UM PAÍS DE MEIA ILHA
Acima da Austrália, a Ilha da Nova Guiné é a segunda maior do mundo.
A oeste fica a província Papua, da Indonésia.
No leste fica um país independente, a Papua Nova Guiné
Cinco homens fortes carregam um pesado porco que esperneia. Eles usam apenas tapa-sexo de palha. Sua cabeça está ornada com plantas e penas de pássaros.
São os membros mais importantes da comunidade e têm uma missão respeitada por todos: transformar o animal na peça principal do banquete comunitário, o mumu.
O líder mais robusto – uma massa de músculos produzida pela vida árdua do campo – segura uma borduna de madeira que ele mesmo esculpiu. Os outros quatro homens, curvados, agarram o suíno com suas mãos largas.
O braço levanta e a pancada no crânio é seca e certeira. O porco desmaia imediatamente.
A cena é desagradável e prefiro assistir ao drama através da lente fotográfica.
Os golpes seguintes são truculentos.
Um esmaga o focinho e o sangue jorra em todas as direções. Calça, camisa e câmera não são poupadas. Sinto um nó no estômago.
Segundo os conceitos ocidentais, esse modo de matar um porco é cruel, um ato de barbarismo.
Para os habitantes das montanhas e vales centrais de Papua Nova Guiné (PNG), é um rito tradicional de reunião da comunidade para uma refeição coletiva. Nessa região remota do país, não existem geladeiras e raros são os vilarejos com energia elétrica.
Quando um porco é abatido, a carne precisa ser consumida logo. Como um animal alimenta de 20 a 30 pessoas, a cada sacrifício várias famílias ingerem a fonte de proteínas.
O porco foi domesticado pelos habitantes locais há alguns milhares de anos.
Ele ainda possui feições de porco selvagem e, quando adulto, duas enormes presas.
Nas montanhas, é o animal de maior valor.
O número de porcos de uma família denota seu status, e o chefe da comunidade dono de algumas dezenas de animais será mais respeitado. O porco também significa liquidez económica: existe um intenso movimento de compra, venda e troca.
ASSUSTADOR
Um homem de barro, com seus afiados dedos de bambus, em um festival em Monte Hagen. Ele simboliza a vitória da astúcia contra a força bruta.
O mumu é uma marca registrada dos povos das montanhas. As ocasiões mais importantes são sempre celebradas com a refeição comunitária. Acontece para festejar a independência, um aniversário, até mesmo um funeral. Ou a inauguração de uma escola ou de uma estrada. Um bom banquete conta com dezenas de porcos.
Enquanto os líderes da comunidade estão ocupados limpando e cortando o porco abatido, as mulheres sentam-se no chão para preparar tubérculos e vegetais.
Usam pedaços de bambu, afiados como facas, para descascar os alimentos. Ninguém fica de braços cruzados.
Outros homens cavam um buraco, de meio metro de profundidade. Geralmente o buraco já existe, mas é preciso limpá-lo e acertar as beiradas. O que é particular no mumu é a maneira como os ingredientes são cozidos: dentro da terra.
Por cima do buraco quadrado que servirá de forno subterrâneo, dois jovens deitam longos pedaços de lenha, lado a lado, como se estivessem preparando um estrado.
Quando o fogo começa a arder, um monte de pedras roliças é depositado sobre as madeiras. Agora entendo o segredo do mumu.
São as pedras que vão manter o calor constante e cozinhar tudo o que for colocado dentro da cavidade. Em 20 minutos, toda a madeira é consumida pelo fogo e se transforma em carvão. As pedras, que estavam em cima da madeira, caem no fundo do buraco. Sobre elas e o carvão são espalhadas várias camadas de folhas de bananeira.
As mulheres aparecem com cestos de bananas verdes descascadas e depositam o conteúdo na pequena cratera. Outros cestos – desta vez, de kau-kau (batata-doce) – também são despejados. Os flancos dos porcos cortados entram no arranjo.
Pelo menos 20 homens trabalham e todos parecem saber exatamente o que deve ser feito. Mais bananas, mais kau-kaus e mais folhas verdes – e o buraco está cheio de alimentos. No final, entram as cabeças dos porcos. Somente os focinhos aparecem, rodeados de verduras.
O pacote final é recoberto com mais pedras e uma camada final de terra. Nenhuma fumacinha sai do forno: todo o vapor está preso nessa enorme panela de pressão. Em três horas, o banquete será servido.
Durante o mumu, converso com Anthony Hetaya, um dos líderes do clã Yugu de Lakawanda. O assunto é guerra tribal.
“Os conflitos entre clãs têm três razões: roubo de terra, de mulher ou de porco. Usamos apenas nossas armas tradicionais”, afirma.
A última batalha de sua comunidade foi contra o clã Lai, na década de 80. “Perdemos. Morreram dois membros de nosso clã.
Tivemos de pagar uma compensação de 175 porcos vivos.” Embora ainda haja muitos confrontos na região – a polícia e o Exército preferem não se meter –, os Yugus estão convencidos de que não vale a pena entrar em uma batalha. “Numa guerra, não dormimos nem comemos direito, as mulheres e as crianças sofrem e não temos liberdade de movimento. Quando perdemos, as compensações são altas”.
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