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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013



Direito e terror

Publicado às 00.00

 
Uma das características da justiça portuguesa é a sua imprevisibilidade. Ninguém pode, em bom rigor, prever o resultado final de um litígio levado ao tribunal. Numa República democrática a solução de qualquer problema jurídico deve estar contida numa norma geral, abstrata e objetiva. Qualquer pessoa com meridiana clarividência deveria, pois, em face da objetividade da norma, poder antecipar a solução judicial de qualquer problema jurídico - descontadas apenas as incertezas das contingências probatórias. Mas, a realidade é bem diferente.
A certeza jurídica da norma geral, abstrata e objetiva foi substituída pela insegurança da decisão judicial, de maneira que ninguém pode antecipar o sentido da solução final de um qualquer questão levada a tribunal. Mesmo quando os factos estão claramente fixados, o juiz decide com um grau de arbitrariedade que, por vezes, surpreende até os mais afoitos. Os mesmos factos com a mesmíssima lei geram decisões diferentes e, muitas vezes, radicalmente opostas.
Um indivíduo dá um tiro na cabeça de outro, dentro de uma esquadra da PSP e, levado a um juiz, fica em liberdade a aguardar os ulteriores termos do processo. Pouco tempo depois, uma adolescente agride fisicamente outra sem qualquer gravidade e, levada a outro juiz, fica em prisão preventiva. Saber se a alegada oferta de uma quantia em dinheiro a um advogado (que entretanto se tornara vereador de uma câmara municipal) para que desistisse de uma ação popular que intentara (antes de ser vereador) com vista à anulação de um negócio público-privado configura ou não um ato de corrupção deu origem a um processo sobre o qual se pronunciaram quatro tribunais e nenhum deles proferiu uma decisão coincidente com a de qualquer outro. Os três tribunais que intervieram em via de recurso anularam sempre a decisão do tribunal recorrido.
Ainda recentemente, eu próprio vivi uma experiência semelhante, ao ser alvo de uma queixa-crime por parte de um juiz de Lisboa que, aparentemente, se sentira difamado com as críticas que eu dirigira a uma decisão sua. O magistrado do Ministério Público do DIAP de Lisboa abriu o respetivo inquérito, levou a cabo as diligências de prova que entendeu e no final arquivou os autos por entender que a minha atuação se inseria no âmbito do exercício do direito de expressão, nomeadamente, do direito de criticar as decisões judiciais. O juiz requereu então a abertura da instrução, pedindo a um juiz (seu colega) que me pronunciasse pelo crime de difamação qualificada, o que, na verdade, veio a suceder. Inconformado, agora eu, com essa decisão instrutória, solicitei à minha advogada, a dra. Isabel Duarte, que interpusesse o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio a proferir um acórdão coincidente com a decisão de arquivamento do DIAP de Lisboa.
O que é de salientar neste caso é a circunstância de ninguém ter podido prever, com um mínimo de certeza jurídica, a decisão final. Foi esta porque foram aqueles três desembargadores a decidirem, mas teria sido outra, totalmente oposta, se o processo tivesse sido distribuído a outros. Ou seja: a lei é a mesma, os factos também, mas a decisão varia consoante o juiz. Não se pode, pois, confiar nas leis, pois a solução dos problemas depende dos magistrados que os apreciam. A justiça é, pois, um totoloto.
E num país onde os juízes são escolhidos como simples técnicos, designadamente, sem qualquer escrutínio do seu passado e das suas qualidades de carácter, é muito fácil que as suas decisões derivem de impulsos que pouco ou nada tenham a ver com o sentido e as finalidades da lei e sim com os seus preconceitos, os seus medos, os seus complexos, a sua idiossincrasia, enfim, com a sua particular e subjetiva visão do Mundo e das pessoas.
A objetividade da lei dá confiança e certeza jurídicas enquanto a subjetividade da decisão do magistrado gera inevitavelmente medo. Numa República os cidadãos a contas com a justiça devem estar sob alçada da lei e não nas mãos dos magistrados. Como a história abundantemente nos mostra, a justiça e o direito podem muito facilmente ser transformados em instrumentos de terror.

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