Se fossem apresentadas três moções de rejeição, a aprovação da primeira prejudicaria a votação das outras duas. Daí um só texto
A hipótese está de facto em cima da mesa: em vez de três moções de rejeição ao programa de governo que Passos Coelho apresentará na Assembleia da República (provavelmente já na próxima semana), a esquerda poderá unir-se numa só.
Um ato que simbolizaria a unidade das três formações envolvidas - PS, BE e PCP - e que resolveria um problema prático: se forem apresentadas três, a primeira a ser aprovada impedirá a votação das outras duas (porque a partir da aprovação da primeira moção o programa de governo já estará rejeitado, sendo absurdo voltar a fazê-lo).
Outra hipótese em cima da mesa é que essa moção única de rejeição contenha já em si no seu texto o pronuncio do que será um programa de governação das esquerdas. Esse programa está a ser negociado e haverá antes um acordo por escrito que o consubstanciará, sendo possível que haja uma cerimónia pública de assinatura.
Ontem, após a eleição de Ferro Rodrigues para presidente da Assembleia da República (AR), António Costa vaticinou o fim do ciclo PSD-CDS. "Essa maioria acabou no dia 4 de outubro e hoje ficou bem claro que essa maioria acabou", afirmou o secretário-geral do PS, salientando que a votação mostrou "de forma inequívoca que a vontade maioritária que os portugueses expressaram nas urnas tem também representação aqui na Assembleia da República".
Por isso, perspetivou logo a formação de um novo governo ao referir que espera que a maioria de esquerda no hemiciclo "se expresse também na aprovação e no apoio de um governo que possa governar com estabilidade". Executivo esse que responda a uma vontade de "mudança" mas que garanta também "o cumprimento dos compromissos internacionais", assinalou aos jornalistas quase em jeito de recado a Cavaco Silva de que algumas das bandeiras do BE e do PCP - como a recusa do Tratado Orçamental ou a saída da NATO - podem cair por terra.
De resto, na sessão de instalação dos deputados naquela que é a 13.ª legislatura, o fosso entre a esquerda e a direita não podia ter sido mais evidente. A eleição de Ferro Rodrigues serviu apenas de rastilho para que a discussão - e os apartes - aquecessem. Não faltaram farpas para Belém.
Para António Costa, não existe arco da governação, mas "arco da representação democrática que "dá a todos e a cada um dos deputados, a todos e a cada um dos grupos parlamentares a mesma dignidade, estatuto e representação da vontade dos portugueses".
De caminho, o remoque mais incisivo a Cavaco: "Demonstrámos que prezamos muito a nossa liberdade, mas que a nossa liberdade é determinada pela vontade de nós próprios e não é manipulável por qualquer força que pretenda bloquear a mudança que os portugueses votaram e que nós representamos nesta Assembleia da República."
À sua esquerda, bloquistas, comunistas e ecologistas anuíam. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, observou que "todos os votos valem o mesmo, não há votos de primeira e votos de segunda", numa crítica ao discurso de quinta-feira do Chefe do Estado - ao contrário do que disse ser o entendimento de Cavaco.
João Oliveira, presidente do grupo parlamentar do PCP, foi parco em palavras, frisando somente que a primeira votação da legislatura teve "um significado simbólico mas também político", reforçando com a ideia de que existe "uma nova relação de forças".
Horas antes, Jerónimo de Sousa comentara a comunicação de Cavaco: "O Presidente da República torna-se responsável pela atitude de confronto com a Constituição, pela instabilidade que gera e pelas consequências políticas e institucionais dela decorrentes."
A direita (visivelmente incomodada com a eleição de Ferro e a derrota de Fernando Negrão) tinha outro entendimento.
Logo pela manhã, Luís Montenegro (PSD) e Nuno Magalhães (CDS) tinham desafiado a esquerda a revelar o jogo, isto é, a pôr em "cima da mesa" o seu programa de governo e, pela tarde, no plenário, o líder parlamentar do PSD lembrou que os portugueses "escolheram Pedro Passos Coelho". "Quando há eleições, quem tem mais votos vence e quem tem menos votos perde. Vence e governa", apontou.
BE retoma agenda fraturante
Minutos depois, Nuno Magalhães assinou por baixo. Com a eleição de Ferro como âncora, alfinetou o PS: "Talvez isso faça perceber a todos a diferença entre cumprir a tradição e quebrar as regras. (...) Sabemos ler as motivações de quem está disponível para quebrar regras e tradições."
Entretanto, o BE avançou já com os dois primeiros projetos-lei desta legislatura, conforme prometeu na campanha eleitoral. Um dos diplomas visa revogar as taxas moderadoras no SNS para quem aborta voluntariamente. O outro articulado pretende legalizar a adoção de crianças e o apadrinhamento civil por parte de casais (casados ou em união de facto) do mesmo sexo.
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