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Até há pouco tempo seria um desenvolvimento muito inesperado. Mas depois do anúncio do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, da intenção de retirar os militares que tem na Síria a combater o grupo jihadista Daesh, a surpresa é quase nenhuma.
Os curdos sírios pediram ajuda a Damasco por temerem uma invasão turca numa determinada zona junto à fronteira. O regime fica assim um pouco mais perto de poder declarar vitória total.
Desde 2012 que os curdos sírios aproveitaram a revolução e a repressão que se seguiu para se organizarem dentro do que chamam Rojava (Curdistão Sírio ou Ocidental).
Bashar al-Assad tinha outras frentes com que se preocupar. Depois veio o Daesh e os curdos chegaram a ter de combater jihadistas, o regime e a oposição árabe sunita ao mesmo tempo. E os turcos. Também se aliaram a opositores árabes contra o Daesh. E os EUA, que antes já armavam e financiavam os curdos, também vieram.
A escolha, para Washington, era óbvia. Se não queria envolver-se directamente neste conflito, se queria armar algum grupo e se precisou de quem combatesse os radicais no terreno, não havia aliado como as YPG (Unidades de Defesa do Povo), o braço armado do PYG (Partido da União Democrática). Havia mais grupos curdos mas estes eram de longe os mais bem armados e treinados, daí terem facilmente assumido o controlo das três regiões que formam Rojava, no nariz (fronteira Sul) dos turcos.
Enquanto se combatia e tentava sobreviver também se experimentava uma nova forma de organização política, para amar de forma acrítica (neste caso, Abdullah Öcalan, o líder histórico do PKK, Partido dos Trabalhadores do Povo, preso desde 1999 na Turquia).
Entretanto, os curdos iam resistindo e salvando comunidades inteiras de cair nas mãos do Daesh.
Foi o que aconteceu com Kobani, a cidade curda síria que os jihadistas quase tomaram em Dezembro de 2015. Ao longo de quatro meses de confrontos morreram pelo menos 1600 pessoas e a cidade ficou em ruínas, mas tornou-se num símbolo – de resistência, para os curdos; de fragilidade, para o Daesh, que um ano depois de ter ocupado vastas áreas da Síria e do Iraque perdia, por fim, a aura de invencibilidade.
A certa altura, as YPG passaram a contar com uns 2000 militares americanos (incluindo membros das forças especiais) a seu lado.
A maioria passou este ano em Manbij (de onde os curdos tinham obrigado o Daesh a retirar, em 2016), onde Erdogan ameaçava atacar depois de derrotar Afrin, em Janeiro. Afrin foi durante anos a capital de Rojava, uma espécie de pequena Alepo (que fica 40 km a sul de Afrin) por para lá terem fugido tantos dos curdos (e alguns árabes) da antiga maior cidade da Síria.
Quando lançaram a Operação Ramo de Oliveira, a 20 de Janeiro deste ano, os turcos não estavam a atacar as YPG (que consideram terroristas, tal como o PKK) pela primeira vez. Mas nunca o tinham feito de forma tão assumida. Agora diziam combater “o terrorismo curdo” e já não o Daesh. E o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, prometia “varrer” os curdos da sua fronteira, empurrando-os na direcção do Iraque, para Leste.
Já na altura Trump prometera a Erdogan que ia parar de armar os curdos. Mesmo que estes tivessem acabado de expulsar o Daesh da sua capital simbólica, Raqqa, à frente da coligação formada pelos EUA, as Forças Democráticas Sírias. Estava oficialmente aberta uma outra pequena grande guerra dentro de uma crise em que participam todos os países da região, mais uma série de nações europeias, os EUA e a Rússia.
Em vez disso, Erdogan perguntou: porque é que os EUA mantinham tropas na Síria, se o Daesh já foi derrotado? Com o que sobra do grupo, insistiu, a Turquia pode bem.
A resposta nem Erdogan a esperava. “OK, vou retirar, fiquem vocês com isso”, terá dito Trump, segundo descrevem responsáveis ouvidos por diferentes media americanos. Segundo estimativas credíveis, ainda são 30 mil os membros do Daesh na Síria.
O anúncio de retirada foi feito e as demissões seguiram-se em catadupa na Administração Trump e na liderança da coligação internacional de combate ao Daesh. Os curdos ainda tentaram pedir ajuda aos franceses mas a Turquia continuava a ameaçar atacar e todos os dias juntava mais forças na fronteira, perto de Manbij. Esta sexta-feira, as YPG convidaram “o governo sírio a assumir o controlo das áreas” de onde estas vão retirar, “em particular Manbij, para as proteger de uma invasão turca”.
Há, como sempre, relatos contraditórios. Damasco diz que os seus soldados já estão em Manbij e ali fizeram içar a bandeira oficial síria. Curdos ouvidos pela Al-Jazira afirmam que os combatentes leais a Assad permanecem nos arredores; os EUA ainda não saíram e Assad e os russos estarão a negociar ocupar a cidade quando isso acontecer.
“Claro que isto vai ajudar a estabilizar a situação”, comentou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
“Quanto mais área estiver sob controlo do governo melhor”. Embora os líderes regionais tenham garantido repetidamente que Assad teria de sair do poder, esta acaba por ser uma solução capaz aceitável para todos. Impossível era as potências árabes aceitarem a Turquia com um pé inteiro dentro da Síria.
Para as YPG “foi o último recurso”, diz à Al-Jazira Sami Nader, director do Instituto de Estudos Estratégicos do Levante. “Temiam outro cenário como o de Afrin, estavam encurralados, completamente sob pressão.”
