Histórias de quem finge ser o que não é
O homem que se fez passar por colaborador da ONU é apenas um entre muitos que enganam meio Mundo com falsidades
Um simples cartão de visita com o logotipo oficial da ONU e muita lábia foi quanto bastou a Artur Baptista da Silva, 61 anos, para discursar em instituições de referência, dar entrevistas sobre o estado da nação e ser citado pela Reuters, insuspeita agência internacional de notícias. Tinha ideias novas para enfrentar a crise, que ilustrava com um relatório copiado da tese de um alto quadro do Banco Mundial. Economista, apresentava-se como professor de uma universidade americana encerrada há três décadas, dizia-se distinguido com o inexistente Feeling Awards da Unesco, mas era o alegado título de coordenador de um Observatório Económico e Social da Organização das Nações Unidas que lhe abria portas.
Durante muito tempo, ninguém se deu ao trabalho de verificar a sua identidade. E Baptista da Silva, que saíra da prisão em 2011, onde esteve por causa de dois atropelamentos mortais, e tinha sido já condenado por burla, abuso de confiança e emissão de cheques sem cobertura, também não explicou as razões que o levaram a enganar meio mundo. Não é caso único. Em Portugal e no mundo, são muitos os que forjam identidades para ganhar dinheiro ou protagonismo.
FALSO PROFESSOR
Durante 30 anos, António Ramalho Raposo deu aulas e chegou a presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2/3 Cristóvão Falcão, em Portalegre, sem que para tal estivesse habilitado. Popular na terra, onde acumulava o ensino com a presidência da junta e a direção do Desportivo Portalegrense, foi a sua prepotência que chamou a atenção de um colega.
Em 2007, então com 53 anos, foi demitido por suspeita de falsificação do certificado de habilitações. Dizia-se licenciado em Economia e Finanças com a nota final de 13 valores, pelo Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, que nunca frequentou. Foi acusado de crime de usurpação de funções e expulso da Função Pública. Ainda assim, em tribunal, professores, auxiliares e antigos alunos classificaram-no como "exemplar".
DETIDO NUM BATIZADO
Ninguém desconfiava do ‘padre João Luís’, simpático, ainda jovem – cerca de 34 anos –, que tinha "o dom da palavra". Amigo de ajudar a paróquia, fez peditórios, celebrou missas, batizados e até um casamento na Sé de Braga. Afinal, chamava-se Agostinho Caridade e contava no currículo com uma acusação por burla informática. Chegou à Igreja em 2004, quando contactou o pároco de Santiago de Bougado, Trofa, à época já muito debilitado. Apresentou-se como padre missionário da Ordem dos Camilianos e ofereceu-se para ajudar. Por ser ‘recomendado’ por um colega de ofício, nunca lhe exigiram identificação. Foi chamado para serviços nas dioceses de Braga, Porto e Algarve, mas acabou por ser apanhado em contradições e desmascarado em pleno altar, durante a celebração de um batizado, em Santo Tirso. Praticara burlas de milhares de euros.
Condenado a pena de prisão, pedido de desculpa e pagamento de três mil euros por "lesar a fé dos paroquianos", deixou saudades: "As missas dele eram bonitas, muito bonitas mesmo", disse um primo afastado, que assistia às homilias.
‘CAPITÃO ROBY’
A vida de Jorge Veríssimo Monteiro foi de tal ordem que acabou em série de TV. Nascido em 1943 nos Açores, entrou no imaginário nacional como ‘Capitão Roby’, protagonista de inúmeras aventuras amorosas e judiciais. Filho de família educada, frequenta boas escolas mas não se aplica nos estudos. Aposta no talento de ‘D. Juan’ e, logo na década de 1960, vê-se a braços com o primeiro processo de burla. Preso, põe anúncios nos jornais para cativar amizades femininas e, quando sai em liberdade, acaba a extorquir o que pode às companheiras. Hospeda-se em hotéis onde não paga conta, apresenta-se como adido da embaixada de Portugal em Estocolmo e troca de carro como quem muda de camisa. O porte altivo ajuda a criar a aura de sedutor. No pós-
-25 de Abril, quando os capitães estavam no auge da fama, adota o nome de ‘Roby’, promete casamento a 70 mulheres, envolve-se em fraudes e é novamente condenado. Algumas queixosas colocam-se do seu lado, e é atrás das grades que se casa com uma delas. Depois da série da SIC, o ‘Capitão Roby’ escreveu um livro, processou o canal de televisão e participou num programa de celebridades. Vive afastado da ribalta, com página no Facebook.
