Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Schengen e a Crise Migratória na Europa
Domenico Mario Nuti
Em nome do blog A Viagem dos Argonautas, agradecemos a Domenico Mario Nuti o envio e a disponibilização, para ser editado em língua portuguesa, do texto abaixo traduzido, intitulado Schengen e a Crise Migratória na Europa - O Espaço Schengen.
O Espaço Schengen.
O Acordo assinado em 14 de Junho de 1985, num barco no Mosela, perto da pequena cidade de Schengen (Luxemburgo), por cinco dos dez Estados que, nessa altura, formavam a Comunidade Europeia, aboliu efectivamente os controlos de passaportes e qualquer outro controlo fronteiriço entre os países signatários, passando, assim, todo o espaço a ser tratado como um único país. O Acordo foi complementado pela Convenção de Schengen de 1990, instituindo uma política comum de vistos. Inicialmente o Espaço Schengen estava fora das estruturas formais da UE, uma vez que, na altura, a iniciativa não reunia consenso geral, mas as respectivas regras e procedimentos foram depois incorporados no direito europeu pelo Tratado de Amesterdão de 1997, tendo entrado em vigor em 1999. Os cinco signatários iniciais (os três países do Benelux, a França e a Alemanha) foram gradualmente seguidos por outros 17, abrangendo, assim, todos os Estados membros da EU, com excepção da Irlanda e do Reino Unido, que optaram por ficar de fora, e quatro outros - Bulgária, Croácia, Chipre e Roménia - que desejam aderir, e aderirão certamente, mais cedo ou mais tarde, mas que ainda não se consideram reunir as condições para tal. Todos os quatro Estados membros da EFTA - Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça - também são membros associados do Espaço Schengen, embora não sejam membros da UE. Além disso, três microestados europeus - Mónaco, São Marino e Cidade do Vaticano - são considerados participantes de facto. Hoje, o Espaço Schengen tem uma população de mais de 400 milhões de pessoas.
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Ganhos líquidos
A criação do Espaço Schengen foi - em princípio - uma excelente decisão. A eliminação efectiva das fronteiras internas dentro do Espaço gerou economias consideráveis em termos de tempo de viagem e comodidade dos passageiros, gastos com funcionários e equipamentos, maior rapidez e menores custos de transporte de mercadorias. Um estudo recente da Fundação Alemã Bertelsmann estima o custo de uma possível desintegração do espaço Schengen em entre € 470 mil milhões e € 1,4 biliões ao longo da próxima década (cerca de 10% do PIB global dos 28 membros da UE), em resultado do aumento, entre 1% e 3%, dos preços das importações. A Alemanha perderia entre € 77 mil milhões e € 235 mil milhões, e a França entre € 85.5 mil milhões e € 244 mil milhões, em ambos os cenários. A desintegração do Espaço Schengen provocaria também pesadas perdas para outros países, com uma perda conjunta dos Estados Unidos e da China na próxima década estimada pelo mesmo estudo em entre € 91 mil milhões e € 280 mil milhões. A Comissão Europeia estimou que a reintrodução dos controlos permanentes nas fronteiras custaria anualmente entre € 5 mil milhões e € 18 mil milhões, devido a menos turismo e a maiores demoras nos transportes. Estas estimativas podem ser talvez algo exageradas, mas não há dúvida que, com a depressão actual da economia europeia, longa e severa, o impacto da desintegração de Schengen, ainda que parcial, iria piorar significativamente as perspectivas de crescimento da União, com repercussões globais.
Migrações
No meio século que mediou entre 1960 e 2010, o rácio da população que estava a trabalhar num país diferente do país de nascimento em relação à população mundial (corrigido das movimentações que ocorreram no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945) manteve-se relativamente estável, em torno de 3%, embora com uma clara tendência de aceleração, muito mais acentuada nas migrações Sul-Norte (ver a figura abaixo, onde o valor desse rácio em 1960 é definido como sendo igual a 1).
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Fonte: Docquier, Frédéric e Joel Machado (2015), “Revenu, Population et Flux Migratoires au 21ème siècle: Un défi sociétal pour l’Europe” in Studia Oeconomica Posnaniensia, Outubro 2014.
