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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

EXPLICAÇÃO EXAUSTIVA DE TODA A POLÍTICA NO MÉDIO ORIENTE - LEIA AGORA OU QUANDO TIVER TEMPO, SÃO 15 MINUTOS MAS TERÁ UM ENTENDIMENTO DE TODA A PROBLEMÁTICA



As manobras guerreiras do Império no Médio Oriente



As manobras guerreiras do Império no Médio Oriente




Sumário

1 - Uma Europa decadente mostra os dentes cariados
2 - Um relance sobre as últimas virtuosas intervenções do Pentágono/NATO

2.1 – Líbia
2.2 – Iraque
2.3 – Afeganistão
2.4 – Síria

3 - Dentro de tragédias e comédias do passado recente sobra o quê?

4 - Irão, o suculento alvo dos ocidentais

4.1 - História recente das intervenções ocidentais no Irão
4.2 – A matriz iraniana de relações externas
4.3 - O nuclear iraniano
4.4 - O impacto das sanções energéticas decretadas pela UE

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As manobras guerreiras do Império no Médio Oriente

A abordagem geopolítica tem a vantagem da integração multidisciplinar (geografia, história, economia, culturas, demografia…) e é aquela que permite uma visão global do mundo.

Por consequência, embora neste texto nos centremos no Médio Oriente e no Irão em particular, teremos em conta que não há regiões fechadas, do ponto de vista da geopolítica e que o planeta é um sistema de vasos comunicantes, sem prejuízo da existência de especificidades regionais ou locais.


1 - Uma Europa decadente mostra os dentes cariados

Para os iluminados lideres europeus, a ausência de problemas na Europa -  onde, como se sabe, os níveis de bem-estar crescem a olhos vistos - justifica o adiamentosine die de qualquer solução para os problemas menores como as bancarrotas bancárias e dos estados ou o relançamento da economia.

Por isso, sobra-lhes tempo para decretar sanções contra o Irão, (1) na obediência habitual às ordens de Washington, onde - aí sim - há uma estratégia mundial e para o Médio Oriente, em particular. Afinando pela mesma estreiteza estratégica, reinventaram, a 30 de janeiro, uma fórmula descredibilizada para amarrarem os países endividados da UE ao fornecimento de rendimentos eternos ao sistema financeiro e assim evitarem a falência dos grandes bancos europeus. Estupidamente ou para beneficiarem os grandes empórios petrolíferos, contribuem para aumentos dos preços, sem revelar que a relevância da Europa para as exportações iranianas não é muito grande, como adiante se verá.

Que preparam eles? Provavelmente mais uma cimeira, precedida do habitual encontro da amálgama Merkosy.


2 - Um relance sobre as últimas virtuosas intervenções do Pentágono/NATO

Vejam-se algumas notas sobre as mais recentes, de todas as virtuosas intervenções militares dos ocidentais;

2.1 - Líbia

Vão surgindo frequentes e pouco tranquilizadoras notícias sobre a Líbia - conflitos militares, práticas de tortura, dissensões dentro do novo poder e ações populares contra o governo de transição imposto na Líbia pela NATO, através da fórmula democrática da bomba. Ora, depois da humanitária intervenção ocidental, quantos de nós não suporíamos que os líbios ainda não tinham parado de orar em agradecimento pelos ocidentais bombardeamentos? Nos próximos tempos se verá o real sucesso da estratégia de “nation-building” dos EUA, para além da apropriação dos recursos energéticos do país. (2)

Um aspeto menos mediatizado é que no seguimento do fim da era Kadhafi, as tropas tuaregs integradas no exército líbio se posicionaram no Mali, reivindicando a secessão da parte daquele país habitada por tribos tuaregs. Este povo, na realidade é uma nação sem Estado (nunca o tiveram) e as fronteiras estabelecidas pela partilha colonial pouco lhes dizem. O MNLA – Mouvement National pour la Liberation de l’Azawad atacou/ocupou recentemente várias localidades cerca da “curva” do Niger, no Mali.

Dada a fraqueza do exército maliano não é de estranhar que entre em execução o plano “antiterrorista” com que os EUA têm envolvido os governos da África em geral e do Sahel em particular, nos últimos anos de intensa atividade do Africom.

2.2 - Iraque

Em finais de 2011 os EUA e os seus ansiosos fiéis abandonaram o Iraque – deixando atrás os costumeiros “consultores” da tropa local – um lastro com mais de 1 M de civis mortos e com destruições maciças das infraestruturas do país; são os habituais problemas colaterais - como se diz na gíria NATO - para pacificar o país. Contudo, as bombas continuam a rebentar e a fazer vítimas. (3)

Esta retirada, se bem que não termine a presença militar ou reduza a relevância estratégica que o Médio Oriente tem para os EUA revela, essencialmente, fracassos e objetivos não conseguidos.

Da invasão e posterior ocupação do Iraque pelos EUA e seus apêndices - todos eles desde muito cedo ansiosos por sair de cena – podem extrair-se algumas notas relevantes para a abordagem do empenho ocidental atual contra o Irão e a Síria:

a)    Recordemos aqui o coro dos dirigentes ocidentais e do seu maestro, o famoso George W Bush, todos garantindo ter provas insofismáveis da existência de armas de destruição massiva no Iraque. Veio a confirmar-se que as tais armas eram inexistentes mas, o que realmente existiu, foi o seu papel de argumento central numa jogada de grosseira propaganda. O argumento das armas de destruição massiva contra o Irão - ou argumentação semelhante - não colherão, decerto, o mesmo apoio que em 2003. Porém, sabe-se ser sempre possível comprar ou arregimentar na ONU uns quantos fiéis, como as Ilhas Marshall ou o amestrado ministro Portas para participarem em qualquer número circense.

b)    A promessa da instauração de uma democracia - mesmo que de mercado - falhou clamorosamente. Ao regime autoritário e corrupto de Saddam sucedeu um mandarinato mais diversificado – mas não menos corrupto - que, logo após a invasão americana soube aproveitar-se da melhor maneira - a pior para os iraquianos - os financiamentos e auxílios dos EUA. O exemplo que se pretendia mostrar a regimes e povos do Médio Oriente, o das alegrias da democracia de mercado, com o abandono do autoritarismo militar ou feudal, não teve seguidores; as mudanças na Tunísia e no Egito resultaram essencialmente da esforçada luta da multidão contra os ditadores e, em nenhum caso, o Iraque serviu de inspiração;

c)    O resultado da intervenção no Iraque não veio afinal a amenizar a antipatia antiamericana e antiocidental nos países muçulmanos. O Afeganistão continua ocupado e os paquistaneses não têm apreço algum pelo regime do corrupto Zardari e dos militares, empresários e torcionários. As monarquias árabes prosseguem serenamente nas suas manifestações de autoritarismo, repressão e recusa de direitos civis e políticos para a população. Os palestinianos continuam a ser objeto da espoliação da sua terra e dos seus haveres às mãos de uma seita racista que funciona como um cérbero de guarda dos interesses ocidentais, mormente energéticos, no Médio Oriente;