A ‘GENERALA’
Durante 20 anos, Maria Teresinha Gomes fez-se passar por general do exército português. Enganava vizinhos e comerciantes, a quem extorquia dinheiro com promessas de bons investimentos. Nascida em 1933, na ilha da Madeira, fugiu de casa aos 16 anos. Vivia em Lisboa enquanto a família a dava como morta. Um fato de general encomendado num alfaiate da Baixa para o Carnaval de 1974 e o nome de um irmão falecido em criança bastaram para que todos acreditassem ser o general Tito Aníbal da Paixão Gomes. Só em 1992 descobriram que era mulher.
Em tribunal, a enfermeira ‘Quininha’, Joaquina Costa, com quem viveu 15 anos, garantiu nunca ter desconfiado da verdadeira identidade de Gomes pois não partilhavam o quarto. Foi condenada a três anos de pena suspensa e refugiou-se em Alenquer, onde morreu em 2007.
FALSO PILOTO DA TAP
José Perestrelo Nogueira servia-se do 1,80 m de altura e da farda de comandante da TAP para alimentar o charme de sedutor. Aos 55 anos, foi preso por burla a seis mulheres. Seduzia na internet e em locais de encontros e, com a ajuda de uma cúmplice que se fazia passar por juíza, roubava o que podia. "Exibia documentos, até do brevet de piloto. No início era romântico. Depois mentia e criava conflitos com as nossas famílias para nos deixar isoladas e desprotegidas", contou uma das vítimas ao CM. Também se fez passar por oficial da Força Aérea, piloto comercial e engenheiro aeronáutico.
Em 2004, a estação de TV britânica BBC entrevistou Jude Finisterra, identificado como porta-voz da Dow Chemical, que admitia em nome da empresa a responsabilidade na tragédia de Bhopal – ocorrida na Índia em 1984. Anunciava a criação de um fundo milionário para ressarcir as vítimas do desastre químico. A notícia correu mundo, mas revelou-se ser resultado de uma fraude.
Também elaborados eram os planos do francês Frederic Bourdain, que durante dez anos assumiu 39 identidades. Chegou a fazer-se passar por um adolescente americano, Nicholas Barclay, que desaparecera anos antes. Os pais acreditaram na história e levaram o falso filho para viver consigo. Descoberta a verdade, graças à persistência de um detetive privado que registou as impressões digitais, foi condenado a seis anos de cadeia. De volta à liberdade, fingiu ser um órfão espanhol, foi deportado para França, reincidiu e voltou à prisão. Aos 30 anos, casou-se e assumiu a verdadeira identidade, justificando a conduta com falta de amor na infância. Pai de três filhos, decidiu contar a sua vida em documentário.
O ITALIANO QUE INVENTOU ENTREVISTAS
Tommaso Debenedetti, jornalista freelancer italiano, tinha na sua lista de entrevistados personalidades tão ilustres como Dalai Lama, Lech Walesa, Mikhail Gorbachev e o cardeal Joseph Ratzinger pouco antes de ser eleito Papa Bento XVI. Os maiores escritores vivos também faziam parte do rol de entrevistas publicadas em jornais regionais. Só foi desmascarado quando uma repórter do ‘La Repubblica’ questionou o escritor Philip Roth sobre a sua "fé inquestionável em Obama", frase que teria proferido a Debenedetti.
Roth negou a frase e a entrevista. Afinal, eram todas fruto da imaginação do italiano. Em sua defesa, Debenedetti disse que "queria ser um jornalista cultural sério e honrado", algo "impossível em Itália". Este professor de italiano e história, nascido em Roma em 1969, filho e neto de ilustres críticos literários, pouco ou quase nada ganhava com as entrevistas inventadas. Hoje, dedica-se a criar falsos rumores no Twitter.
NOTAS
DOS REIS
Alves dos Reis forjou um diploma de engenheiro de Oxford antes de criar notas falsas.
LOROSA
Lorosa de Matos foi condenado por burla e extorsão. Fez-se passar por PJ e enganou magistradas.
UM FILME
O caso de Frank W. Abagnale deu um filme. O americano fingiu ser piloto de avião, médico, advogado e professor.
12 NOMES
Christophe Rocancourt, francês de 45 anos, dizia ser herdeiro de Rockefeller e usou ainda outras 12 identidades para entrar em festas sociais.
CM
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