Os curdos sírios pediram ajuda a Damasco por temerem uma invasão turca numa determinada zona junto à fronteira. O regime fica assim um pouco mais perto de poder declarar vitória total.
Desde 2012 que os curdos sírios aproveitaram a revolução e a repressão que se seguiu para se organizarem dentro do que chamam Rojava (Curdistão Sírio ou Ocidental).
Bashar al-Assad tinha outras frentes com que se preocupar. Depois veio o Daesh e os curdos chegaram a ter de combater jihadistas, o regime e a oposição árabe sunita ao mesmo tempo. E os turcos. Também se aliaram a opositores árabes contra o Daesh. E os EUA, que antes já armavam e financiavam os curdos, também vieram.
A escolha, para Washington, era óbvia. Se não queria envolver-se directamente neste conflito, se queria armar algum grupo e se precisou de quem combatesse os radicais no terreno, não havia aliado como as YPG (Unidades de Defesa do Povo), o braço armado do PYG (Partido da União Democrática). Havia mais grupos curdos mas estes eram de longe os mais bem armados e treinados, daí terem facilmente assumido o controlo das três regiões que formam Rojava, no nariz (fronteira Sul) dos turcos.
Enquanto se combatia e tentava sobreviver também se experimentava uma nova forma de organização política, para amar de forma acrítica (neste caso, Abdullah Öcalan, o líder histórico do PKK, Partido dos Trabalhadores do Povo, preso desde 1999 na Turquia).
Entretanto, os curdos iam resistindo e salvando comunidades inteiras de cair nas mãos do Daesh.
Foi o que aconteceu com Kobani, a cidade curda síria que os jihadistas quase tomaram em Dezembro de 2015. Ao longo de quatro meses de confrontos morreram pelo menos 1600 pessoas e a cidade ficou em ruínas, mas tornou-se num símbolo – de resistência, para os curdos; de fragilidade, para o Daesh, que um ano depois de ter ocupado vastas áreas da Síria e do Iraque perdia, por fim, a aura de invencibilidade.
A certa altura, as YPG passaram a contar com uns 2000 militares americanos (incluindo membros das forças especiais) a seu lado.
A maioria passou este ano em Manbij (de onde os curdos tinham obrigado o Daesh a retirar, em 2016), onde Erdogan ameaçava atacar depois de derrotar Afrin, em Janeiro. Afrin foi durante anos a capital de Rojava, uma espécie de pequena Alepo (que fica 40 km a sul de Afrin) por para lá terem fugido tantos dos curdos (e alguns árabes) da antiga maior cidade da Síria.
Quando lançaram a Operação Ramo de Oliveira, a 20 de Janeiro deste ano, os turcos não estavam a atacar as YPG (que consideram terroristas, tal como o PKK) pela primeira vez. Mas nunca o tinham feito de forma tão assumida. Agora diziam combater “o terrorismo curdo” e já não o Daesh. E o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, prometia “varrer” os curdos da sua fronteira, empurrando-os na direcção do Iraque, para Leste.
Já na altura Trump prometera a Erdogan que ia parar de armar os curdos. Mesmo que estes tivessem acabado de expulsar o Daesh da sua capital simbólica, Raqqa, à frente da coligação formada pelos EUA, as Forças Democráticas Sírias. Estava oficialmente aberta uma outra pequena grande guerra dentro de uma crise em que participam todos os países da região, mais uma série de nações europeias, os EUA e a Rússia.
Último recurso
A conversa entre Trump e Erdogan de 14 de Dezembro pode bem ter sido o prego que faltava ao caixão de Rojava. Erdogan ameaçava de novo com uma ofensiva total e esperava-se que o líder americano o dissuadisse.Em vez disso, Erdogan perguntou: porque é que os EUA mantinham tropas na Síria, se o Daesh já foi derrotado? Com o que sobra do grupo, insistiu, a Turquia pode bem.
A resposta nem Erdogan a esperava. “OK, vou retirar, fiquem vocês com isso”, terá dito Trump, segundo descrevem responsáveis ouvidos por diferentes media americanos. Segundo estimativas credíveis, ainda são 30 mil os membros do Daesh na Síria.
O anúncio de retirada foi feito e as demissões seguiram-se em catadupa na Administração Trump e na liderança da coligação internacional de combate ao Daesh. Os curdos ainda tentaram pedir ajuda aos franceses mas a Turquia continuava a ameaçar atacar e todos os dias juntava mais forças na fronteira, perto de Manbij. Esta sexta-feira, as YPG convidaram “o governo sírio a assumir o controlo das áreas” de onde estas vão retirar, “em particular Manbij, para as proteger de uma invasão turca”.
Há, como sempre, relatos contraditórios. Damasco diz que os seus soldados já estão em Manbij e ali fizeram içar a bandeira oficial síria. Curdos ouvidos pela Al-Jazira afirmam que os combatentes leais a Assad permanecem nos arredores; os EUA ainda não saíram e Assad e os russos estarão a negociar ocupar a cidade quando isso acontecer.
“Claro que isto vai ajudar a estabilizar a situação”, comentou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
“Quanto mais área estiver sob controlo do governo melhor”. Embora os líderes regionais tenham garantido repetidamente que Assad teria de sair do poder, esta acaba por ser uma solução capaz aceitável para todos. Impossível era as potências árabes aceitarem a Turquia com um pé inteiro dentro da Síria.
Para as YPG “foi o último recurso”, diz à Al-Jazira Sami Nader, director do Instituto de Estudos Estratégicos do Levante. “Temiam outro cenário como o de Afrin, estavam encurralados, completamente sob pressão.”
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