d)    A presença de militares americanos no Golfo Pérsico e nas terras árabes começou em 1991, no seguimento da invasão do Kuwait por Saddam. Expulsos os iraquianos da “sua” 19ª província, os EUA permitiram a manutenção de Saddam, com uma soberania limitada, com áreas de exclusão aérea e sanções que atingiram duramente a população; é evidente que a continuidade da presença dos EUA iria continuar sob o argumento da supervisão do Iraque, da contenção do seu líder, que mesmo enfraquecido, funcionava como uma falsa ameaça para o Kuwait ou para a Arábia Saudita;

e)    A invasão do Afeganistão (2001) e, posteriormente do Iraque (2003) foram outras tantas formas de perpetuar a presença americana no Médio Oriente a qual, entretanto, se foi expandindo por causa da ameaça “terrorista”, da al-Qaeda e em nome da contenção do Irão. Agora, com as retiradas do Iraque e proximamente do Afeganistão, é preciso nomear novas ameaças para justificar a presença em terras do petróleo e nas rotas de saída do mesmo para países rivais. Os EUA vêm construindo um dispositivo militar composto por 32 bases na região do Golfo Pérsico (4) onde se destaca Seeb, Thumrait e Masirah no Oman, Al-Ubeid no Qatar, o comando da V esquadra no Bahrein, perto de Manama e Camp Arifjan ou Camp Doha no Kuwait;


2.3 - Afeganistão

Os EUA estão aqui desde 2001 quando invadiram o país com o pretexto de capturar bin Laden e o seu hospedeiro, o mullah Omar, chefe dos integristas talibãs que então governavam o país. Obama anunciou retirar do país em 2014 deixando-o entregue ao seu homem de mão, Karzai, ligado à CIA e ex-funcionário de uma companhia petrolífera americana, Unocal, entretanto integrada na Chevron.

O regime de Karzai caracteriza-se pela corrupção e pela fraude eleitoral a que a tutela americana fechou os olhos para favorecer o seu pupilo. É a presença militar americana que garante que a instabilidade não degenere em caos e permite os investimentos chineses e indianos. Porém, os três milhões de refugiados no Paquistão e no Irão parece não confiarem muito na continuidade da pax americana.

A orografia e as dificuldades de circulação acentuam as diferenças étnicas e políticas numa sociedade rural, com fortes tradições patriarcais e laços tribais, linguísticos ou étnicos que favorecem a existência de milícias armadas e senhores de guerra. A guerra e a posição estratégica favoreceram uma atividade florescente de plantação e tráfico de ópio que tem promovido graves danos sociais, mas que serve de fonte financeira para o armamento dos senhores da guerra.

Como é evidente a luta contra o terrorismo e a punição de bin Laden foi um argumento falso para invadir o Afeganistão, em 2001 mas, suficiente para fomentar uma onda patrioteira e justiceira nos EUA bem como justificar quebras de direitos e uma fobia anti-islâmica no país e que se tornou produto de exportação. Mais tarde, em 2008, o candidato Obama iria referir o subdesenvolvido Afeganistão, encravado na Ásia e sem acesso ao mar, como a real ameaça à segurança dos EUA!

Há vários fatores que explicam esta obsessão pelo Afeganistão ou resultam dela;

a)    A presença no Afeganistão constitui uma ameaça direta ao Irão, situando-se em Shindand, a 100km da fronteira comum, a maior base militar americana no país embora o centro logístico do dispositivo militar dos EUA esteja em Bagram, a norte de Kabul;

b)    Numa propensão proactiva, os EUA tentaram utilizar o Afeganistão para trazer os imensos recursos energéticos do Turquemenistão e do Kazaquistão  para o Índico, retirando-os portanto, de rotas dependentes da Rússia e, ao mesmo tempo, sem passar pelo Irão. Esse projeto fracassou completamente como se explicitará mais adiante.

c)    Tal como os soviéticos nos anos 80, os americanos não estudaram o fracasso dos britânicos no Afeganistão, no século XIX; e esqueceram as proximidades culturais dos pashtun de um lado ou do outro da artificial fronteira com o Paquistão (este, mais uma “brilhante” criação britânica para dividir o seu antigo império das Índias). Consequentemente, a instabilidade política e social agravou-se no Paquistão, suscetível de provocar conflitos com a Índia;

d)    O cultivo da papoila para a produção de heroína no Afeganistão (uns 93% da produção mundial em 2007) ocupa mais terra do que a plantação de coca na América Latina e gera $ 50000 M por ano (5). O cultivo aumentou substancialmente desde a derrota dos talibãs e constitui peça importante na economia mafiosa mundial que tanto capital encaminha para o sistema financeiro e a poderosa Wall Street; ambos, funcionando para o descontentamento da esmagadora maioria da humanidade. Os senhores da guerra funcionam como os guardiões das plantações, cobrando para o efeito, sob a bênção dos EUA. Este cultivo repete o que os EUA fizeram nos anos setenta do século passado no Laos, no Cambodja e na Birmânia, onde a CIA controlava a heroína e o ópio para financiar a guerra americana contra os guerrilheiros vietnamitas;

e)    Os EUA já gastaram $ 438 000 M e os ingleses £ 18 000 M com a guerra no Afeganistão e resta saber se, após a sua retirada o ajuste de contas entre os vários senhores da guerra, os talibãs e Karzai, não irá trazer a este último a sorte do seu antecessor Najibullah que em 1989, depois da saída dos soviéticos foi assassinado com requintes bárbaros.


         2.4    – Síria

A questão síria – pese embora toda a ambiguidade dessa designação, está a apresentar novos episódios diários.

