O código do medo
No mesmo dia em que o Dr. Cavaco promulgava o novo Código do Trabalho, o "Público", na última página, imprimia uma citação de Victor Hugo: "O trabalho não pode ser uma lei sem que seja um direito."
No mesmo dia em que o Dr. Cavaco promulgava o novo Código do Trabalho, o "Público", na última página, imprimia uma citação de Victor Hugo: "O trabalho não pode ser uma lei sem que seja um direito." Era de esperar. O Dr. Cavaco pertence a uma área política que não suscita qualquer surpresa: uma direita cada vez mais prepotente, sustentada por uma onda de revanchismo que assola a Europa, sob a batuta de Angela Merkel. Mas esta senhora, por seu turno, não actua segundo os impulsos da sua pessoal inteligência, notoriamente pouco desenvolvida. O que está por detrás dela, quem move as peças e puxa os cordelinhos é a grande finança e os poderosos interesses económicos, tão influentes como cavilosos. A Europa está em pé de guerra. E uma guerra não tão subtil como as aparências de "democracia" podem fazer crer.
Tudo ocorre na sombra e no silêncio. Porém, hoje, já se torna mais claro que há um processo hegemónico, baseado na ideologia neoliberal, e que tem como firma a Alemanha. Por três vezes os alemães abriram conflitos armados terríveis: em 1874, 1914 e 1939. Por três vezes foram derrotados. Como escreveu Helmut Schmidt, numa carta recente, publicada na imprensa, Merkel é perigosíssima e está a destruir o que levou gerações a edificar. A crise dilemática por que passa a Europa, hoje, não me parece ter solução se os problemas não forem analisados e solucionados com rapidez. Mesmo assim, a Europa, tal como a conceberam os pais fundadores, já não existe. E Portugal, sicário desta gente e desta ideologia, é, tristemente, um país subalterno, que abdicou, politicamente, de ter uma palavra a dizer. E poderia dizê-lo. Todavia, Passos Coelho é um político destituído de vontade. E o Dr. Cavaco um insignificante que nos saiu em rifa, e que se mantém exactamente porque apoiado pela mediocridade generalizada. Ele não é somente conivente com quem provocou esta tragédia portuguesa: ele é um alto responsável pela manutenção do nosso sofrimento e do nosso desespero, aparentemente sem saída.
Em pouco mais de um ano, esta clique dirigente liquidou as nossas esperanças, destruição acaso mais profunda do que a substância das nossas fomes. Pode ser que não sejam julgados pela justiça que trata destes assuntos indignos, mas já foram condenados no tribunal das nossas consciências. E aí estão os jovens para os apontar à execração. Eles, certamente, não perdoarão o terem sido expulsos do futuro e da pátria; perseguidos pelo desemprego; extorquidos do que mais decente e asseado nos seus sonhos existe.
O Código do Trabalho é o mais sinistro instrumento de intimidação saído das ruínas do 25 de Abril. Nunca, desde a Revolução, o mundo laboral havia sofrido uma ofensiva desta magnitude. O cerco e o esmagamento da classe operária estão previstos na génese desta ideologia. A troika tem descrito, por onde vai, a necessidade de esmagar a influência dos sindicatos. O que, na realidade, está a acontecer, com a diminuição das inscrições nos órgãos de classe, com consequências imprevisíveis, mas sempre molestas para os trabalhadores.
Numa entrevista publicada no número de Verão da revista do Montepio, Manuel Carvalho da Silva afirma: "Uma das dimensões da crise é a disfunção entre as gerações. É um campo que tem sido manipulado para eliminar das pessoas perspectivas positivas de futuro e retrair a sua disponibilidade de acção. Evoluímos muito e as actuais gerações partem para o combate de um patamar muito alto. A formação é, hoje, muito maior, a capacidade de relacionamento é muito mais elevada e acredito que vamos ser capazes de dar a volta. Esta reorganização, a busca, por exemplo, de uma nova forma de financiamento da economia real, depende da nossa acção."
E, noutra parte do importante texto, Carvalho da Silva acentua: "Estamos num retrocesso social e civilizacional. Não é possível fazer uma discussão séria, sector a sector, no País, sem se utilizar os serviços privados e públicos. Por exemplo, não é possível fazer um debate sério no Turismo sem se considerar o valor do trabalho. Se não considerarmos a valorização do trabalho e do tempo das pessoas não é possível ter um país com uma actividade turística avançada. Isto aplica-se a todas as áreas. A segunda prioridade de resposta é o Estado Social. Não temos Estado Social sem a valorização do trabalho."
A peça, inserta na revista do Montepio, é um documento importante pela ampla reflexão que suscita. E assim a chamada grande imprensa tem silenciado ou omitido os vectores fundamentais da questão, transversal, hoje, e, toda a Europa, e que pode determinar os destinos de milhões e milhões de homens e de mulheres. O Código do Trabalho, em vigor desde o dia 1 deste mês, sobre ser um instrumento de medo e de intimidação, é mais um elemento ideológico para destruição de um sistema de valores e de princípios estabelecido desde o final da II Grande Guerra.
