É muito instrutivo observar a direita portuguesa na sua dimensão mais pura, ou seja, mais reaccionária, tão transparentemente exibida nas últimas semanas. É instrutivo ler, por exemplo, Maria João Avillez ou Rui Ramos no Observador. A primeira é uma espécie de Paula Bobone da politiquice oligárquica. O segundo é um distinto reabilitador do miguelismo e do salazarismo. Ambos exemplificam bem a retórica da reacção, na sua versão perversidade e risco com esteróides, face à possibilidade de um governo suportado por todas as esquerdas. Ambos criticam, implícita ou explicitamente, os que no seu campo alinham de forma considerada complacente com a opção da futilidade no reportório retórico reaccionário.
Depois de ter excomungado António Costa do círculo das pessoas de bem, sei lá, e de o ter colocado ao nível da ralé desonrada e perigosa, Avillez espanta-se com o silêncio da “metade do país que sou suposta representar”: o tal 1%, digamos, vale “metade”, reparem, confirmando de resto que a política de classe está viva e recomenda-se, podendo até acontecer que certa esquerda redescubra isso. E Avillez nem tinha ainda visto nada quando escreveu: a própria CIP, hoje liderada por alguém que vem de baixo, afastou-se prudentemente do golpista e sabotador que está ainda em Belém.
Por que é que o fez? Porque os patrões parecem detestar a instabilidade vista como artificial e Cavaco é a fonte primacial dessa instabilidade; porque o patronato, enquanto sujeito colectivo, é atravessado pelas contradições entre fracções do capital, entre o capital financeiro e o industrial, por exemplo, e entre ver o trabalho como um mero custo e como uma relevante fonte de procura; porque, e isto é decisivo, o patronato mais esclarecido aposta na modalidade retórica da futilidade – nada de relevante mudará (e que é aquela a que devemos dar mais atenção) – e daí o esperar para ver, sem precipitações desnecessárias.
Rui Ramos resume a mais séria modalidade demasiado bem, ao mesmo tempo que, algo cinicamente, a contesta: “A oligarquia prepara-se para aceitar o BE e o PCP no governo como já os aceitou na vereação em Lisboa, porque do seu ponto de vista, Costa não será mais do que o presidente da câmara municipal de Portugal, pequeno concelho de um Estado imaginário cuja capital é em Bruxelas (ou em Berlim) e cuja lei de finanças locais até é muito restritiva.” A sua preocupação em salvar a “oligarquia” de si própria, das suas supostas ilusões europeístas é muito instrutiva: raspa-se o verniz dito liberal na semiperiferia em crise e vê-se logo o quê? Como designar esta direita, ainda para mais quando apela à rua e tudo? Vá lá, esta é fácil.
Reparem, entretanto, como a ideia de que na direita domina uma tradição política assente numa disposição conservadora, baseada no gradualismo, no conhecimento tácito, na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito que não sobrevive a um escrutínio mínimo. Este facto tem sido destacado, entre outros, por Corey Robin, partindo da análise crítica do pensamento reaccionário no centro do sistema mundial, mas as suas conclusões aplicam-se que nem uma luva a esse pensamento, sempre mais inseguro e disposto por isso a tudo, mas mesmo a tudo, com mais rapidez, por estas bandas.
Sim, sim, eles estão dispostos a tudo, sempre o estiveram, sobretudo se a futilidade provar ser mesmo uma ilusão e se as classes subalternas obtiverem ganhos de causa relevantes. Ramos ou Avillez estão apenas a preparar um terreno. Isto não é só retórica, não é só persuasão. Estejamos atentos.
Depois de ter excomungado António Costa do círculo das pessoas de bem, sei lá, e de o ter colocado ao nível da ralé desonrada e perigosa, Avillez espanta-se com o silêncio da “metade do país que sou suposta representar”: o tal 1%, digamos, vale “metade”, reparem, confirmando de resto que a política de classe está viva e recomenda-se, podendo até acontecer que certa esquerda redescubra isso. E Avillez nem tinha ainda visto nada quando escreveu: a própria CIP, hoje liderada por alguém que vem de baixo, afastou-se prudentemente do golpista e sabotador que está ainda em Belém.
Por que é que o fez? Porque os patrões parecem detestar a instabilidade vista como artificial e Cavaco é a fonte primacial dessa instabilidade; porque o patronato, enquanto sujeito colectivo, é atravessado pelas contradições entre fracções do capital, entre o capital financeiro e o industrial, por exemplo, e entre ver o trabalho como um mero custo e como uma relevante fonte de procura; porque, e isto é decisivo, o patronato mais esclarecido aposta na modalidade retórica da futilidade – nada de relevante mudará (e que é aquela a que devemos dar mais atenção) – e daí o esperar para ver, sem precipitações desnecessárias.
Rui Ramos resume a mais séria modalidade demasiado bem, ao mesmo tempo que, algo cinicamente, a contesta: “A oligarquia prepara-se para aceitar o BE e o PCP no governo como já os aceitou na vereação em Lisboa, porque do seu ponto de vista, Costa não será mais do que o presidente da câmara municipal de Portugal, pequeno concelho de um Estado imaginário cuja capital é em Bruxelas (ou em Berlim) e cuja lei de finanças locais até é muito restritiva.” A sua preocupação em salvar a “oligarquia” de si própria, das suas supostas ilusões europeístas é muito instrutiva: raspa-se o verniz dito liberal na semiperiferia em crise e vê-se logo o quê? Como designar esta direita, ainda para mais quando apela à rua e tudo? Vá lá, esta é fácil.
Reparem, entretanto, como a ideia de que na direita domina uma tradição política assente numa disposição conservadora, baseada no gradualismo, no conhecimento tácito, na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito que não sobrevive a um escrutínio mínimo. Este facto tem sido destacado, entre outros, por Corey Robin, partindo da análise crítica do pensamento reaccionário no centro do sistema mundial, mas as suas conclusões aplicam-se que nem uma luva a esse pensamento, sempre mais inseguro e disposto por isso a tudo, mas mesmo a tudo, com mais rapidez, por estas bandas.
Sim, sim, eles estão dispostos a tudo, sempre o estiveram, sobretudo se a futilidade provar ser mesmo uma ilusão e se as classes subalternas obtiverem ganhos de causa relevantes. Ramos ou Avillez estão apenas a preparar um terreno. Isto não é só retórica, não é só persuasão. Estejamos atentos.
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