Onde há repressão, há resistência. Na Síria há contestação mas, aparentemente incapaz de vencer o regime e as várias forças sociais que o apoiam; os cristãos ortodoxos (4%), as oligarcas sunitas, os druzos (3%) ou os arménios que toleram o poder alauita, seita xiita que representa 12% da população, que lhes garante a estabilidade; e que provavelmente mudarão de opinião quando Bashar estiver em queda. Por outro lado, o predomínio dos “Irmãos Muçulmanos” na contestação a Bashar não atrai muitos dos que preferem o laicismo do regime sírio a um regime religioso de base sunita, com a imposição da lei corânica.

a)    Contrariamente ao que aconteceu na Tunísia ou no Egito onde se assistiu (e assiste) a pacíficas contestações de massa, na Síria e talvez não apenas através de deserções do exército, não relevantes para quebrar a sua unidade, a oposição tem recorrido às armas. Em termos estritamente legais, essa opção justifica a intervenção brutal e pesada contra os revoltosos, para mais, apenas armados com “kalashnikovs”;

b)    É uma verdade que um levantamento armado não inserido num forte apoio da multidão é sempre frágil e fica condenado ao fracasso. Guevara pagou com a vida a sua visão romântica de revoluções baseadas em vanguardas de heróis. Qualquer manual de guerrilha reflete o ensinamento de Mao “um revolucionário deve estar para o povo assim como um peixe está para a água”. Neste sentido, os insurgentes, ou alargam o seu apoio popular ao ponto de isolar e dividir os atuais apoiantes de Bashar ou, são esmagados; e não nos parece realista que aconteça na Síria uma intervenção militar como a observada na Líbia, protagonizada pela NATO;

c)    Na oposição síria não há muitos adeptos de uma intervenção militar externa para resolver problemas internos, uma vez que o país tem um historial rico de humilhações, ocupações e agressões, as mais recentes das quais a partir da entidade israelita. Os casos do Iraque e da Líbia revelaram bem os altruistas intuitos dos ocidentais; assim, o empenho ocidental contra Bashar não credibiliza a oposição síria e a crispação dos vizinhos turcos também não. Recorde-se ainda que a Turquia otomana governou a (Grande) Síria até à guerra de 1914/18; que os ocupantes franceses brindaram os turcos com uma fatia de território sírio (o sandjak de Alexandretta, hoje conhecida por Iskenderun) em 1939 para garantir a neutralidade turca no conflito mundial de 1939/45.   Porém, a Turquia recusa uma intervenção estrangeira e mesmo a fixação de zonas de exclusão aérea na Síria;

d)    Há um evidente interesse russo (e da China) em esfriar os ímpetos ocidentais contra a Síria. A sua aceitação da resolução 1973 contra a Líbia foi ultrapassada e veio a servir como trampolim para a agressão da NATO contra aquele país. Terminada a guerra, a redistribuição dos recursos petrolíferos líbios veio a fazer-se a favor dos ocidentais, mormente franceses e ingleses, em detrimento da continuidade dos negócios de russos e chineses com Kadhafi. Daí o veto de ambos – Rússia e China – no Conselho de Segurança da ONU à proposta ocidental contra a Síria, no passado dia 4 de fevereiro; não quererão, decerto, ver na Síria, uma repetição dos maus resultados registados na Líbia. No que se refere ao petróleo e num mundo sedento do seu consumo, a Siria apesar de não ter reservas impressivas comparadas com as da Líbia (2500 M barris contra 46400 M barris) não pode ser ignorada;

e)    Por outro lado, a Rússia tem uma relação próxima com a Síria onde detém uma base naval em Tartous, a sua única posição permanente no Mediterrâneo, qual resquício da grandeza soviética. E, não é difícil imaginar que, com a queda de Bashar al-Assad, um novo poder, criado pelos EUA, ou agradecido pelo papel destes na cruzada a favor da “democratização” da Síria,  solicitará aos russos o abandono de Tartous.

f)       No seguimento deste veto, dia 6 de fevereiro, os EUA retiram o pessoal diplomático de Damasco ao mesmo tempo que Obama diz o problema ser resolúvel sem intervenção militar. Curiosamente, os regimes ocidentais de democracia de mercado para pressionar a queda do regime ditatorial sírio, utilizam como apoiantes os países da Liga Árabe que, em grande maioria são ditaduras, quando não monarquias absolutas. Em política a gratidão tem pouca cotação; o emir do Kuwait terá esquecido que a Síria de Hafez al-Assad (pai de Bashar) condenou, em 1990, a invasão do Kuwait por Saddam, embora este e Hafez fossem os chefes supremos de dois partidos irmãos, o Baas iraquiano e o sírio;

g)    A Síria poucos anos atrás constituia o principal obstáculo a um projeto de construção de condutas entre a Turquia (Ceyhan) e Israel, para o transporte de petróleo, água e eletricidade ao território sionista, pois necessariamente teria de atravessar águas territoriais sírias. Uma mudança de regime em Damasco poderia ser um elemento viabilizador do projeto, considerando que a Turquia abrandaria a sua crispação com Israel nascida do assalto militar dos sionistas ao Mavi Marmara em maio de 2010;

h)    Também Israel seria grande beneficiário de mudanças políticas na Síria, se o novo poder aceitasse de facto, a ocupação dos Golan, em troca de negócios com Israel e, sobretudo, se dificultasse a vida do Hezbollah no Líbano ou permitisse o seu isolamento, limitando a influência de Teerão no Líbano;

i)        Finalmente, refira-se que estrategicamente, a preocupação democrática do Ocidente quanto ao regime de Damasco prende-se essencialmente com o período de pressão política e militar contra o Irão, sabendo-se das fortes ligações entre o Irão, a Síria e o governo libanês.


3 - Dentro de tragédias e comédias do passado recente sobra o quê?

Inebriados pelo desmoronamento das ditaduras e do capitalismo de Estado na Rússia e na Europa de Leste, os ocidentais acreditaram que o seu modelo político e social seria facilmente transplantável para o mundo islâmico e não só. Se não por intermédio de uma discutível superioridade moral, pelo menos através de manu militari que, de permeio e menos mediaticamente, ajudaria ao relançamento da poderosa indústria militar, ressentida com o fim da Guerra Fria (6).

A inevitabilidade do pensamento único neoliberal e da democracia de mercado propagada pelos ocidentais apresenta duas clamorosas negações. Por um lado, o crescimento económico da China revela que um regime repressivo consegue conciliar um capitalismo de Estado com a iniciativa privada nacional ou multinacional e até tornar-se o motor principal do crescimento do PIB ou do comércio mundial, tornando-se, em paralelo, uma potência financeira. Por outro, a deriva recessiva, em termos de economia e de direitos, promovida pela tara neoliberal no Ocidente, retira credibilidade ao modelo ocidental. Se este modelo se revela gerador de desemprego e pobreza, não pode incentivar as multidões dos países islâmicos a uma cópia simples pois os seus países já sofrem demasiado com aqueles problemas.

