AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "Pó do tempo"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

domingo, 13 de janeiro de 2013

OLHÓ AVANTE -O itinerário do défice da nossa balança comercial de bens


  • Anselmo Dias 

O itinerário do défice
da nossa balança comercial de bens
A crise, para uns, é fruto da (des)regularização, dos excessos do mercado e da falha por parte dos bancos centrais de controle do sistema financeiro. Para outros, a crise emana da falta de ética de uns poucos, na convicção de que a ganância é um dos sete pecados mortais. Para outros, ainda, o mal dos males advém da globalização que, de tão perniciosa, só é comparável à Peste Negra que assolou a Europa na Idade Média. Para todos estes não é o conhecimento real do efeito predador do capitalismo, a sua irracionalidade e a sua essência anti-social que estão em causa, mas, apenas, alguns desvios meramente comportamentais de uns tantos bons rapazes.
Image 12267
Dos argumentos atrás referidos atentemos na questão da globalização na medida em que ela é referida como uma das causas da presente crise instalada em Portugal.
Aqueles que invocam este argumento salientam que o peso crescente das chamadas economias emergentes invadiram, com os seus produtos baratos, as economias mais desenvolvidas provocando uma verdadeira hecatombe nos respectivos tecidos produtivos.
O mal, para essa gente, está definido: chama-se Brasil; chama-se Rússia; chama-se Índia; chama-se China... os chamados BRIC.
Para essa gente a centralidade económica de que, historicamente, a Europa dispunha deslocou-se, sobretudo para a Ásia cujo desígnio geo-estratégico supera em muito o efeito devastador que Átila, o chefe dos hunos, causou no século V ao nosso continente. Nem mais, nem menos: cuidado com os hunos. Eles, utilizando uma expressão popular, «andem por aí».
A globalização está, pois, por todas estas razões, na ordem do dia na medida em que alterou profundamente os fluxos comerciais em benefício de uns e em prejuízo de outros.
Portugal foi, ao que dizem, uma das vítimas.
Tal afirmação é verdadeira?
Haverá, certamente, mercê de algumas deslocalizações e da liberalização das trocas comerciais efeitos gravosos na nossa economia mas, em termos globais, em nossa opinião, relacionar a dimensão da nossa crise à globalização é uma profunda mentira. É um logro.
Qual é o critério, no caso em apreço, para distinguir a mentira da verdade?
O critério reside na leitura atenta do documento designado «Estatísticas do Comércio Internacional, 2010» da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística, cujos dados salientam o seguinte: nos últimos quatro anos, de 2007 a 2010, a partir da mais recente crise cíclica do capitalismo, Portugal importou bens no valor de 232,6 mil milhões de euros e exportou bens no valor de 145,6 milhões de euros.
Confrontando tais dados conclui-se o seguinte: tivemos naquele período um saldo negativo na balança comercial de bens num valor equivalente, pasme-se!, a 87 mil milhões de euros.
Como se explica tão vultuoso défice?
A explicação não reside numa profunda relação assimétrica com os chamados BRIC.
A explicação é mais próxima.
Ela reside na relação de trocas num espaço territorial que se percorre facilmente. Falamos de um itinerário que começa em São Bento, em Lisboa, atravessa a Espanha, a França e a Itália, inflecte para Norte, rumo à Alemanha, atravessando a Suíça. Chegados a Berlim o itinerário prossegue pela Holanda, percorre a Bélgica e termina em Bruxelas.
Este percurso sim, é o percurso do défice da nossa balança comercial.
O nosso défice comercial é um défice de vizinhança.
De vizinhança geográfica.
De vizinhança de inadequadas políticas aos interesses do nosso País.
De vizinhança de um logro, de uma mentira, da promessa de que a Europa, onde o bloco central nos integrou, seria um espaço de coesão económica e social. Tretas.
Vejamos, então.
 1. Défice na balança comercial, por grupos de produtos (diferença entre importações e exportações)
Os produtos que mais contribuíram, entre 2007 a 2010, para o nosso défice comercial foram os seguintes:
- combustíveis minerais: 25,3 mil milhões de euros;  
- máquinas e aparelhos: 18,3 mil milhões de euros;
- produtos agrícolas e agro-alimentares: 16,4 mil milhões de euros;
- produtos químicos: 14,4 mil milhões de euros;
- veículos e outro material de transporte: 12,1 mil milhões de euros.
Estes cinco grupos de produtos explicam, na ordem dos 99%, o valor do défice da nossa balança comercial.
É aqui, deveria ser aqui, e será aqui, quando a correlação de forças for favorável a uma ruptura com a prática governativa do bloco central, que a acção política deve, prioritária e planificadamente, actuar por forma a reduzir o défice externo por via do desenvolvimento das nossas forças produtivas e da substituição das importações por produção nacional.
No âmbito do comércio internacional importa, também, em nome da verdade, salientar a parte que diz respeito às áreas que, positivamente, contribuíram para amenizar o efeito devastador das importações atrás referidas.
