por MÁRIO DE OLIVEIRA
fraternizar - 1
Está em curso na sociedade portuguesa o debate aberto sobre a chamada morte assistida, vulgo, eutanásia. Não se trata, obviamente, de reconhecer o direito de os médicos, no limite, serem autorizados-estimulados a pôr termo à vida de alguém caído em grave situação de doença-sofrimento atroz e já sem qualquer esperança clínica de recuperação. Ou, por palavras mais directas-cruéis, não se trata de autorizar os médicos ou alguém por eles a matar os doentes em fase terminal. Trata-se, sim, de decidir se se deve manter a actual legislação portuguesa que penaliza com prisão os médicos que colaborem com doentes em fase terminal e intensamente dolorosa, determinados a ter uma morte feliz; ou, pelo contrário, se se deve despenalizar qualquer médico que, no exercício da sua missão de zelar pela qualidade de vida dos doentes, nomeadamente, em situações terminais e de sofrimento extremo, entendam ser seu dever deontológico corresponder à vontade de quantos lho peçam, ou tenham previamente manifestado essa vontade em documento devidamente autenticado.
O Manifesto, subscrito por muitas dezenas de “personalidades”, é bastante claro, profundo, sério. Bem se pode dizer que é um Documento que dignifica quem o elaborou, assinou, divulgou. É tão ético, tão respeitador da qualidade de vida humana, quando esta chega aos seus momentos finais, que, se alguma coisa se pode lamentar, é que ele não tenha sido elaborado, assinado, divulgado pelos bispos da igreja católica. Os mesmos que, agora, andam por aí como baratas tontas a dizer cobras e lagartos contra ele. Provavelmente, nem o leram. Só lêem o que vem directamente do papa de Roma, e nem isso. Limitam-se, muitos deles, a citar até à náusea o título de cada Documento papal. São profissionais da Ideologia-Idolatria e fazem da Preguiça mental o seu modo de ser e de viver. Como acontece com todos os mercenários postos à frente de certos serviços públicos, aos quais incumbe, no mínimo, reproduzir fielmente o que, em cada situação concreta, reza o respectivo Ritual, o manual, o Missal das missas de semana e de domingo. Acabam todos preguiçosos funcionais, incapazes de criar, de renovar, de inovar.
A questão da Morte Assistida, vulgo, eutanásia, é uma questão superdelicada. Exige uma sensibilidade-perícia humana, ética, muito especial. Felizmente, presente nos autores, elas e eles, do Manifesto. E escandalosamente ausente nos bispos cristãos católicos. A comprovar, uma vez mais, que ser cristão é sinónimo de inumano, sem afecto, sem amor, sem discernimento ético, legalista por (de)formação, avesso à misericórdia de que tanto fala o papa Francisco e, em sintonia com ele, os bispos católicos do mundo. Falam, papa e os bispos, mas depois, no dia a dia, fazem o seu contrário. A misericórdia deles é o que se pode chamar com propriedade uma misericórdia sádica, cruel, sem coração. Típica, específica de clérigos, estruturalmente vazios de afectos, de compreensão, de tolerância. Formatados para serem homens eunucos por toda a vida. A começar pela família de sangue que não devem reconhecer-amar e da qual devem viver afastados, como se a não tivessem. Impedidos, eles próprios, de constituir família, sob pena de perderem de imediato o direito ao exercício do ministério e ao consequente benefício material clerical. São hoje uma espécie em vias de extinção, mas ainda bastantes. Com a agravante de que conseguem fazer discípulas leigas-leigos à sua imagem e semelhança, seres híbridos, paraclérigos, ainda mais sádicos e cruéis do que eles, como sucedia com os discípulos dos fariseus do tempo histórico de Jesus Nazaré, desabridamente desmascarados por ele. O que lhe valeu a morte antes de tempo e crucificada, o que perfaz a máxima manifestação da crueldade, do sadismo de semelhantes mercenários do religioso e do legal.