Nos anos seguintes, a aceleração continuou. Em 2015, os migrantes que entraram na Europa, na maioria a partir do Médio Oriente e da África, transformou-se numa verdadeira avalanche - os maiores fluxos desde 1945 – o que colocou os acordos de Schengen perante um teste extremamente grave: os membros da UE receberam 1,3 milhões de pedidos de asilo, especialmente da Síria. Em 24 de agosto de 2015, Angela Merkel anunciou que todos os sírios requerentes de asilo eram bem-vindos na Alemanha, independentemente do país da UE por onde tenham entrado. Adoptou esta política de "porta aberta" unilateralmente, sem o acordo da UE, depois de ter consultado apenas o chanceler austríaco, Werner Faymann; posteriormente, houve sinais de inversão desta política, mas o ajustamento foi muito ligeiro (por exemplo, impedindo familiares de se juntarem aos migrantes durante pelo menos um ano) provocando, assim, uma intensificação do fluxo migratório, devido ao receio dos migrantes de poderem advir tempos mais difíceis; uma sondagem recente revelou que 81% da população alemã considerava que o governo tinha perdido o controlo da política de migração. A Bertelsmann Stiftung estima que, até meados de Fevereiro de 2016, um número ainda maior só de sírios tinha ido para a Jordânia (640.000), Líbano (mais de 1 milhão) e Turquia (2,6 milhões); o Paquistão e o Irão acolheram várias centenas de milhares de migrantes do Afeganistão e do Iraque, respectivamente. Em 2015, os migrantes que atravessaram o mar, da Turquia para a Grécia, aumentou 20 vezes em relação a 2014. Em Novembro passado, a UE concedeu 3 mil milhões de euros à Turquia, como compensação para manter os migrantes no seu território, pelo menos temporariamente, mas, três meses depois, 2.000 migrantes ainda atravessavam diariamente para a Europa: a fim de receberem de volta os não-sírios, os turcos estão a negociar a obtenção de mais ajudas e outros benefícios, tais como a isenção de vistos para a Europa, que, por sua vez, iria gerar um fluxo significativo de requerentes de asilo de curdos da Turquia para Europa. As chegadas a Itália diminuíram ligeiramente no mesmo período, passando de 170.000 para 154.000, o que representa ainda um enorme afluxo. Para dados actualizados, veja-se Breugel, 12 de Fevereiro, e The Economist, gráficos interativos, 6 de Fevereiro.
Em Maio de 2015, Branko Milanovic publicou um texto no blog Social Europe "Cinco razões pelas quais a migração para a Europa é um problema sem solução": 1) factores profundos e permanentes, como o caos político no Médio Oriente e as diferenças de rendimento gigantescas e crescentes entre a Europa e a África, com a população subsaariana em vias de aumentar quase seis vezes até 2100; 2) falta de tradição de imigração na Europa; 3) absurdos políticos europeus, devido a uma combinação de incompetência e de arrogância, como o derrube de Gaddafi, o ultimato ao anterior governo ucraniano e a gestão da crise grega; 4) a crescente influência dos partidos de direita, populistas e anti-imigração, em vários países europeus, mesmo quando não estão no governo; 5) a total falta de estratégias, de políticas e de ideias a nível europeu, quando a crise exige uma solução multilateral envolvendo a coordenação dos Estados-Membros, para além do reconhecimento, quer pelos países africanos, quer pela Europa, de que o afluxo oriundo de África é ditado pelas disparidades demográficas e económicas: "Infelizmente, nenhuma dessas duas condições está perto de ser cumprida. Portanto, o problema, em conjunção com a permanente improvisação política, continuará a agravar-se"- escreveu ele profeticamente. ( Num texto na mesma série, em Janeiro passado, Branko salientou os aspectos positivos e negativos das migrações; veja-se também o seu próximo livro “Global Inequality - A New Approach for the Age of Globalization”, Belknap Press).
(continua)
Texto disponível na versão inglesa em: http://dmarionuti.blogspot.pt. Sugere-se a leitura dos comentários ao texto no mesmo endereço.
aviagemdosargonautas.net
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