Tudo está por definir. E o episódio que, actualmente, amolga o nosso viver e aniquila o nosso bem-estar, é passageiro, como todos os episódios desta natureza. Apesar de tudo, das negras sombras que nos ameaçam, nada está definitivamente perdido. Os homens, quando querem, conseguem aquilo que querem. É preciso é quererem.
b.bastos@netcabo.pt
Tudo ocorre na sombra e no silêncio. Porém, hoje, já se torna mais claro que há um processo hegemónico, baseado na ideologia neoliberal, e que tem como firma a Alemanha. Por três vezes os alemães abriram conflitos armados terríveis: em 1874, 1914 e 1939. Por três vezes foram derrotados. Como escreveu Helmut Schmidt, numa carta recente, publicada na imprensa, Merkel é perigosíssima e está a destruir o que levou gerações a edificar. A crise dilemática por que passa a Europa, hoje, não me parece ter solução se os problemas não forem analisados e solucionados com rapidez. Mesmo assim, a Europa, tal como a conceberam os pais fundadores, já não existe. E Portugal, sicário desta gente e desta ideologia, é, tristemente, um país subalterno, que abdicou, politicamente, de ter uma palavra a dizer. E poderia dizê-lo. Todavia, Passos Coelho é um político destituído de vontade. E o Dr. Cavaco um insignificante que nos saiu em rifa, e que se mantém exactamente porque apoiado pela mediocridade generalizada. Ele não é somente conivente com quem provocou esta tragédia portuguesa: ele é um alto responsável pela manutenção do nosso sofrimento e do nosso desespero, aparentemente sem saída.
Em pouco mais de um ano, esta clique dirigente liquidou as nossas esperanças, destruição acaso mais profunda do que a substância das nossas fomes. Pode ser que não sejam julgados pela justiça que trata destes assuntos indignos, mas já foram condenados no tribunal das nossas consciências. E aí estão os jovens para os apontar à execração. Eles, certamente, não perdoarão o terem sido expulsos do futuro e da pátria; perseguidos pelo desemprego; extorquidos do que mais decente e asseado nos seus sonhos existe.
O Código do Trabalho é o mais sinistro instrumento de intimidação saído das ruínas do 25 de Abril. Nunca, desde a Revolução, o mundo laboral havia sofrido uma ofensiva desta magnitude. O cerco e o esmagamento da classe operária estão previstos na génese desta ideologia. A troika tem descrito, por onde vai, a necessidade de esmagar a influência dos sindicatos. O que, na realidade, está a acontecer, com a diminuição das inscrições nos órgãos de classe, com consequências imprevisíveis, mas sempre molestas para os trabalhadores.
Numa entrevista publicada no número de Verão da revista do Montepio, Manuel Carvalho da Silva afirma: "Uma das dimensões da crise é a disfunção entre as gerações. É um campo que tem sido manipulado para eliminar das pessoas perspectivas positivas de futuro e retrair a sua disponibilidade de acção. Evoluímos muito e as actuais gerações partem para o combate de um patamar muito alto. A formação é, hoje, muito maior, a capacidade de relacionamento é muito mais elevada e acredito que vamos ser capazes de dar a volta. Esta reorganização, a busca, por exemplo, de uma nova forma de financiamento da economia real, depende da nossa acção."
E, noutra parte do importante texto, Carvalho da Silva acentua: "Estamos num retrocesso social e civilizacional. Não é possível fazer uma discussão séria, sector a sector, no País, sem se utilizar os serviços privados e públicos. Por exemplo, não é possível fazer um debate sério no Turismo sem se considerar o valor do trabalho. Se não considerarmos a valorização do trabalho e do tempo das pessoas não é possível ter um país com uma actividade turística avançada. Isto aplica-se a todas as áreas. A segunda prioridade de resposta é o Estado Social. Não temos Estado Social sem a valorização do trabalho."
A peça, inserta na revista do Montepio, é um documento importante pela ampla reflexão que suscita. E assim a chamada grande imprensa tem silenciado ou omitido os vectores fundamentais da questão, transversal, hoje, e, toda a Europa, e que pode determinar os destinos de milhões e milhões de homens e de mulheres. O Código do Trabalho, em vigor desde o dia 1 deste mês, sobre ser um instrumento de medo e de intimidação, é mais um elemento ideológico para destruição de um sistema de valores e de princípios estabelecido desde o final da II Grande Guerra.
Tudo está por definir. E o episódio que, actualmente, amolga o nosso viver e aniquila o nosso bem-estar, é passageiro, como todos os episódios desta natureza. Apesar de tudo, das negras sombras que nos ameaçam, nada está definitivamente perdido. Os homens, quando querem, conseguem aquilo que querem. É preciso é quererem.
b.bastos@netcabo.pt
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