É mais do que oportuno lembrar aqui que hoje todos estes clérigos católicos e não católicos, paradigma dos cristãos, são contra a despenalização da Morte Assistida, vulgo, eutanásia, mas não são contra a eutanásia sádica e cruel praticada todos os dias, como coisa inevitável, quando esta sim é cientificamente procurada, só que crismada de fome, de guerra, de cruzada, de jihad, de defesa da democracia. São dezenas e dezenas de milhões de pessoas, a maior parte crianças, assassinadas cada semana pela fome e pelas guerras. Contra esta eutanásia científica e em massa, os bispos católicos não se levantam. Pelo contrário, gostam tanto dela, que são incansáveis a impulsionar a criação de IPSS e outras instituições de caridadezinha, uma solução ainda mais degradante e humilhante que a própria fome cientificamente provocada. É assim o cristianismo, uma ideologia-teologia que mata e, depois, vai a correr enterrar os cadáveres, segundo as normas do Ritual dos Defuntos. Um horror sem qualificação, praticado, louvado, financiado pelos praticantes institucionais das mais perversas eutanásias – a fome, a guerra, os alimentos geneticamente modificados. A hipocrisia em todo o seu horror!
A concluir esta breve reflexão à luz da Fé e da Teologia de Jesus, deixa-se aqui, na íntegra, o texto do Manifesto. Leiam-no e verão que é um relevante serviço prestado à causa da Vida de qualidade para todas as pessoas, em todas as situações pelas quais a vida sempre passa na história, também, a da sua etapa final, nomeadamente, quando esta assume dimensões de prolongado, intolerável, absurdo sofrimento. Porque o que é humanizador da sociedade não é o sofrimento, como criminosamente ensinam as igrejas cristãs. O que é humanizador da sociedade é a luta militante e cordial-científica contra o sofrimento, com destaque, para as causas estruturais que o provocam. Eis:
Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida
Somos cidadãs e cidadãos de Portugal, unidos na valorização privilegiada do direito à Liberdade. Defendemos, por isso, a despenalização e regulamentação da Morte Assistida como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia, à liberdade religiosa e à liberdade de convicção e consciência, direitos inscritos na Constituição.
A Morte Assistida consiste no acto de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado — antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura.
A Morte Assistida é um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento. É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado. Nestas circunstâncias, a Morte Assistida é um acto compassivo e de beneficência.
A Morte Assistida, nas suas duas modalidades — ser o próprio doente a auto-administrar o fármaco letal ou ser este administrado por outrem — é sempre efectuada por médico ou sob a sua orientação e supervisão.
A Morte Assistida não entra em conflito nem exclui o acesso aos cuidados paliativos e a sua despenalização não significa menor investimento nesse tipo de cuidados. Porém, é uma evidência indesmentível que os cuidados paliativos não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica.
Em Portugal, os direitos individuais no domínio da autodeterminação da pessoa doente têm vindo a ser progressivamente reconhecidos e salvaguardados: o consentimento informado, o direito de aceitação ou recusa de tratamento, a condenação da obstinação terapêutica e as Directivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital). É, no entanto, necessário, à semelhança de vários países, avançar mais um passo, desta vez em direcção à despenalização e regulamentação da Morte Assistida.
Um Estado laico deve libertar a lei de normas alicerçadas em fundamentos confessionais. Em contrapartida, deve promover direitos que não obrigam ninguém, mas permitem escolhas pessoais razoáveis. A despenalização da Morte Assistida não a torna obrigatória para ninguém, apenas a disponibiliza como uma escolha legítima.
A Constituição da República Portuguesa define a vida como direito inviolável, mas não como dever irrenunciável. A criminalização da morte assistida no Código Penal fere os direitos fundamentais relativos às liberdades.
O direito à vida faz parte do património ético da Humanidade e, como tal, está consagrado nas leis da República Portuguesa. O direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida, também tem de o ser.
É imperioso acabar com o sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias. É urgente despenalizar e regulamentar a Morte Assistida.
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