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terça-feira, 1 de janeiro de 2013


A SENHORA DA LIMPEZA




 


Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso. 
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia. 
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo. Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. As palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos, os aparelhos políticos. Os credos e os farsantes. Desiguais. 
Inocente segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria: 

Coisa linda esta democracia. 
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combaterem pela maioria que vive nos subúrbios de tudo. 
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz. 
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto.
Inocente o jovem cabisbaixo segredou-me: 

Comigo um dia isto vai ser diferente. 

Terminada a sessão plenária os deputados sairam como estava previsto. O amplo salão ficou vazio e solene. De tantas memórias. 
O salão ficou vazio mas deixei-me ficar até ser convidado, pelo mesmo delicado polícia. 
Foi um dia que resolvi festejar em silêncio. 
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.

Serviram-me o intragável discurso do primeiro-ministro, em diferido. 
Os ácidos bem convergiram, mas não foram eficazes para digerir o falacioso paraíso. 
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações, onde escrevi:

O que me serviram está fora do prazo. Quando chega a nossa vez?

Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados ficaram a ler o meu protesto.
Lá fora ouvi alguns aplausos, mas fiquei na dúvida quanto ao seu voto.
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para a fachada do palácio. 
Larguei um viva à república, à leberdade e ao 25 de Abril. 
Para meu espanto a porta rangeu. Começou a abrir-se lentamente. 
Era a senhora da limpeza. 

Mar arável

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