Nuno Crato e o "novo" ensino – Salazar revisitado...
“Para a mentira ser segura
E atingir profundidade
Deve trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade”
(António Aleixo, in “Estas quadras que vos deixo”)
Não duvido que muitos dos velhos maoistas portugueses, querendo dizer com “velhos” aqueles que são da minha geração, ou com mais, ou menos uns anitos... foram gente que se opôs a Salazar e Caetano. Não ponho em dúvida nem essa atitude, nem as consequências que alguns tiveram que suportar pelo facto de publicamente a assumirem.
Ainda assim, vendo a evolução política de alguns e algumas, como o caso de Durão Barroso e mais uma pequena multidão que se pulverizou pelo espectro partidário... até chegar ao protagonista deste texto, o ministro da Educação Nuno Crato, parece que alguns sofreram de uma espécie de variante da Síndrome de Estocolmo, patologia que ataca seres humanos vítimas de sequestro, que sujeitos à tremenda pressão psicológica que essa provação implica, acabam por desenvolver, por auto-defesa e instinto de sobrevivência, uma espécie de irresistível empatia pelos agressores.
Só isso explica esta atracção fatal que Nuno Crato manifesta por conceitos pouco menos que “salazarentos” de educação, como esta novidade, em que alunos ainda no princípio da vida escolar, no caso de apresentarem más notas, serem automaticamente “empurrados” (como diz, e bem, a FENPROF) para cursos profissionais do tipo electricista, cozinheiro, canalizador, etc.
E assim, de uma assentada, matam-se dois coelhos. Refina-se o carácter elitista de um ensino para mais ricos, que de uma forma geral conseguem melhor aproveitamento, dado o enquadramento familiar mais propício à aquisição de conhecimentos e ao estudo necessário para tal... e, ao mesmo tempo, desclassifica-se socialmente toda uma classe de futuros trabalhadores que entram na vida activa com o estigma de terem sido empurrados para os “cursos dos burros”. A meta do ministro é atingir rapidamente os 50% de estudantes “encaminhados”.
É o velho sonho canalha da superioridade da classe dirigente sobre uma classe trabalhadora “desclassificada”... a que deve corresponder uma realidade de salários igualmente “desclassificados”. É a velha e sempre, sempre actual luta de classes!
Sim, eu sei que no universo de alunos de qualquer escola há sempre um grupo que não tem, nem terá capacidade intelectual, ou sequer o interesse, em seguir estudos teóricos seja do que for. Esses ficarão a ganhar com a oportunidade de logo no ensino básico, se for o caso, terem contacto com uma profissão que lhes garanta a sobrevivência.
Sim, eu sei que existem! Mas sei também que são a excepção. São exactamente a conveniente “qualquer coisa de verdade” que serve de pretexto “para a mentira ser segura e atingir profundidade”.
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