A recordação das humilhações coloniais e as falhadas ou sabotadas tentativas de repetir a via ocidental são, lucidamente vistas, como herança colonial, por parte dos povos. Finalmente, as barreiras colocadas nos países ocidentais às exportações de outros países ou à entrada de imigrantes - objeto de tratamento racista e discriminatório - não constituem exemplos de solidariedade individual, nem coletiva, para a resolução dos problemas do subdesenvolvimento e da pobreza;

Os regimes em vigor dos países islâmicos, na sua grande maioria, associam-se aos capitais ocidentais, acoplando-se ao sistema da globalização excludente, tornando-se ambos cúmplices na manutenção da pobreza e da ausência de direitos, bem como na repressão das reivindicações dos povos, em todo o mundo e não apenas nos países mais ou menos emergentes. Ainda em 2011, perante as revoltas populares na Tunísia e o Egito, os ocidentais, com Hillary Clinton à frente, manifestaram muito mais preocupação em garantir uma evolução na continuidade do modelo autoritário do que entusiasmo pela pulsão libertadora dos povos;

O esmagador poder militar do Pentágono, da NATO e dos seus aliados evidenciou nem sempre ser suficiente para vencer estrategicamente as guerras em que se metem. Assim, Israel não conseguiu esmagar o Hezbollah em 2006; os EUA não foram capazes de estabelecer um regime democrático e a paz no Iraque, mesmo gastando $ 1 bilião; e no Afeganistão, os EUA procuram sair do atoleiro em que se envolveram, mesmo que os seus opositores estejam bem longe de ter o seu poder militar, tecnológico ou financeiro. No fim, quando abandonam a cena, o Pentágono e a NATO deixam sempre para trás metástases de conflito, de ditaduras, de sofrimento e de miséria, não se podendo afirmar que o mundo fique mais seguro e feliz, após a derrota militar dos sucessivos “estados párias”;

A insistência em guerras e invasões nos últimos vinte anos, por parte dos EUA e dos seus aliados, incluindo a sucursal israelita, não contribuiu para a preparação de fórmulas negociais de gestão de conflitos. O conceito do “nation-building” baseia-se em atitudes racistas de superioridade civilizacional sobre os “nativos”, no desprezo pela sua cultura, a sua história, a sua diversidade étnica ou religiosa, confiando apenas no poder das armas para esmagar o adversário e do dinheiro para comprar mandarins para a representação dos seus interesses;

Embora as atitudes da grande maioria dos regimes dos países islâmicos face à Palestina tenha muito de hipócrita e instrumental para efeitos de propaganda, na realidade as multidões dos países do Médio Oriente são muito favoráveis aos palestinianos e contrárias aos sionistas. Ora os EUA e os seus subalternos europeus tendo, sistematicamente, atitudes desculpabilizantes dos crimes e da ocupação israelita – quando não claramente apoiantes – inviabilizam a priori, o desenvolvimento de grandes simpatias na “rua árabe”. Embora não sendo a Turquia um pais árabe, o seu governo teve de secundar a indignação do seu povo quando da ação terrorista de Israel sobre o Mavi Marmara, em prejuízo das relações comerciais e políticas entre a Turquia e a entidade israelita. Por seu turno, a mudança de regime no Egito teve consequências imediatas e favoráveis aos palestinianos, com o declarado apoio dos egípcios. Para salvar a face, a UE, numa lógica assistencialista, procede a donativos aos palestinianos, sobretudo aos corruptos de Ramallah;

No Iraque, as multinacionais ocidentais da energia voltaram aos poços que dão acesso a 8.3% das reservas mundiais de petróleo, como toda a gente já adivinharia, antes da invasão americana e inglesa. Na Líbia veio a acontecer exatamente o mesmo, com a aplicação de um critério macabro de partilha - a França assenhoreou-se de um terço do petróleo líbio, dado que lhe coube um terço dos bombardeamentos efetuados (7);

No Iraque, logo no início da conquista, os EUA impuseram a transposição na lei, de aspetos tão interessantes como a imunidade legal aos empreiteiros estrangeiros e às empresas de segurança privada, como a famigerada Blackwater; a ausência de impostos sobre os lucros das mercadorias exportadas; ou a obrigação de comprar sementes registadas (OGM) às incontornáveis Monsanto ou Cargill (8);

Constituiu-se um Curdistão iraquiano, semi-independente, tolerante para com os seus irmãos curdos da Turquia o que, por vezes, gera azia em Erdogan; e, no Iraque, teme-se que a haver uma mudança radical do poder na Síria, a província de al-Anbar, fronteira da Síria e de grande maioria sunita, se sinta tentada a uma secessão, desagradada com o poder xiita de Bagdad. As fronteiras resultantes da partilha colonial estão, quase todas, prenhes de artificialidades e contrassensos;

Porventura, a parte que menos agrada aos EUA e suas filiais, é que o antagonismo anti-iraniano cultivado por Saddam, por encomenda dos EUA, deu lugar a uma ligação profunda dos iraquianos – povo e governo, maioritariamente xiitas - com o Irão. Mesmo durante a ocupação americana, as sanções decretadas pela ONU contra o Irão, a partir de 2006, foram ignoradas totalmente pelos iraquianos que contribuíram assim para a inocuidade dessas sanções. O sangrento episódio iraquiano – esperamos os próximos capítulos – faz-nos lembrar que os militares gritam sempre “missão cumprida” mesmo quando retiram estrategicamente derrotados.


 4 - Irão, o suculento alvo dos ocidentais

O Irão é o grande inimigo para os EUA e para a turma europeia no chamado “Arco de Instabilidade”, território que vai do Mediterrâneo até à fronteira oriental do Paquistão. Porém, parece-nos um osso demasiado grande para os dentes do Pentágono, hoje; não por razões estritamente militares, naturalmente, mas sobretudo por razões económicas e políticas.

4.1 - História recente das intervenções ocidentais no Irão

a)    O Irão do primeiro-ministro Mossadegh, nos anos 50 do século passado, humilhou a Inglaterra - que exercia uma suserania sobre o país desde 1913 – quando nacionalizou o petróleo controlado pela antepassada próxima da BP;

b)    Em 1953, a CIA e o MI6 derrubaram Mossadegh, apoiando o xá num regime despótico. Os iranianos só se livraram da dinastia Pahlevi em 1979, após uma revolução democrática que depois foi suplantada pela aplicação da “sharia” imposta pelo clero xiita, em torno de Khomeini, considerado pelo povo como um consequente opositor do xá. Na vida real, porém, há muitas situações de tolerância relativamente aos rigores da lei islâmica;

c)    Ainda em 1979, no âmbito dessa revolução democrática, o antiamericanismo popular veio para a rua e os estudantes ocuparam a embaixada dos EUA, sequestrando dezenas de funcionários para eventual troca pelo xá, refugiado nos EUA. Insatisfeitos, os EUA tentaram uma operação militar de resgate mas, falharam estrondosamente, deixando destroços de aeronaves no deserto iraniano. Entretanto, congelaram os bens iranianos nos EUA que libertaram, dois anos depois, quando foram entregues os funcionários da embaixada.

d)    Com o derrube do xá, foi dissolvida, também em 1979, a CENTO, organização militar dominada pelos EUA e Inglaterra mas, onde participavam além do Irão, o Iraque, o Paquistão e a Turquia, como elos de cerco da URSS;

e)    Em 1980, o Iraque de Saddam Hussein pretendeu inverter a evolução democrática no Irão, aproveitando as divisões entre partidários de Khomeini e a esquerda iraniana, para evitar qualquer contágio junto dos iraquianos xiitas e ainda retirar vantagens territoriais em áreas petrolíferas;

f)       Começa então a guerra Irão-Iraque, com apoios internacionais muito desiguais; os EUA e a Arábia Saudita financiam Saddam havendo também apoios do Egito e da URSS; esta, vendedora de armas a Saddam, mudou de campo quando os EUA se tornaram dominantes no apoio ao Iraque. Os apoiantes do Irão eram apenas a Síria e a Líbia.