As principais áreas onde, de 2007 a 2010, fomos excedentários no comércio internacional são as seguintes:
- produtos minerais e minérios: 4,6 mil milhões de euros;
- calçado: 3,3 mil milhões de euros;
- vestuário: 2,8 mil milhões de euros;
- madeira e cortiça: 2,8 mil milhões de euros;
- pastas celulósicas e papel: 1,1 mil milhões de euros.
No confronto destas duas listagens é visível que na primeira há produtos com médio e alto valor acrescentado, enquanto na segunda há um peso importante na exportação de matérias primas em bruto e indústrias com mão-de-obra intensa mal paga, como são os casos do calçado, do vestuário e da madeira e cortiça.
Acrescente-se que o superavit dos cinco produtos mais importantes do nosso comércio internacional não chega, em conjunto, para suprir o défice alimentar, ou seja, o resultado positivo no comércio internacional na área da indústria extractiva, do calçado, do vestuário da madeira e cortiça, da pasta e do papel não chega para suprir o défice na área da nossa alimentação!
Este absurdo vai ao ponto de o défice dos produtos alimentares transformados pela indústria superar, significativamente, o défice comercial no âmbito dos veículos automóveis, reboques e semi-reboques.
De todos os crimes praticados pelas políticas de direita na área da economia este será, seguramente, um dos mais expressivos.
 2. Défice na balança comercial, por países (diferença entre importações e exportações)
Embora o nosso País tenha relações comerciais com muitos países a verdade é que essa relação está muito concentrada.
Com efeito, entre 2007 e 2010:
- cerca de 75,5% das nossas exportações foram dirigidas para os países da União Europeia;
- cerca de 76,3% das nossas importações tiveram origem nos países da União Europeia;
- cerca de 77,7% do défice da nossa balança comercial de bens resultam das trocas havidas com os países da União Europeia.
Estes dados globais, embora preocupantes, escondem uma situação ainda mais preocupante e que é esta: a concentração do nosso comércio externo e a dimensão do saldo negativo do mesmo está, sobretudo, concentrado em quatro países, a saber: Espanha, Alemanha, Itália e Holanda.
No espaço temporal atrás referido as trocas comerciais com aqueles países foram as seguintes:
- exportámos bens no valor de 69,7 mil milhões de euros;
- importámos bens no valor de 129, 2 mil milhões de euros.
Entre um e outro valor resultou um défice de 59, 5 mil milhões de euros, dado que representa mais de 2/3 do saldo negativo da nossa balança comercial de bens, verba que levanta a seguinte questão:
quantos trabalhadores espanhóis, alemães, italianos e holandeses tiveram acesso a uma actividade laboral criada pela desindustrialização em Portugal levada a cabo pelos governos do PS, PSD e CDS?
Tal pergunta remete para outra: e quantos empregos seriam criados em Portugal se uma parte significativa daquele défice fosse superado pelo desenvolvimento das nossas forças produtivas na agricultura, nas pescas, nas indústrias extractivas e nas indústrias transformadoras?
Acrescentemos a esta segunda pergunta uma outra: e quantos impostos não entrariam nos cofres do Estado em função de uma política patriótica tendente a substituir o máximo de importações por produção nacional e, por essa via, disponibilizar meios e recursos para a sustentabilidade do nosso Estado social?
Tais questões são silenciadas pelas vozes do dono cujo mutismo, nesta área, é sublimado pela teoria de que a crise em Portugal tem a sua explicação na globalização, omitindo que, salvo os casos dos pequenos países como o Luxemburgo, Chipre e Malta, o nosso País é, no conjunto do grupo do euro, aquele que, a seguir à Grécia, mais importa tendo como referência o valor per capita.
Falemos, então, da globalização e da sua componente mais mediática em torno dos BRIC, ou seja, do Brasil, Rússia, Índia e China.
Pois bem, no decurso do período atrás referido, o nosso comércio com tais países foi o seguinte:
- exportámos bens no valor de 2,9 mil milhões de euros;
- importámos bens no valor de 13,2 mil milhões de euros;
- o saldo, entre um e outro valor, foi negativo na ordem dos 10,3 mil milhões de euros.
Confrontemos esse défice com o défice de 32,9 mil milhões com a Espanha, com os 12,9 mil milhões com a Alemanha, com os 7,4 mil milhões com a Itália e com os 6,4 mil milhões com a Holanda.
Equiparar tais situações é o mesmo que comparar a estatura de um anão com a de um gigante.
Para se perceber melhor esta analogia façamos as seguintes contas: ordenemos sequencialmente os quatro países europeus com os quais temos os maiores défices na balança comercial de bens, ordenemos, de igual forma, os chamados BRIC e relacionemos uns e outros.
O resultado desse exercício é o seguinte:
- o défice com a China representa 13% do défice com a Espanha;
- o défice com o Brasil representa 26% do défice com a Alemanha;
- o défice com a Rússia representa 18% do défice com a Itália;
- o défice com a Índia representa 21% do défice com a Holanda.
Omitir esta profunda assimetria, como as vozes dono o fazem, não passa de um despudorada omissão da verdade.
Fonte: Estatísticas do Comércio Internacional, 2010, INE, Edição 2011

Sem comentários: