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quarta-feira, 23 de maio de 2012



A ESPANHA NA IMINÊNCIA DA BANCARROTA





CAINDO A ESPANHA, CAI TUDO



A imprensa portuguesa entretida a dizer mal dos gregos e na adjectivação das forças políticas que na Grécia se recusam a aceitar a catástrofe, nem se dá conta do que se está a passar ao pé da porta. E o que se está a passar aqui ao lado é a falência iminente da Espanha.

Como se sabe, a Espanha tinha uma das mais baixas dívidas públicas da União Europeia quando a crise financeira rebentou – andava à volta de 40% do PIB, bem abaixo das exigências do PEC e o défice orçamental nem sequer existia, havia superávide. Com a crise em menos de três anos tudo mudou radicalmente.

Mas será que mudou assim tanto? Aparentemente sem dúvida. Indo, porém, à substância das coisas, as causa da actual situação já estavam todas inscritas no modelo de desenvolvimento espanhol posto em prática depois da adesão à CEE e subsequentemente potenciadas pela adesão ao SME e depois à moeda única.

Desde a adesão até 1996, a Espanha, com excepção da crise de 1990/92, foi crescendo, na sequência aliás do que já vinha acontecendo nos últimos anos do franquismo, mercê das grandes ajudas comunitárias que recebeu e das desvalorizações competitivas da peseta.

Filipe González adaptou o modelo económico espanhol às exigências da adesão, um pouco à semelhança do que sucedeu em Portugal e nos demais países periféricos, mas ao contrário do que aconteceu cá não destruiu completamente o anterior aparelho produtivo. Houve sim reestruturações profundas na indústria, com o encerramento de muitas fábricas e estaleiros navais (de que a célebre marcha sobre Madrid é o ponto culminante do protesto contra tal política), mas o sector primário, nomeadamente a agricultura e as pescas, não só se manteve como foi enomemente desenvolvido.

E, assim, a economia criada com base nesta profunda reestruturação alicerçou-se nos serviços, com um sector financeiro repetidamente considerado como um dos mais modernos e competitivos da Europa; na exportação de produtos de umas quantas marcas de referência conhecidas em todo o mundo; e numa procura interna crescente que fazia a inveja não só dos vizinhos portugueses, mas também dos ricos tradicionais da Europa – França, Alemanha, Inglaterra e a própria Itália, que os espanhóis já consideravam um país há muito por eles ultrapassado!

De 1996 a 2008 a Espanha cresceu a um ritmo vertiginoso – enquanto na Europa dos quinze se crescia, em média, a 2,5% ao ano, na Espanha a média era de 3,8%! Em 10 anos a Espanha criou oito milhões de empregos, quase 30% de todo o emprego criado em toda a Europa e o sucesso da economia e dos empresários espanhóis era uma imagem de marca da União Europeia.

Inundada por uma verdadeira torrente de dinheiro barato, a prosperidade espanhola parecia não ter fim. As empresas endividaram-se excessivamente, depois da fixação dos câmbios e da adesão à moeda única a economia espanhola perdeu competitividade relativamente às economias do centro da Europa, nomeadamente a alemã e a produtividade, em média, cresceu bastante menos (0,5%) do que a média europeia (1,3%). Tal como aconteceu nos demais países periféricos, também a economia espanhola, para fugir à concorrência das economias mais competitivas, se refugiou na construção civil, verdadeiro motor do desenvolvimento económico durante mais de uma década.

Depois a história é conhecida: sobreveio a crise financeira de 2007/08 originada pelo subprime americano, os capitais deixaram de afluir, o crédito estancou, a bolha imobiliária rebentou e os bancos espanhóis, endividadíssimos, precisam urgentemente de ser recapitalizados sob pena de falência. Simultaneamente, por causa da crise e como consequência dela, a dívida pública não tem cessado de crescer, bem como o défice orçamental.

O plano de ajustamento acordado pelo governo Zapatero com a União Europeia, de redução do défice para 3%, até 2013, não vai poder ser cumprido, não obstante todas as promessas do novo governo, não apenas por o défice de 2011 como o de 2012 serem bem superiores ao contabilizado ou esperado, em consequência da batota nas contas públicas de várias comunidades autónomas – Madrid, o dobro do anunciado; Valência; Leon e Castela, e ainda a Catalunha e Múrcia) -, mas também por o cumprimento das metas estabelecidas exigir cortes brutais, além dos que já tiveram lugar, em áreas socialmente muito sensíveis.

Depois de tudo o que já foi feito no domínio das contas públicas com vista à consolidação orçamental, a Espanha com a economia em recessão e com uma taxa de desemprego a rondar os 25% não tem qualquer hipótese de refinanciar os bancos. Basta dizer que a recente nacionalização da Bankia (banco resultante da fusão de várias Caixas “governadas” pelo PP) representa cerca de 30% do PIB espanhol! É óbvio que, perante números desta grandeza, a Espanha não está em condições de responder às exigências do seu sistema financeiro. Mas também não quer – e muito justamente – recorrer ao fundo de resgate para o recapitalizar porque se seguisse a sugestão de Hollande perderia toda a autonomia sobre os seus bancos e seria ela própria intervencionada logo a seguir.

Tanto uma medida como outra representariam a entrada numa espiral recessiva infernal, à grega e à portuguesa, que os governantes espanhóis querem manifestamente evitar. O que a Espanha reclama pura e simplesmente é uma a actuação urgente do BCE quer comprando dívida pública, quer refinanciando directamente os bancos.

E foi isso que Rajoy disse sem rodeios: “ De momento o mais urgente é garantir a estabilidade financeira. Assegurar que quando um país tenha um vencimento de dívida possa refinanciá-lo. O mais urgente é que quando uma entidade financeira tenha um vencimento de dívida também possa acorrer aos mercados e refinanciá-lo. Isto pode fazer-se rapidissimamente, em 24 horas, não necessita de grandes debates nem de leis que levam dois anos a aprovar”.

Descodificando, Rajoy, ciente do que representa o colapso do sistema financeiro espanhol, falou grosso e exigiu a intervenção urgente do BCE.

Os bancos espanhóis são os que mais tem acudido aos leilões de crédito do BCE, que mais dinheiro têm recebido, e mesmo assim o sistema financeiro continua nas franjas do colapso, o que demostra bem a gravidade da situação. Nem sequer se sabe ao certo de quanto eles precisam, mas todos os cálculos apontam, no mínimo, para uma entrada imediata de 100 mil milhões de euros!

Os nossos comentadores e políticos com a sua habitual covardia, sempre dispostos a atacar os fracos e a defender os fortes, mesmo contra os próprios interesses nacionais, não se cansaram de censurar o Syriza e o seu leader Tsipras por terem recorrido aos meios de que dispunham para tentar pôr termo a uma situação catastrófica na Grécia. Veremos agora o que vão dizer de Rajoy.

Aliás, Rajoy está tão seguro do seu papel que nem sequer responde aos reiterados apelos do PSOE para concertação de uma posição comum sobre esta matéria. A tradicional propensão dos socialistas para a transigência, bem como a sugestão que lhe chegou de Hollande, não augurariam certamente nada de positivo para o desenvolvimento de uma estratégia que assenta no peso negativo de uma situação com vista a extrair dela todas as vantagens negociais.

Veremos nos próximos dias como as coisas vão evoluir.

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