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domingo, 23 de dezembro de 2018

Toda a história sobre o polvo das Juntas de Freguesia



O deputado do PSD Sérgio Azevedo terá enviado emails a empresários com instruções sobre como poderiam assinar contratos com a Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa. No âmbito da Operação Tutti Frutti, o Ministério Público desconfia que o alegado esquema de desvio de dinheiros públicos, tráfico de influência e branqueamento de capitais foi replicado noutros órgãos autárquicos

Enquanto transcreviam centenas de escutas telefónicas e analisavam a correspondência eletrónica da operação Tutti Frutti, os inspetores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ) foram surpreendidos por emails em que Sérgio Azevedo, deputado e ex-vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, dava indicações detalhadas a empresários do seu círculo de amigos sobre como todos poderiam lucrar com contratos assinados com a Junta de Freguesia de Santo António, que agrega várias artérias do centro de Lisboa. O nível de pormenores de algumas destas mensagens de correio eletrónico, conjugado com conversas telefónicas, leva os investigadores a suspeitarem de que Sérgio Azevedo terá montado, juntamente com funcionários daquele organismo autárquico, um esquema de tráfico de influência, faturação falsa e branqueamento de capitais que pode ter sido replicado noutras juntas de freguesia de Lisboa e com outros empresários, que ainda não foram identificados.


O plano descrito nos emails e em contactos telefónicos passaria por levar a que determinada empresa fosse convidada, por escrito, a assinar um contrato com a junta de freguesia; depois, esse contrato seria efetivamente adjudicado mas, no final, nenhum ou pouco trabalho seria feito em prol do órgão executivo local. De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, nos planos alegadamente traçados por Sérgio Azevedo, pelo menos parte da avença mensal paga pela junta de freguesia à empresa deveria ser reinvestida por esta na contratação do escritório de advogados onde aquele deputado do PSD trabalha: a Legal Seven, uma nova sociedade que tem sede numa rua próxima da Praça de Espanha, em Lisboa.
Um dos destinatários dos emails de Sérgio Azevedo que estão sob investigação é Jorge Varanda, um advogado de Braga que foi constituído arguido no final de junho no âmbito da operação Tutti Frutti – que investiga trocas de influências entre militantes do PS e do PSD para conseguirem posições estratégicas, avenças e contratos públicos – durante uma operação de buscas que varreu várias juntas de freguesia e sedes partidárias, e chegou aos gabinetes de Manuel Salgado e de Fernando Medina, na Câmara Municipal de Lisboa.
O nome de Varanda já tinha aparecido associado ao de Sérgio Azevedo no caso dos emails do Benfica, por o deputado do PSD ter transmitido a um dirigente do clube da Luz que o advogado de Braga e ex-vereador da Câmara de Vieira do Minho estava interessado em ir ver o jogo entre o Benfica e o Sporting de Braga – que abria o campeonato no verão de 2012. Desta vez, no caso Tutti Frutti, terá sido Sérgio Azevedo a procurar ativamente que Jorge Varanda seguisse as suas instruções, chegando a enviar-lhe um email, quase em forma de tutorial, para que participasse no que a Polícia Judiciária e o Ministério Público consideram ser um plano de contratos e avenças fictícias.
Nessa mensagem de correio eletrónico, o deputado do PSD informa que a Junta de Freguesia de Santo António iria contactar Varanda para saber se uma das suas empresas estaria interessada em prestar um serviço àquela entidade; que depois essa sua empresa assinaria um contrato com a junta de freguesia por ajuste direto; e que, de seguida, Jorge Varanda reutilizaria uma parte do dinheiro recebido da junta para pagar por serviços alegadamente prestados pela Legal Seven. Só que a investigação acredita que tudo isto não passava de um estratagema para desviar dinheiros públicos e que, no fim, nem a empresa de Jorge Varanda prestaria um real serviço àquele órgão executivo local que valesse a avença mensal nem a Legal Seven faria qualquer trabalho jurídico às empresas do advogado de Braga.

