Cento e dois anos depois da morte deste grande inventor, o escândalo dos veículos Diesel da Volkswagen inscreve-se na linha da mesma impostura. Artigo de Jean Batou.
Rudolf Diesel (1858-1913)
Rudolf Diesel foi um engenheiro alemão de origens modestas que nasceu, em 1858, em Paris, para onde emigrou a sua família. Morreu, em setembro de 1913, nas vésperas da Iª Guerra Mundial, em condições enigmáticas. Após os seus estudos de engenharia e com o apoio financeiro do magnata da siderurgia, Friedrich Alfred Krupp, desenvolveu o famoso motor que tem o seu nome.
A invenção a que dedicou a sua vida estava destinada a servir os pequenos artesãos, substituindo a máquina a vapor, muito cara e extremamente consumidora de carvão, por um motor ao alcance de todo o mundo. Efetivamente, esse motor ocuparia um espaço muito mais reduzido, seria menos custoso e seria alimentado por combustíveis baratos e amplamente disponíveis, azeites pesados, mas sobretudo agro carburantes. Desse modo constituiria um antídoto ao crescente monopólio dos grandes grupos industriais e estimularia a produção agrícola.
Um motor para todo o mundo
Como funciona o seu revolucionário motor? O ar que entra na câmara de combustão aquece por compressão e o carburante, injetado num segundo tempo, arde em contacto com esse gás sobre aquecido. Aumentando o índice de compressão, Diesel contava poder utilizar qualquer tipo de combustível. Mas para isso, necessitava de encontrar materiais suficientemente resistentes e desenvolver um procedimento que permitisse o contacto do carburante com o ar a uma temperatura elevada. A injeção era o problema mais complexo que necessitava resolver de forma imperativa.
Para avançar, necessitava de construir um protótipo, o que o leva a procurar ativamente financiamentos, publicando um livro em defesa dos numerosos méritos do seu motor. Foi assim que conseguiu chamar a atenção da fábrica Buz de Augsburgo e do grande magnate da siderurgia, Friedrich Alfred Krupp. Com efeito, a invenção de um motor de auto combustão interessa à indústria, apesar de Diesel, que o conseguiu patentear, em 1892, enfrentar o cepticismo dos especialistas.
Não obstante, depois dos seus primeiros e prometedores ensaios, em 1893, o desenvolvimento do seu motor apresenta alguns problemas aparentemente irresolúveis. Diesel conseguirá resolvê-los definitivamente, em 1896-1897. A partir de então, esforça-se em conseguir lograr que a sua máquina seja capaz de utilizar um carburante barato: azeites pesados, resíduos de refinado de petróleo bruto e, sobretudo, agro carburantes. Entretanto, teve que ceder a exploração das suas primeiras patentes a uma sociedade que escapava ao seu controle. De início, quem se interessou mais pelas características do motor foram as centrais elétricas, mas as mesmas vão revelar-se fundamentais para a marinha mercante e militar.
Contra os monopólios
Na Exposição Universal de Paris, em 1900, onde o seu invento recebeu o grande prémio, Rudolf Diesel chegou a fazer funcionar a sua máquina com óleo de amendoim. Ele continuava a trabalhar para desenvolver um mecanismo barato que estivesse, de verdade, ao alcance de todo o mundo. Foi o início da conquista do planeta pelo motor Diesel que foi adotado por numerosas indústrias e centrais eléctricas. Em 1912, utilizar-se-á pela primeira vez num navio transatlântico.
Em que se converteu o seu sonho dum motor "democrático", ao alcance de todo o mundo, que permitisse lutar contra os grandes monopólios? Recordemos que para Diesel, a sua descoberta tinha de contribuir para a descentralização industrial e uma forte implantação da pequena produção. Cada vez mais hostil aos barões da indústria e à sua política exterior imperialista, defende as suas conceções num ensaio intitulado “Solidariedade: a saúde económica natural da humanidade”, publicado (em alemão), em 1903 e reeditado, em 2012.
Apesar de considerar que as suas respostas à questão social são mais importantes do que os seus inventos mecânicos, não venderá mais de 400 exemplares do livro, que se publicou por conta do autor. Na realidade, a sua doutrina solidária viu luz, em França, da pluma de Alfred Fouillé, de Léon Bourgeois e de Erich Durkheim, encontrando certo êxito nos meios laicos republicanos e científicos, como resposta ao socialismo e à doutrina social da Igreja.
