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sábado, 30 de março de 2019

MONEY TALKS

estatuadesal.com



(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 30/03/2019)

(A Dona Clara adora as elites e escrever sobre elas e – reconheça-se -, que o faz bem. Que a América é como um perdigueiro a farejar os odores do dinheiro do qual a Europa se envergonha e tem pudor de ostentar.
Bem, mas assim sendo, a Dona Clara sempre me pareceu mais americana que europeia. Quem não tem os dólares de Trump para ostentar pode ficar-se sempre por parodiar quem os detém.
Estátua de Sal, 30/03/2019)

Alguém acreditou que a investigação de Mueller sobre possível conspiração entre a campanha de Trump, com Trump à cabeça, e a Rússia de Putin pudesse ser provada e punida, a existir? Só os democratas, que parecem ter esquecido em que país vivem. 

Na América, e não é a América de Trump, apenas os Estados Unidos da América, perseguir o poder absoluto é impossível. O que é o poder absoluto? 
A união do poder político e do mais alto cargo público jamais inventado, com o poder económico e social. Donald Trump é um multimilionário. 
Pode sê-lo apenas no papel, ou com créditos, corrupções e falências, mas continua a ser um multimilionário, parte de uma casta que é reverenciada, elogiada e copiada no país da oportunidade e do individualismo. 

Os americanos não respeitam especialmente os direitos humanos ou a perseguição da felicidade, ao contrário do que se pensa por aí, os americanos respeitam o dinheiro e a liberdade de o ganhar e acumular de todas as maneiras. 

Em nenhum outro lugar uma pessoa é abordada por estranhos que perguntam, o que faz?, e a seguir, quanto fatura por ano? 
Para um europeu, este é um crime de lesa-majestade. 

Na Europa, o dinheiro é um segredo envergonhado, por causa das doutrinas marxistas que geraram as nossas democracias e a proteção do trabalhador. 
Na América, terra do capitalismo triunfante, o capital é o valor supremo e o acumulador de capital não é um bandido, é um herói.

Trump, com o seu “belo Sikorsky”, o helicóptero em que chegava aos comícios, as mulheres compradas e importadas que ele diz que lhe custaram uma fortuna, o avião dourado, a marca gravada nos arranha-céus, a ostentação de riqueza que lhe valeu a capa da “Vanity Fair” e a adulação dos liberais e dos media antes de se zangarem com ele, é um moderno herói americano. 

Antes de manipular o Twitter com destreza, Trump manipulava os media e usava-os como garantia pessoal e bancária. Na televisão, que ainda comanda o mundo, Trump foi um vencedor, e gerou milhões de dólares. 

Quando o momento chegou, na ressaca dos movimentos politicamente corretos e da negação dos efeitos perversos da globalização e do dumping chinês nos trabalhadores brancos do Ocidente, Trump avançou e ganhou. 

Os democratas continuaram a discutir temas de sociedade e utopias, enquanto Trump lhes roubava a classe operária e rural, mais os pobres. De caminho, Trump levou ainda, na sua acumulação de capital político, os ideólogos da supremacia, os racistas misturados, os iletrados, os frustrados e os reacionários, essa América redneck que impera no sul e no meio do continente e que não quer saber de finuras. 

Não ganhou o voto popular mas por essa altura já o colégio eleitoral estava garantido pelos republicanos que viram nele a galinha dos ovos de ouro. Ali, as eleições ganham-se com o voto branco, masculino e feminino, não com o voto dos imigrantes, das minorias, dos negros que ou não votam ou não podem votar, das mulheres e dos homossexuais. 
Ou das elites. Pode ser que a demografia esteja a mudar, mas este voto ainda é o voto principal. E na Europa também, caso estejamos esquecidos. 

Não se ganham votos em França ou na Holanda, na Suécia ou na Dinamarca, com os africanos e os muçulmanos. Convém perceber como ganha a extrema-direita nos países onde a imigração aumentou brutalmente.

Trump já era um vencedor antes de ocupar a Casa Branca. A junção dos poderes deu-lhe o maior poder que alguém jamais teve. O do Twitter, da televisão, do dinheiro, do voto e do cargo. O cargo de Presidente foi concebido como tendo proteção total. É inverosímil destronar um Presidente eleito, e não existe arbitragem. 

O ‘Watergate’ deu ao jornalismo a ilusão de um poder fictício e pontual, mas o ‘Watergate’ foi também uma junção única de poderes. O do dinheiro da Katharine Graham, uma grande senhora de Washington e do establishment, o da coragem dos denunciantes e dos jornalistas e editor do “The Washington Post”, o da fraqueza intrínseca de um Nixon paranoico e assustado com o Vietname, o das marchas dos direitos civis, o da ideologia da revolução na política americana. 

O Vietname deu cabo de Nixon, mais do que o assalto ao ‘Watergate’, mas quando o ‘Watergate’ aconteceu, ele só poderia cair. Hoje, o poder presidencial não cairia assim. O ‘Watergate’ seria, na era das redes e da internet, na época pós-subprime e pós-9/11, impossível. Os mercados ensandeceriam e dariam cabo do mundo que conhecemos.
Pensar que os Estados Unidos estariam preparados para acusar o seu Presidente de conspiração e de traição, de ser um agente dos russos, uma toupeira de Le Carré, é ficção que ninguém ousaria escrever. O sistema americano, de Wall Street a Silicon Valley, do Pentágono ao Capitólio, poderia admitir que estava nas mãos rapaces de Putin sem dar por isso?

Foi para isto que a América ganhou a Guerra Fria? Para ser vencida pelos trolls russos e kompromat? Seria o fim do poder americano, a machadada final no império, e nem Gore Vidal aprovaria tal coisa. Mesmo que existissem provas de collusion, Mueller seria desaconselhado a apresentá-las. 
O deep state existe e, neste caso, beneficiaria Trump para salvar a América da vergonha e da humilhação. 
Esta investigação estava condenada, tão condenada como a estupidez de exaltar uma atriz pornográfica e o venal advogado, Michael Avenatti, como arautos da limpeza moral do Presidente. Avenatti foi preso esta semana, claro, com outra acusação pendente. 
Tão condenada como a de considerar Michael Cohen, outro venal criado, um arrependido que viu a luz da verdade e do bem.

Dito isto, não acredito que Putin tenha recrutado Trump. Seria demasiado inteligente para o fazer. 
Não precisou. As táticas do KGB dão fruto sem necessidade de enfiar toupeiras na Casa Branca, e já não estamos no século XX. 
Basta usar a tecnologia e oferecer uma suíte de hotel com serviços incluídos e uma torre Trump na capital. Para relembrar com amizade o passado em Moscovo. Money talks, bullshit walks.

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