OS AMIGOS E AS COINCIDÊNCIAS


Jorge Varanda, contactado pela VISÃO, assume ter recebido emails de Sérgio Azevedo, mas nega ter-lhes dado seguimento. “Não fiz rigorosamente nada. Recebi esses emails que ele efetivamente mandou, mas o último fez-me não fazer nada.” Escusando-se a dar mais esclarecimentos por o processo se encontrar em segredo de justiça, o advogado acrescenta que nunca trabalhou para a Junta de Freguesia de Santo António nem conhece o seu presidente, o social-democrata Vasco Morgado.
De facto, a investigação encontrou conversas telefónicas e mensagens escritas que mostrarão que Sérgio Azevedo terá ficado irritado por Jorge Varanda não ter respondido à consulta da junta de freguesia. No entanto, a equipa liderada pela procuradora Andrea Marques, no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, está convencida de que esta não terá sido a única tentativa do deputado do PSD para levar o seu projeto avante, numa altura em que precisaria de dinheiro e de clientes para representar uma mais-valia na Legal Seven. Neste ponto, os investigadores terão desembocado em José Paulo do Carmo, empresário que fez a comunicação de várias marcas e empresas, amigo de Sérgio Azevedo e sócio de uma incubadora cultural e criativa com sede na Madeira, a Atlanticulture.
A investigação concluiu que quer a Magalhães do Carmo, de José Paulo do Carmo, quer a ACG, do seu sócio na Atlanticulture Sérgio Nóbrega, assinaram contratos este ano com a Junta de Freguesia de Santo António. Nenhum deles foi ainda divulgado no Portal Base, o site onde são publicados os ajustes diretos e outros contratos públicos. O da ACG está em vigor desde fevereiro e rende à empresa uma avença mensal na ordem dos 3 mil euros. O da Magalhães do Carmo terá sido assinado em abril para durar até ao fim do ano e renderá no final cerca de 24 mil euros, segundo José Paulo do Carmo. O dono da empresa de comunicação, plataformas web e novas tecnologias diz à VISÃO que este foi o primeiro contrato público que a sua empresa venceu: “Estamos sempre atentos a concursos públicos. Perdemos uma série deles em câmaras municipais. Este foi o primeiro que ganhámos.” Foi contratado pela junta de freguesia para fazer consultoria de comunicação para a área de educação e garante que está a cumprir esse contrato: “Fui chamado para uma reunião com o presidente da junta há um mês e meio. Estamos, por exemplo, a dar consultoria para um projeto da universidade sénior.”
José Paulo do Carmo confirma que recebeu um email de uns funcionários da Junta de Freguesia de Santo António a perguntar se a sua empresa não estaria interessada em trabalhar com o executivo local. Um dos envolvidos nessa troca de emails é Nuno Firmo, vogal da junta de freguesia que, à data, desempenhava funções de tesoureiro e terá visto o seu computador de casa ser apreendido durante a ronda de buscas do processo Tutti Frutti, em junho passado. O empresário Paulo do Carmo conhece Nuno Firmo dos tempos da faculdade e admite ser “conhecido há muitos anos” de Sérgio Azevedo. Admite também que Azevedo lhe terá oferecido ajuda para eventuais candidaturas a fundos europeus, mas recusa que o seu contrato com a junta de freguesia seja uma moeda de troca. “O meu trabalho é conhecido, já faço comunicação há muitos anos. Até admito que o Sérgio possa ter sugerido o meu trabalho a alguém porque tem muitos amigos na política, mas não sei se o fez neste caso e o que é certo é que estou a fazer o trabalho contratado.”
Também Sérgio Nóbrega, madeirense e sócio de José Paulo do Carmo na Atlanticulture, confirma à VISÃO que soube daquela oportunidade na Junta de Freguesia de Santo António porque a sua empresa ACG foi previamente contactada por funcionários daquela entidade: “A ACG e a Magalhães do Carmo tiveram uma consulta da Junta de Freguesia de Santo António no âmbito da consultoria para a área de comunicação e eventos. Apresentámos propostas e assinámos contratos de prestação de serviços. Na ACG temos um contrato válido neste momento e estamos a prestar o serviço.” O empresário madeirense acrescenta até que recentemente entregou outro projeto ao executivo de Vasco Morgado: “Apresentámos uma proposta para assessorarmos a junta de freguesia em eventos sobre economia social. Caso seja aprovada, viagens e estadas, tudo isso terá de ser pago à parte.”
Só quando a conversa chega à Legal Seven, as versões dos sócios divergem. Sérgio Nóbrega diz que foi a reuniões naquele escritório de advogados quando, juntamente com José Paulo do Carmo, tentava expandir a Atlanticulture para Cabo Verde (projeto entretanto implementado com o Ministério do Turismo daquele país), mas que a contratação não avançou. “Explicámos o que queríamos e eles apresentaram-nos um orçamento, mas era incomportável para a nossa realidade.” Já José Paulo do Carmo conta que, em fevereiro de 2018, Sérgio Azevedo lhe terá pedido “um empréstimo de 15 mil euros” para poder entrar nessa sociedade de advogados – “não emprestei, não tinha” – e que na sequência dessa conversa e da expansão da Atlanticulture para outros mercados terá, sim, contratado os serviços jurídicos da Legal Seven.
E o que diz Sérgio Azevedo sobre todas estas suspeitas? “Nunca mandei esses emails e nunca recomendei empresas de amigos ou conhecidos meus com a intenção de fazer negócios. Nenhuma das empresas sob investigação terá sido contratada por minha influência e presumo que todas prestem os serviços.” À VISÃO, o político diz que é e sempre foi deputado em exclusividade e que decidiu ir estagiar para a Legal Seven enquanto está a fazer o doutoramento, não recebendo qualquer remuneração por essas funções. Mais à frente, lembrar-se-á que terá recomendado os serviços do advogado Jorge Varanda à Junta de Freguesia de Santo António, porque lhe teriam perguntado “se não conhecia alguém que pudesse fazer uns estudos na área da terceira idade” e admite como possível ter recomendado os serviços de José Paulo do Carmo, para quem tinha feito uns trabalhos jurídicos relacionados com uns registos e umas dívidas por cobrar na Atlanticulture. “Eles pagaram-me, passei recibos, paguei impostos, mas uma coisa não tem nada que ver com a outra e, pelo que sei, continuam a prestar serviços à junta de freguesia.”
O Ministério Público suspeita que as juntas de freguesia que se envolveram nestes esquemas têm passado os últimos meses a exigir trabalho às empresas beneficiadas, porque estão sob vigilância no inquérito-crime e não querem deixar dúvidas de que os contratos estão a ser cumpridos. Apesar disso, os investigadores acreditam ter indícios de que funcionários da Junta de Freguesia de Santo António sabiam que estavam a participar num esquema de avenças fictícias, quando os contratos foram redigidos. Nuno Firmo, antigo tesoureiro, terá sido uma das pessoas apanhadas nas conversas telefónicas que os investigadores têm ouvido e transcrito nos últimos meses. Sérgio Azevedo admite conhecer aquele membro da junta de freguesia e reconhece que pode até ter recomendado uma aplicação que aquele produziu, enquanto fundador da RightCo, para aproximar os cidadãos das suas freguesias, chamada A Nossa Freguesia. Porém, diz que a relação não passou daí. “A minha influência era tão curta que não fechou contrato nenhum a não ser com a [junta da] Penha de França, que nem sequer é do PSD.”
A VISÃO tentou, por diversas vias, falar com o presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado. Sem êxito. Mas o seu assessor Fernando Lopes assegurou: “Esta junta é do PSD, mas nunca entrou nesses lobbies. Fazemos muitos convites a empresas e o critério que usamos normalmente é o da pesquisa no Google. Ninguém foi contratado por pressão de emails. É impossível controlar as ligações do funcionário A, B ou C, mas que a junta de freguesia e o presidente tenham anuído é outra coisa. Temos a convicção de que os dinheiros públicos têm de ser muito bem geridos.”

