Faro, 1949; 2ª edição, Faro, 1964
ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO… Volume I, 18ª EDIÇÃO, Lisboa, 2003
ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO… Inéditos – Volume II , 13ª edição, Lisboa, 2003
INÉDITOS – 1ª edição, Loulé, 1978; 2º edição, Loulé, 1979
Caí nela, infelizmente…
Hoje vou, queira ou não queira,
Aos trambolhões na corrente.
Crês que ser pobre é não ter
Pão alvo ou carne na mesa?
Mas é pior não saber
Suportar essa pobreza!
O luxo valor não tem
Nos que nascem p’ra pequenos:
Os pobres sentem-se bem
Com mais pão luxo a menos!
A esmola não cura a chaga;
Mas quem a dá não percebe
Ou ela avilta, que ela esmaga
O infeliz que a recebe.
A ninguém faltava o pão,
Se este dever se cumprisse:
- Ganharmos em relação
Com o que se produzisse.
O homem sonha acordado;
Sonhando a vida percorre…
E desse sonho dourado
Só acorda, quando morre!
Quantas, quantas infelizes
Deixam de ser virtuosas…
E depois são seus juízes
Os que as fazem criminosas!...
Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.
Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quanto prometias…
Chegasses onde pudesses;
Mas nunca devias rir
Nem fingir que não conheces
Quem te ajudou a subir!
Os que bons conselhos dão
Às vezes fazem-me rir,
- Por ver que eles próprios são
Incapazes de os seguir.
Mesmo que te julguem mouco
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco:
Nunca darás troco a mais!
Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.
Se te censuram, estás bem,
P’ra que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!
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