VERDIZELA
Exmº Senhor
Primeiro-Ministro de Portugal
LISBOA
Exmº
Snr:
Tenho 74
anos, sou reformado (descontei para a reforma durante 41 anos apesar de ter
trabalhado durante 48) e esperava acabar os meus dias com a tranquilidade que
uma vida de trabalho honesto justificava, mas tal está a mostrar-se impossível
e daí a razão desta “carta aberta”.
Não, não
lhe escrevo para lhe dizer que me mentiu, como mentiu a todos os portugueses,
já estou (estamos) habituado à falta de verticalidade daqueles que aparecem nas
campanhas eleitorais a prometer o céu para chegados ao poleiro nos
transportarem ao inferno, também não lhe escrevo para lhe dizer que sou um dos
que, em nome da salvação da Pátria e dos sacrifícios para todos, foi espoliado
dos subsídios de férias e Natal, nem ao menos para lhe dizer que o curriculum
de V/Exª não justificaria mais do que ser presidente do clube lá do bairro e
muito menos para lhe dizer que o falar grosso não representa autoridade e
competência, pode, isso sim, ser disfarce de autoritarismo e incompetência…
Porquê
então esta carta?
Ignoro
as muitas razões que tenho para lhe manifestar o meu protesto e fixo-me apenas
numa palavra: VERGONHA.
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem comunicou, com ar pungente, aos reformados,
aos funcionários públicos e ainda a alguns trabalhadores de empresas com alguma
ligação ao estado que lhes ia retirar os subsídios de férias e Natal por
ganharem a exorbitância de algo mais de 1100 € e em contrapartida nomeia para o
seu governo centenas de adjuntos, conselheiros, especialistas com ordenados
três ou quatro vezes superiores e direito aos subsídios que aos outros retirou,
tem um pingo de vergonha?
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem fala na necessidade dos sacrifícios serem
repartidos por todos os portugueses e requisita para os gabinetes ministeriais
funcionários públicos com aumentos de vencimentos mensais de centenas, quando
não milhares de euros e direito aos subsídios de férias e Natal, tem alguma
vergonha?
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem disse aos que depois de terem trabalhado
durante dez, vinte ou trinta anos perderam o emprego que isso era uma nova
oportunidade, tem qualquer tipo de vergonha?
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem disse aos jovens do nosso país, talvez a
geração mais bem preparada de sempre, para procurarem no estrangeiro o pão que
Portugal lhes nega, tem réstia de vergonha?
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem trocou os direitos dos portugueses pela
caridadezinha das refeições nas escolas para os filhos famintos de Portugal e
pelas cantinas sociais, tem vergonha na cara?
Acha o
Senhor Primeiro-Ministro que quem, ar ridiculamente cândido de menino do coro
ou chefe de quina da mocidade portuguesa com a bandeira na lapela, aparece a
falar aos portugueses, num discurso que eu julgava enterrado em 25 de Abril,
com frases enfáticas que em português corrente podemos traduzir como: Morre de
fome hoje que amanhã tens comida, sente alguma vergonha do que diz?
Eu
respondo Senhor Primeiro-Ministro.
Eu tenho
vergonha Sr Primeiro-Ministro
Eu tenho
vergonha de o ter como Primeiro-Ministro do meu país.
Embora
no Alentejo, onde nasci, o cumprimento seja devido a todas as pessoas (os
velhos da minha meninice chamavam-lhe “salvação”) não posso, por coerência
ainda que com mágoa, cumprimentar V/Exa.
José
Nogueira Pardal
Papel
preto porque estou de luto
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