QUADRADO DE RELAÇÕES


O advogado Jorge Varanda terá sido apresentado a Sérgio Azevedo por Carlos Reis, conselheiro nacional do PSD e filho de Fernando Reis, um histórico daquele partido que foi presidente da Câmara Municipal de Barcelos e está a ser julgado, em Braga, por suspeitas de ter lesado a autarquia na concessão das Águas de Barcelos a uma empresa privada, com contratos redigidos precisamente por Jorge Varanda.
Carlos Reis é outra das figuras do PSD investigadas no processo Tutti Frutti por as suas empresas terem sido contratadas através de ajuste direto por várias autarquias e juntas de freguesia, entre elas a da Estrela, liderada por Luís Newton, com quem Sérgio Azevedo viajou para a China a convite da Huawei. Os três – Reis, Newton e Azevedo – integraram uma lista para o Conselho Nacional do PSD.
E as pontes não terminam aqui. Sérgio Azevedo trabalhava como consultor para Carlos Reis e ambos terão viajado para Moçambique com a intenção de fazer negócios – entre os quais a abertura de um restaurante com José Paulo do Carmo. Também a Ambigold, de Carlos Reis, assinou, em outubro de 2014, um contrato com a Junta de Freguesia de Santo António para obras num jardim da Praça das Amoreiras, por cerca de 42 mil euros (mais IVA). Ao que a VISÃO averiguou, esse montante não terá sido pago até à data, tendo Carlos Reis recorrido a uma injunção para exigir o pagamento. O círculo não estará completo sem a Legal Seven, que terá prestado serviços à mesma junta de freguesia relacionados com contratação pública, sem que esse trabalho fosse pago e formalmente adjudicado.
Jorge Varanda é o único a ter sido constituído arguido até ao momento – só nessa condição o seu escritório poderia ser alvo de buscas. Carlos Reis e Sérgio Azevedo estiveram sob escuta no processo que nasceu em 2016, na sequência de denúncias anónimas que têm sido atribuídas a guerras dentro do PSD. Nenhum foi ainda interrogado


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