No coração da corrida armamentista
Desde 1892, o Imperador e o almirantado decidiram secretamente fazer da marinha alemã a rival da do Reino Unido. Com esse objetivo, iniciaram a procura de meios de propulsão mais potentes. Ora bem, o motor Diesel deve permitir ganhar autonomia e espaço nos navios, ao suprimir a caldeira e o porão de carvão. Mas Diesel não quer ouvir falar da utilização militar do seu invento, o que não impedirá o exército de fazer disso caso omisso.
Em vésperas do primeiro conflito mundial, a Alemanha não tinha conseguido alcançar a Inglaterra no âmbito da marinha de guerra. Mas o motor Diesel deveria outorgar-lhe uma vantagem decisiva para a guerra submarina. Em cima da água, garantiria uma maior autonomia; debaixo da água, era o sistema mais fiável para carregar as baterias dos motores elétricos. É assim que se converte num elemento chave da corrida armamentista. E Rudolf Diesel não se pode opor a este novo uso.
Por outro lado, nesse momento, o inventor parece estar quase totalmente arruinado. E para sua desgraça, a partir desse momento são proibidas as transferências de tecnologias para o estrangeiro. Desse modo, a marinha de guerra alemã opôs-se à assinatura de novos contratos com os britânicos. De maneira nenhuma deviam chegar âs mãos dos ingleses as últimas inovações do motor Diesel.
Apesar disso, em 1913, com 55 anos, Diesel prepara-se para viajar a Inglaterra para inaugurar uma fábrica de motores e participar numa reunião de negócios. Sem dúvida, espera encontrar ali uma solução para os seus problemas financeiros, mesmo que isso desgoste o seu próprio governo. A sua mulher tenta retê-lo no momento em que a imprensa apresenta a guerra como iminente. A 29 de setembro, atravessa o canal da Mancha a bordo do “Dresden”, partindo de Amberes.
Quem provocou a morte de Rudolf Diesel?
Quando, depois de jantar a bordo, se despediu dos seus sócios, às 22h, Rudolf Diesel combinou encontrar-se com eles na manhã seguinte, antes de desaparecer sem deixar rasto ao longo da noite. Dez dias mais tarde, um barco holandês encontrará os seus restos mortais a flutuar na água num avançado estado de decomposição. Um dos seus filhos reconhecerá formalmente os objetos encontrados no seu corpo.
Tendo em conta os problemas financeiros que tinha ocultado à sua família, a tese do suicídio impôs-se rapidamente. No entanto, Viktor Glass, autor duma recente novela biográfica (em alemão), intitulada “Diesel: a enigmática morte de um engenheiro”, não acredita nisso. O seu herói ainda tinha muitos projetos: queria relançar a distribuição do seu livro, acabara de escrever uma carta jovial à sua mulher, na qual não deixará qualquer sinal de despedida… Também foi encontrada na sua cabina a sua mala com a chave na fechadura, como se tivesse sido surpreendido por uma visita inesperada no momento de a abrir. Portanto, não está excluído que fosse vítima de um assassinato…
Ter-se-iam desembaraçado os serviços secretos alemães de um homem que refutava o apoio à corrida armamentista do seu país e ameaçava colaborar com os britânicos? Foi vítima dos barões do petróleo (ele que trabalhava de forma ativa para substituir os combustíveis fósseis por agro combustíveis) e até que ponto John Davison Rockefeller Jr. o considerou como um inimigo mortal? Nenhum elemento material permite confirmar uma ou outra destas hipóteses, apesar de continuarem as especulações sobre este estranho desaparecimento, poucos meses antes da Grande Guerra.
Quaisquer que sejam as circunstâncias do final de Rudolf Diesel, a história da sua vida é emblemática - da expropriação dos inventores pelos grandes grupos capitalistas e da exploração das suas descobertas com fins opostos aos seus objetivos iniciais. No caso de Diesel, o contraste salta à vista. Cento e dois anos depois da morte deste grande inventor, o escândalo dos veículos Diesel da Volkswagen inscreve-se na linha da mesma impostura.
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1 comentário:
Eu,filho de pobres trabalhadores do campo e um simples operário emigrante na Holanda onde resido desde 1964 e já velhote,91 anos de idade,aqui deixo o meu Muito Obrigado ao meu amigo comprovinciano e camarada António Garrochinho por êste apontamento histórico que gostei de ler e aproveito a ocasião paa dizer que aprecio imenso os apontamentos interessantes do seu Blog «desenvolturas e desacatos».
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