g)    Entre as forças militares no terreno havia grande desigualdade em homens e equipamento. O Iraque tinha uma grande superioridade militar, embora o Irão fosse bem mais populoso. Porém, Saddam terá descurado a homogeneidade política e cultural do Irão, um dos mais antigos estados do mundo que, por exemplo, recusou o uso do árabe e voltou ao farsi, pouco depois da islamização – ao contrário do que aconteceu na Síria, na Mesopotâmia e na África do norte. E isso a despeito da diversidade linguística e étnica;

h)    Essa desigualdade de forças fez com que as baixas iranianas tenham sido muito superiores, - 500000/1 milhão de mortos - contra 300000 iraquianos que até utilizaram armas químicas e bombardearam as instalações nucleares de Bushehr. O uso de armas químicas por Saddam desta vez não foi condenado porque o ditador estava do lado americano da guerra;

i)        A política externa do Irão que se sucedeu à guerra com o Iraque tem sido a do jugular da animosidade dos EUA e o rompimento do cerco e isolamento internacional proposto pelos EUA. Nesse sentido, o Irão não reconhece a existência de Israel e tem criado pontes políticas com a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano;

j)        Em relação às intervenções militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão – nas suas fronteiras ocidental e oriental, respetivamente - o Irão tem-se mantido cauteloso mas, sem prejudicar os laços históricos com a maioria xiita no Iraque (60% do total) ou com o Afeganistão, onde há afinidades linguísticas ou religiosas com hazaras, tadjiks, aimaks e pashtuns;


4.2 – A matriz iraniana de relações externas

A globalização, para a qual tanto pugnaram as multinacionais e o sistema financeiro, provocou um efeito perverso no habitual poder ocidental. Em vez de todos os estados e povos do mundo se perfilarem, em submissa vassalagem para com os EUA - como se terá pensado ou desejado após o desmoronamento da URSS - o que se verificou foi um nítido enfraquecimento das economias e da capacidade de intervenção política das potências ocidentais, em contrapartida de uma nova potência – a China – que se vem afirmando, mais e mais, com influência mundial; e, para além da China, vai-se verificando uma reafirmação da Rússia e o surgimento de potências regionais como o Brasil e a Índia e, num outro plano, a África do Sul, a Turquia, o Irão.

Neste contexto, face ao declínio económico ocidental, as principais potências regionais do Oriente - Próximo e Médio - têm procurado um realinhamento político e económico, dirigindo-se para leste e sul, e incrementando também as relações entre si.

a)    Duas dessas potências – Turquia e Irão – têm alicerçado fortes relações de cooperação. A Turquia, depois do desabar da URSS sentiu-se menos ameaçada, estabeleceu pontes com as nações turcófonas da Ásia Central e, sem se descartar da NATO e das bases militares americanas, tem assumido uma grande independência na cena internacional. Por outro lado, a Turquia entendeu que a entrada na UE não passa de uma quimera que entusiasma cada vez menos a população;

b)    A política externa do AKP de Erdogan é a de se colocar como ponte entre o leste e o oeste e, no que diz respeito ao Irão, são vultuosos os seus investimentos ali, assumindo recentemente, com o Brasil, um relevante papel de intermediação na pressão americana sobre o Irão, a propósito do nuclear (ver 4.3 neste documento). Nesse âmbito de ponte entre dois mundos, a Turquia recebe gás do Irão através de duas condutas que saem de Tabriz, tal como é atravessada desde 2005 pelo BTC (Baku-Tiblisi-Ceyhan), oleoduto dominado pela BP e com o alto patrocínio americano, para impedir rotas do petróleo através da Rússia ou do Irão. Em paralelo, o BTC transporta gás do Turquemenistão até Erzurum na Turquia, a incorporar no projeto Nabucco, cuja viabilidade está muito comprometida;

c)    A Leste e Norte do Irão, estão os países ligados  à  OCX – Organização de Cooperação de Xangai nascida em 2001, a partir dos “cinco de Xangai” (Rússia, China, Cazaquistão, Quirguizistão e Tadjiquistão) criado em 1996, a que se juntou o Uzbequistão. Mais tarde, aderiram como observadores, o Irão, a Índia, a Mongólia (2006) e o Paquistão. Estes países rodeiam, quase totalmente, um “enclave” americano chamado Afeganistão;

d)    A OCX – pese embora as rivalidades e até animosidades entre alguns dos seus membros ou observadores – tem uma existência que nada convém aos EUA. Unir as enormes populações da China e da Índia, com o poder financeiro da China, as reservas energéticas da Rússia, do Irão e do Casaquistão e ainda o poder militar da Rússia e da China -  para além de que quatro dos dez parceiros detêm armas nucleares - é um elemento estruturante na geopolítica mundial. Recentemente, os dois principais membros efetivos do OCX vetaram os propósitos ocidentais quanto à Síria e não demonstram qualquer interesse em participar seriamente em sanções contra o Irão;

e)    A Índia recebe uns 15% das suas necessidades energéticas a partir do Irão que é a sua fonte mais próxima de energia. Uma via de abastecimento é a partir de Chabahar, porto a sudeste iraniano, fora do golfo Pérsico e onde a Índia investe no seu desenvolvimento, com eventual construção de um oleoduto submarino, para evitar a passagem por solo paquistanês. Um outro desenvolvimento estratégico seria a construção de um corredor multimodal que, ligaria Bombaim a S. Petersburgo, com ramificações para a Europa e a Ásia Central; atravessando todo o território iraniano e o Turquemenistão, que assim enviaria o seu gás para a Índia, através de um sistema de trocas com gás iraniano. Este projeto não agrada aos ocidentais, que ficariam sempre de fora (9);

f)       Em março de 2010, Irão e Paquistão assinaram um acordo para a construção de um oleoduto ligando os dois países, tendo a infraestrutura em território iraniano sido completada em julho de 2011, depois de vencidas as pressões americanas de vários anos, que preferiam transportar eletricidade do Tadjikistão através do Afeganistão. O projeto visa o estabelecimento de ramais dentro do Paquistão e uma passagem para a Índia, com ramais subsequentes que poderão atingir o Bangla Desh (10);

g)    Em janeiro de 2010 foi iniciada a trasfega do gás do campo de Dauletabad no sul do Turquemenistão e Khangiran no nordeste iraniano (11), onde se integra na rede interna do Irão, abrindo assim uma nova porta de saída para as imensas reservas turcomanas, depois do início de uma outra ligação a oeste, em 1997 junto à fronteira entre os dois países, no Caspio (12);

h)    Para além do petróleo e do gás, o Irão está colocado nos dez primeiros lugares mundiais na produção de zinco, chumbo, cobalto, alumínio, manganês e cobre (13).

