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Joana Gorjão Henriques
O colonialismo moderno faz parte da construção do Ocidente, tal como o cristianismo ou a ideia do Estado-nação, lembra Miguel Vale de Almeida.
E o que o colonialismo constrói é “um mundo dividido” entre o Estado-nação europeu e colónias, estas “definidas pela raça”: interessa aos colonizadores a conquista do território, extrair as mais-valias do ponto de vista económico e usar as pessoas como mão-de-obra, primeiro através da escravatura, depois do trabalho forçado, analisa o antropólogo que tem investigado este tema.
Fazem-no recorrendo à ciência para justificar que há “uma razão natural, física, constitucional” para que os colonizados não tenham direitos, nem cidadania.
Pelo seu carácter semiperiférico, Portugal, um país pobre e dependente do Reino Unido, precisou de “se adaptar de formas mais ginasticadas” enquanto um colonizador “de segunda categoria”. Por isso, “em vez de levar até ao fim a teoria da diferença racial em absoluto pensou em termos de discriminação de estatutos, mas ‘permitindo’ que alguns dos colonizados transitassem para o poder, criando micro-sociedades crioulas, intermediários, pessoas que se assimilam”.
Esta é uma das suas especificidades. A outra é o facto de, no século XX, o colonialismo operar em ditadura, o que “aumentou” a sua “capacidade de construir ideologia”. Sob pressão internacional, para dar uma melhor imagem de si próprio, o Estado Novo pega nas ideias lusotropicalistas de Gilberto Freyre e adapta-as à experiência portuguesa em África (defendendo assim uma especial inclinação portuguesa para a miscigenação e adaptação às comunidades locais), “quando na verdade o racismo estrutural era brutal”.
Uma ideologia que atravessa as elites
Autora de obras sobre a presença africana em Portugal, a historiadora Isabel Castro Henriques continua: a ideologia colonial que marcou a primeira metade do século XX assenta em mitos como “a superioridade do homem branco sobre o homem negro”, a missão civilizadora dos portugueses, a crença de que os portugueses foram os primeiros a descobrir o mundo e que estiveram 500 anos em África. A isto junta-se também o mito “de que não há racismo em Portugal e nos portugueses”.
Estas ideias forjam a ideologia colonial e seriam depois amplamente difundidas no ensino, em estudos académicos ou em grandes exposições. “Há até pensadores anti-salazaristas que são profundamente colonialistas. Ou seja, isto atravessa toda a sociedade, mesmo a nível das elites.”
Chegando ao 25 de Abril, acrescenta Miguel Vale de Almeida, não há um “processo de verdade e reconciliação”, e os sucessivos Governos optam por defender que “tivemos um colonialismo universalista e de contacto entre culturas”. Por outro lado, constrói-se “a ideia de lusofonia”. “São duas estratégias extremamente perigosas porque simpáticas. Metemos o racismo, a escravatura, a violência e o colonialismo debaixo da cama.”
No fundo ainda hoje somos “vítimas da ilusão da excepcionalidade portuguesa”, sublinha. Na prática, “não abolimos a constituição colonial” e continuamos a achar que “existe um tipo de cidadão português, que é implicitamente representado como branco, depois existem indígenas, que não pertencem cá, não devem ter cidadania, e os assimilados, capazes de se comportar segundo os padrões de uma classe média branca”.
Descolonizar não é metáfora
É isto que sobressalta na forma como “se gerem” os imigrantes em Portugal, por,exemplo, pois as relações ainda são de subalternidade, de discriminação, “passando obviamente pela questão racial”, analisa, por outro lado, Iolanda Évora, investigadora do Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). “Os imigrantes são vistos como uma população para ser gerida, e isso leva, por vezes, à ideia do indigenato.” Ou seja, as pessoas “nunca mais deixam de ser provisórias, vivendo aqui há 40 anos mas continuando a ser vistas como migrantes”, explica. “A tendência deveria ser desaparecerem como tal e passarem a ser cidadãos iguais aos outros.”
O problema é que não há em Portugal uma verdadeira consciência do colonialismo: ela está limitada a elites culturais e académicas e “tem que se estender” a outras esferas da sociedade, completa Pedro Schacht Pereira, professor na Ohio State University, que tem investigações sobre a matéria. “O colonialismo terminou para as ex-colónias mas mantém-se em Portugal ao nível do discurso.”
A necessidade de descolonizar Portugal não é mesmo uma metáfora, termina Flávio Almada, tradutor, mestrando em Estudos Internacionais no ISCTE, activista. “Não chega mudar o nome de ruas.
O racismo tem impacto na vida das pessoas. Nós temos uma pergunta para os académicos: o que estão a fazer para alterar a situação, onde está o vosso papel de agentes que podem apresentar ferramentas para transformar?”
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