4.3 - O nuclear iraniano

O programa nuclear iraniano foi iniciado nos anos 50, com a ajuda dos EUA e suspenso após a revolução de 1979. Nessa ocasião, a empresa alemã Kraftwerk Union AG, ligada à Siemens e à AEG Telefunken abandonaram a construção da central de Bushehr devido à pressão dos EUA.

Em 1995, o Irão, depois de se refazer dos danos da guerra com o Iraque, retomou o seu programa nuclear, nomeadamente para concluir Bushehr, no âmbito de um acordo com a Rússia, afirmando entretanto que esse programa de centrais nucleares se desenvolverá também em Arak e Darkhovin/Ahvaz para produzir 6000 Mw de eletricidade até 2010. Para o efeito, tem ou projeta ter, reatores de pesquisa em Tabriz, Ramsar e Teherão, outras instalações em Natanz e Isfahan e explorar as minas de urânio no sudeste (Saghand e Jasd).

Desde essa retoma do programa nuclear os EUA, secundados pelos aliados europeus e pela filial israelita, vêm procedendo a acusações nunca fundamentadas de que existe um projeto oculto de produção de armas nucleares. Revelando que o cão ladra sempre, primeiro e mais alto do que o dono, Israel vem demonstrando o seu apetite por um bombardeamento das instalações nucleares iranianas, à semelhança do que fez em Osirak, no Iraque, em 1981. O dono, porém, tem a mão firme e vai impedindo a ação, como impediu a retaliação israelita quando Saddam enviava mísseis Skud, em 1991, sobre Israel; porém, a ação mantém-se latente.

As sanções aprovadas pela ONU iniciaram-se em 2006, no âmbito da habitual utilização da instituição para dar cobertura aos interesses dos EUA e do resto da turma ocidental. Noam Chomsky, em março de 2010, expressa claramente que "o Irão é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante”.

A crispação americana tem infetado o processo de obtenção do combustível nuclear pelo Irão, o que não acontece com mais nenhum país com centrais nucleares. Em 2009, o Irão pediu a assistência da AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) para a obtenção de combustível para a pesquisa com fins de uso médico, tendo-se sucedido um conjunto de peripécias diplomáticas para o controlo ocidental da tramitação do material, da tecnologia do enriquecimento e da transformação em combustível destinado ao Irão. Recusando as exigências ocidentais o Irão iniciou, em Natanz, (fevereiro 2010) o enriquecimento do urânio a 20%.

     Os EUA e os seus aliados propuseram então mais sanções contra o Irão e para distender a situação, o Brasil e a Turquia elaboraram com o Irão (maio de 2010) um acordo sobre a troca de urânio a 3.5% por outro, enriquecido a 20%, reafirmando “o direito de todos os países à investigação, produção e uso da energia nuclear, com fins pacíficos, sem discriminação" (14). Este acordo, embora semelhante às propostas ocidentais não demoveram os EUA da aprovação de novas sanções contra o Irão, no âmbito da ONU.

     Ora, o urânio enriquecido a 20% não tem aplicação na produção de armas atómicas pois nestas é usado urânio a 80% (ou mesmo 90%, como na bomba enviada pelos EUA contra Hiroshima). Embora Ahmadinejad tenha anunciado tanto a capacidade como o desinteresse do Irão em enriquecer o urânio a 80%, isso deve ser considerado com objetivos políticos e até a AIEA considera que o Irão só pode proceder ao enriquecimento até 20%.

     Entretanto, (abril de 2010) Obama afirmou a nova doutrina nuclear americana segundo a qual os EUA não usariam armas nucleares contra países que não as possuam e subscrevam o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP (15), excluindo a Coreia do Norte e o Irão dessa garantia. Claro que essa garantia valerá pouco dado o precedente perante o Japão em 1945 ou do uso de munições com urânio empobrecido no Iraque, em 1991 ou, na Sérvia, em 1999. É, contudo, um facto político a ter em conta, uma manifestação evidente de hostilidade.

     Sendo o Irão subscritor do TNP e não tendo - até prova em contrário - armas nucleares, é evidente a ameaça. Uma vez mais, os EUA se arrogam a ter mais direitos do que os outros estados, a auto-intitularem-se zeladores e intérpretes de quem tem, ou não tem direito a ter as tais armas, a assumir a perpetuidade do seu arsenal nuclear e os dos outros membros do clube nuclear. Sabe-se, contudo, que a paz e a segurança no mundo só teriam a ganhar se fossem desmanteladas todas as armas de destruição massiva, mormente de cariz nuclear.

     Por outro lado e pela mesma ocasião, um consultor da AIEA afirma que a quantidade do urânio armazenado pelo Irão tem estado estável há muito tempo e que “a possibilidade de o Irão continuar a fabricar uma arma nuclear com um estoque de urânio escondido é totalmente falsa”. Segundo o mesmo técnico “Acredito que o problema não é a questão nuclear. Há vários interesses geopolíticos em jogo, pois o Irão tem um papel de equilíbrio no Oriente Médio. É um contrapeso a países como Arábia Saudita e Emirados Árabes, aliados locais dos EUA. O Irão também tem relações com grupos palestinos, que desestabilizam Israel. Acho que hoje o problema é político, não técnico.” (17)

     A hipocrisia é enorme. A Índia e o Paquistão têm assumidamente armas nucleares e não assinaram o TPN, o mesmo acontecendo com a entidade israelita, que não assume a sua posse e cujo programa de armamento nuclear foi iniciado em 1967, com a colaboração francesa (18).

     Na sequência da revisão do TNP em 2010 foi programada uma conferência para a desnuclearização do Médio Oriente e para a qual foram convidados todos os estados da região incluindo a entidade israelita, que não é signatária do tratado, embora detenha umas 200 armas nucleares, bem como capacidade de as transportar nos seus mísseis Jericho, para alvos a 11500 km de voo.

     Esta capacidade detida por Israel, de lançar uma bomba nuclear, no Rio de Janeiro, por exemplo, bem longe da região de onde poderão surgir ameaças à sua segurança, não é o produto de um delírio dos seus militares. Essa capacidade atesta que Israel é uma fortaleza ocidental no Próximo Oriente e que faz parte do dispositivo militar-estratégico ocidental cuja cabeça é o Pentágono; o que, portanto, justifica todo o apoio financeiro, económico e diplomático ocidental à entidade israelita. A essa integração a nível militar deve juntar-se uma outra, bem conhecida, entre a CIA e a Mossad.

     Para compor o ramo das acusações americanas contra o Irão, um ex-oficial americano, cientista político senior da “recomendável” RAND Corporation, Seth Jones, escreveu na revista Foreign Affairs um artigo onde revela a presença de milhares de membros da al-Qaeda no Irão, ali refugiados quando os EUA invadiram o Afeganistão. Entre os refugiados afegãos no Irão (um milhão em 2003) nada custa a admitir que militantes da al-Qaeda se tivessem juntado à multidão para salvar a pele. Curioso mesmo é que esse facto só agora seja conhecido, dez anos depois do acontecimento, numa fase em que a propaganda ocidental se mostra acesa na diabolização do Irão. Pelo que se vê, mesmo após a morte de bin Laden, a al-Qaeda continua a ser um argumento político útil ao Pentágono (19).

     É portanto, enganador continuar com a lenda do nuclear militar iraniano. É pior que enganador, é aceitar uma discussão nos termos convenientes pelos EUA e pela sua filial israelita que visam apenas isolar o Irão e manter a supremacia americana e ocidental no Médio Oriente, bem como o controlo das suas fontes de energia. Esse controlo não significa para os acidentais, mormente os EUA, apenas o abastecimento próprio (ver 4.4 neste documento) mas, sobretudo, terem o poder de interferir nos abastecimentos de rivais estratégicos como a China, a Índia, o Japão ou a Coreia do Sul, muito dependentes dos fornecimentos energéticos provenientes do Golfo Pérsico; e assim ter o poder de determinar a marcha das suas economias.

     Talvez não esteja na agenda dos EUA uma nova guerra em larga escala. Este ano (2012) os EUA iniciarão uma integração entre o exército afegão e as tropas ocidentais para dar ao primeiro mais experiência no combate aos talibãs mas, também para reduzir substancialmente o combate direto dos ocidentais com os opositores da sua presença. É a repetição do processo de vietnamização da guerra, cujos resultados se conhecem e que não deixaram de ser considerados como uma derrota dos EUA e dos seus aliados; é também a repetição do processo iniciado no Iraque, anos atrás. 

     Estes processos constituem acima de tudo formas suaves de sair do terreno sem alcançarem uma vitória estatégica, eliminando a ameaça do inimigo, dando a ideia de que a intervenção militar e a “ajuda” permitiram dotar os “nativos” de capacidades próprias e autónomas de sucesso futuro, de evolução virtuosa no caminho da democracia e da civilização. Uma vez que as intervenções militares têm como objetivo muito específico satisfazer os interesses do invasor e ocupante, as transformações sociais e políticas não são as necessárias ou as aceites pelo povo; e daí que a luta se reacenda e intensifique após a saída militar dos invasores.

     Esses processos de passagem das responsabilidades militares para soldados locais tem ainda várias vantagens; caem bem junto da opinião pública americana que vê os seus soldados regressarem a casa, pois quanto aos mercenários ninguém se importa que continuem no terreno e atuem sem escrutínio público; alivia os cofres do estado americano, a braços com o desemprego, a pobreza e o essencial apoio ao sistema financeiro; constitui uma forma disfarçada de assunção de derrota.

     Parece estar um curso uma estratégia militar de não invasão do território inimigo, com a ocupação do seu solo, com a gestão da desordem administrativa, dos refugiados, dos atentados, com a responsabilidade pela reconstrução de infraestruturas  … mesmo que isso possa beneficiar empresas americanas, colocadas na primeira linha das adjudicações.

     Recorde-se que no novo conceito estratégico da NATO (2010) são definidas quatro fases de “gestão das crises” -  a proteção preventiva, a gestão pró-ativa das crises, a utilização da força militar e a estabilização post-intervenção – reconhecendo-se ser esta última a mais cara, a mais demorada, a mais difícil e a geradora de mais custos humanos e financeiros para os invasores.

     Para evitar essa última fase, na Líbia, a intervenção militar baseou-se nos bombardeamentos, na utilização da recolha de informação e no apoio logístico aos grupos armados anti-Kadhafi. Derrotado Kadhafi e reafetos os direitos sobre os recursos petrolíferos a favor dos ocidentais, ninguém se parece preocupar com a concertação entre os vários grupos armados, que se digladiam entre si, nem muito menos com a reconstrução dos danos causados pela guerra, essencialmente, sequelas da intervenção ocidental.

     Também no Bahrain e perante as manifestações populares foram tropas sauditas e dos Emiratos Árabes Unidos que intervieram para a manutenção do poder da familia al-Khalifa, apesar de se situar no Bahrain a sede do comando da V Esquadra americana e dos militares ali presentes rondarem os 5000, para além das guarnições de uns 30 navios.

     Esta assunção de debilidade estratégica torna-se mais clara perante a dimensão do Irão e dos contornos geopolíticos das suas imediações. Por isso preferirão medidas de caráter económico, assassínios e sabotagens, contando na região com o incondicional apoio da sinistra Mossad; ou mesmo ações provocatórias com aviões não tripulados ou outras, com a intervenção de grupos especiais, eventualmente criados em países vassalos da região do Golfo. Neste aspeto, a Arábia Saudita seria o melhor colocado pois os seus gastos militares correspondem a 11,2% do PIB em 2010, contra 2,5% para o Irão, em 2007.

     Para além da sua fortaleza israelita, os EUA em 2012, diferentemente ao acontecido em 1979, não têm um Saddam para confrontar o Irão e veem-se obrigados a estar numa primeira linha na confrontação, num jogo de bluff pouco promissor mas, perigoso; a Arábia Saudita e os Emiratos podem funcionar como auxiliares mas, não para protagonizarem, por procuração, uma confrontação direta com o Irão. Mas, tal como Israel, adorariam que os EUA cilindrassem o Irão e ocupassem militarmente (ainda mais) a região pois isso garantiria a perpetuidade das várias casas reais do Golfo, como protetorados dos americanos, como o foram dos británicos até à descolonização.

     Porém, qualquer conflito militar no Golfo iria afetar, com duração indefinida, todo o sistema mundial de distribuição da energia e os seus preços (acrescido em mais 30% segundo o FMI) (20), o que no estado calamitoso das economias ocidentais só viria a acentuar o seu declínio. E disso, a Casa Branca e o Pentágono estão bem conscientes.


     4.4 - O impacto das sanções energéticas decretadas pela UE

Em 2010, os ratios reservas comprovadas/produção, para o petróleo e para o gás natural, referidas ou calculadas a partir de informação contida no Statistical Review of World Energy relativo a 2010, revelam as enormes reservas existentes nas margens do Golfo Pérsico e, em contrapartida, a penúria estratégica da China e dos EUA, que os obriga a garantir no exterior os seus abastecimentos energéticos.

O Irão, com as terceiras maiores reservas, em valores absolutos no capítulo do petróleo – depois da Arábia Saudita e da Venezuela - e as segundas – depois da Rússia - no que se refere ao gás, torna-se no país com maior relevância em termos energéticos, sobretudo, porque detém no seu território grandes quantidades dos dois mais versáteis dos combustíveis fósseis. Note-se que os produtores europeus de gás têm reservas relativamente limitadas, medidas atraves do ratio acima referido – Noruega com 18.8 anos, Holanda 17 e Inglaterra 5.3 anos.

                                                                     (anos de produção – nível de 2010)
Petróleo
Gás natural
   Mundo
46.2
   Mundo
58.6
   Arábia Saudita
72.4
   Arábia Saudita
13.6
   China
10.0
   Argélia
56,0
   EUA
11,3
CChina
28,9
   Irão
88.4
   Emiratos Ár. Un.
117,6
   Iraque
128.1
   EUA
12,6
   Kuwait
110.9
   Irão
213,8
   México
10,6
   Qatar
217.0
   Rússia
20,6
   Rússia
76.0
   Venezuela
234,1
  Turquemenistão
189,4

Assim como a China vem desenvolvendo afanosamente um ambicioso plano de construção de barragens hidroelétricas e centrais nucleares, ao mesmo tempo que investe nas renováveis (e daí o seu interesse pela EDP), o Irão procurará garantir uma duração maior das suas reservas e das exportações energéticas, criando uma alternativa nuclear, almejada desde os tempos do último dos Palehvi.

Em 2010, comparativamente a 1995 e de acordo com elementos publicados pela CNUCED, destacamos os elementos seguintes sobre o comércio externo iraniano e que revelam a enorme relevância dos produtos energéticos nas exportações;

   Variação do total das exportações
 5,5 vezes
   Variação das exportações de petróleo, bruto ou refinado
       5.7vezes
   Variação das exportações de gás, natural  ou não
     14.3 vezes
   Variação da restante exportação
4.4 vezes

A repartição espacial das exportações iranianas em geral e dos produtos energéticos revela as transformações estruturais do comércio e da produção mundiais que se consubstanciam no declínio do domínio ocidental após cerca de três séculos de predomínio. Essas transformações globais provocam tensões, conflitos e ajustamentos estratégicos que re-hierarquizam os estados.

Os equilíbrios nas transações energéticas são normalmente instáveis e, são muitos os fatores que afetam os preços. Quando os burocratas da UE decidiram cancelar as importações petrolíferas do Irão a partir de julho, para mostrar serviço à suserania estratégica dos EUA, decerto saberão que daí não surgirão dificuldades inultrapassáveis para o Irão. E, dentro da proverbial sapiência dos burocratas, espera-se que a retaliação, pelo Irão, de suspender as exportações petrolíferas para França e Inglaterra, anunciada a 19 de fevereiro, não venha a constituir mais um elemento de sacrifício para os povos europeus

O mais provável será uma reafetação da logística das origens e dos destinos, com ou sem redução da exportação global do Irão. Entre os principais clientes do Irão, a China e a Índia, por exemplo, não estarão muito dispostos a acertar o passo com a UE recusando o petróleo iraniano, até porque o dinamismo económico que vivem tornam-nos ávidos de petróleo e pouco dispostos a colaborar com elementos de instabilidade no fornecimento energético; e, por outro lado, o Japão e a Coreia do Sul só muito relutantemente e perante fortes pressões ocidentais, entrarão no jogo do boicote.

Nos últimos quinze anos assiste-se a uma quebra constante do peso do conjunto dos países da Europa “desenvolvida” no total das exportações de petróleo bruto ou dos seus refinados: 42,8% em 1995 e somente 22.5% em 2010. A perda de posição dos países europeus e, em menor escala, do Japão e da Coreia do Sul, é nitidamente compensada pelo relevo crescente das importações chinesas e indianas; estas, em conjunto, eram irrelevantes no contexto das exportações iranianas em 1995 mas, evidenciam o crescimento do peso da China desde então e o da Índia, a partir de 2006. A partir de 2007, o conjunto das exportações iranianas para a China e a Índia ultrapassa claramente as que se dirigem para a Europa.

                                                              Fonte primária: CNUCED

A exportação iraniana de gás representa, em 2010 apenas 2,3% das exportações totais, contra 79,3% do petróleo e dos seus refinados no mesmo ano. Dentro desse contexto, a importância relativa da Europa “desenvolvida” representa apenas 7.8% do total, embora em anos recentes tenha tido maior representatividade.

                                                                                     Fonte primária:CNUCED

Avalie-se, em seguida, a estrutura das importações da Europa e dos EUA para se aquilatar a dependência face aos fornecedores do Médio Oriente, tomando de empréstimo elementos colhidos na Statistical Review of World Energy relativa a 2010.

A importação global de petróleo bruto ou refinado por parte da Europa e dos EUA tem um quantitativo próximo – 12094 mil barris/dia no primeiro caso e 11689 mil barris/dia para os EUA, para o ano de referência, 2010. O peso dos fornecimentos provenientes do Médio Oriente é maior na Europa do que nos EUA, o que no primeiro caso, as sanções podem conduzir a uma maior dependência da Rússia. Notam-se ainda diferenças nítidas relativas à posição geográfica mas, essencialmente, no que concerne ao grau de concentração nas quatro principais áreas fornecedoras da Europa, por um lado e, dos EUA, por outro.
                                                                                                                          (%)
Europa
    EUA
    Países da ex-URSS
49,5
    Canadá
21,7
    Médio Oriente
19,5
    América Sul e Cent.
18,9
    Norte de África
13,9
    Médio Oriente
14,8
    África Ocidental
  7,6
    África Ocidental
14,4
    Outros
  9,6
    Outros
30,2

É duvidoso que os EUA se queiram envolver numa nova guerra de grande extensão territorial e temporal; e os seus aliados europeus muito menos, pois as guerras do Império não são simpáticas na Europa. Aliás, na intervenção na Líbia, os intervenientes europeus demonstraram não ter um dispositivo adequado e, nem sequer conseguiram manter um abastecimento  adequado em munições da frente de combate (21).

Quando se fala de guerra, ao aterrar na colónia ibérica da Troika, é incontornável recordar que todos os submarinos têm portas sendo único o caso de Portas que fazem lembrar submarinos.

Portas, com o seu exaltado ar de pregador, parece um Torquemada a exortar à queima dos infiéis iranianos, ou o protagonista de um festival pimba da mentira, beneficiando da ignorância ou da subserviência do jornalismo luso, em matéria de geopolítica. Todos nos recordamos também da emanação do seu integrismo católico contra o chamado “barco do amor” que transportava militantes em defesa da IVG, em 2005, contra o qual se ridicularizou com o envio de uma canhoneira... já que os submarinos ainda não tinham entrado ao serviço.

blog Grazia Tanta


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